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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Carta aberta à população * RENIU / MA

CARTA ABERTA À POPULAÇÃO


Carta aberta à população

(Observação: Esta carta vem a público somente agora por ser resultado de elaboração coletiva incluindo mulheres indígenas de diversos saberes.)
Divulgação: Maria Lídia Tupinambá / MA


Nós, mulheres indígenas em Contexto Urbano, de diversos estados e povos originários, reunidas no dia 27 de março de 2021, de forma online, viemos por meio desta carta aberta, expressar nossa existência e nossa luta pelo reconhecimento de nossas identidades e demandas específicas no que tange às experiências concretas do ser mulher indígena em contextos urbanos, marcada pela incompreensão, por preconceitos, invisibilização e precariedade estrutural.

Pelo histórico de dominação colonial, exclusão política, social e econômica, potencializados pelos posicionamentos das atuais governanças políticas, nossos povos vem sendo responsabilizados pelas mazelas desse país e ao mesmo tempo, sofrendo os efeitos drásticos dos retrocessos políticos, ecológicos, sociais, dentre outros.

A nós, mulheres indígenas em Contexto Urbano, são negados direitos básicos, como acesso à educação e à saúde diferenciada, empregos dignos, oportunidades de geração de renda e políticas públicas que respeitem o nosso modo de ser e viver indígena. Além disso, por diversas razões, temos pouco ou nenhum acesso aos espaços de participação política das mulheres, das questões indígenas, e nem mesmo nos locais em que se discutem as especificidades das mulheres indígenas. Parafraseando Sojourner Truth, por acaso não somos mulheres? Não somos indígenas? Não somos mulheres indígenas? Para a sociedade racista, machista, elitista, quem somos?

Importante ressaltar que enfrentamos todas as dificuldades das mulheres indígenas que vivem nas comunidades (aldeias), somadas às especificidades das mulheres pobres e racializadas nas cidades, uma vez que nossas vulnerabilidades estão relacionadas a questões socioeconômicas como acesso à moradia, água potável, educação, saúde, falta de emprego e renda, dentre muitas outras. É importante mencionar a alta taxa de desemprego, informalidade e precariedade do trabalho entre mulheres indígenas nas cidades. Por termos que começar a trabalhar duro desde muito cedo em duplas e triplas jornadas nas cidades, não chegamos facilmente ao ensino superior. Além dessas questões sociais, somos triplamente invisibilizadas, primeiro por sermos mulheres, segundo por sermos indígenas e terceiro por sermos indígenas em contexto urbano. Sofremos diversas formas de preconceito e discriminação por parte daqueles que não compreendem os motivos que nos fizeram migrar para a cidades, como a invasão de nossas terras, conflitos violentos ou busca por melhores oportunidades, em um contexto mais amplo de exclusões e violências às quais somos acometidas sistematicamente há mais de cinco séculos. Nós somos mulheres indígenas, somos parte dos povos originários desta terra, mesmo vivendo em contextos urbanos!

Destacamos ainda que as mulheres são a maioria dos profissionais de enfermagem no Brasil, profissionais de saúde atuando diretamente na linha de frente do enfrentamento à pandemia de Covid-19. Recai sobre as mulheres a maior parte da responsabilidade no cuidado dos doentes também no âmbito familiar. O trabalho de cuidado remunerado (profissional) e o não remunerado (família) devem ser problematizados, já que ambos envolvem subjetividades (afeto, atenção) e técnicas. As mulheres, sobretudo mulheres pobres, indígenas e negras, são ainda as mais impactadas em situações de crise sanitárias, sobrecarregadas física e psicologicamente, sustentando o trabalho de cuidado e reprodução da vida, muitas vezes sem nenhum suporte material e emocional. Esta feminização do cuidado e da pobreza, somando-se a questões de classe, raça e etnia (no caso das mulheres indígenas), ganha uma nova face com o descaso do poder público e a sua desresponsabilização para com o bem-estar, a segurança alimentar, a saúde física e psicossocial dessas mulheres que, lutam por direitos básicos nas cidades, além de alternativas de reconhecimento e visibilidade.

Desse modo, precisamos nos sentir acolhidas e pertencentes, mas não é isso que acontece na realidade: a totalidade dos municípios brasileiros não têm estrutura física nem locais específicos para acolher mulheres indígenas. Até mesmo para venda de suas artes, desdobram-se pelas calçadas dos grandes centros urbanos, expostas a riscos, doenças, intempéries de toda natureza, sem qualquer proteção. Contemporaneamente, neste cenário, cabe especialmente aos municípios, estado, ao Ministério da Saúde e à SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena), a responsabilidade de assegurar o direito ao acesso Universal, Equânime e Integral à Saúde das mulheres indígenas em contextos urbanos, atendendo amplamente os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, educação sanitária, integração institucional, tendo como foco a questão indígena, desenvolvendo assim um plano de trabalho para Saúde dos Indígenas que estão em contexto urbano. Sendo que estas reivindicações estão na lei 8080/90 no artigo 196, pois saúde é um direito de todos e dever do estado, cabendo ainda citar este como conceito ampliado de saúde, que garante mediante políticas sociais e econômicas, reduzir riscos e agravos com ações e serviços para promoção, prevenção e recuperação. Reforçamos ainda que o subsistema de saúde indígena está dentro do modelo com SUS e com especificidade para povos indígenas no que tange à lei 9836/99, havendo ainda a portaria 508 do SUS, que é de suma importância a sua execução inclusive para alimentar a base de dados do e-sus. Desse modo, reivindicamos que a população indígena seja nas cidades, seja na zona rural e nos grandes centros urbanos, sejam atendidas de igual modo, e que não fique somente nos dados do censo, especialmente na questão da imunização, sendo que até a vacina da H1N1 é negado para essa população como grupo prioritário.

PROPOSTAS

Prover informações e garantir o acesso de mulheres indígenas às políticas sociais;

Garantir o direito de mulheres indígenas à exploração sustentável de recursos naturais comercializáveis, assim como aqueles usados como matéria prima no artesanato;

Fornecer creches para que as mulheres indígenas possam ter autonomia na busca por geração de renda;

Promover a capacitação das mulheres indígenas para a entrada no mercado de trabalho de suas regiões;

Promover a capacitação de mulheres indígenas em metodologias de cooperativismo e comércio, garantindo condições justas para o comércio de seus produtos;

Valorizar a agricultura tradicional e familiar, com programas para o financiamento da produção agrícola e a soberania alimentar;

Garantir que as prefeituras forneçam estrutura, espaço e segurança para que as mulheres vendam seus produtos e realizem encontros.

Garantia e ampliação dos direitos de cidadania para atendimento à saúde psicossocial das indígenas em contexto urbano e seus dependentes, com sofrimento e/ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas.

(27 de março de 2021.)

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