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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Olho de ciclope / Elias de França / PI

 OLHO DE CICLOPE

O Ciclope é um personagem da mitologia grega que tem força descomunal, mas enxerga com seu único e redondo olho no meio da testa. 


Os golpistas que temos visto nas ruas e nas redes sociais, nos últimos sete anos, todos têm olho de ciclope. Não, não se trata exatamente de uma massa de idiotas, de fanáticos extremistas, de religiosos fundamentalistas, de sociopatas odientos… Ao contrário, são diversos - diversidade medíocre, mas diversidade. Logo, não se resumem – todos – a um único “gado”. Se formos analisá-los desde as manifestações da Av. Paulista, em 2015, até os dias de hoje, veremos que nunca se tratou de um, mas de vários grupos e perfis que se atracaram e se estranharam em diversas ocasiões.


São segmentos plurais, entre os quais figuram muita “gente boa” e até pessoas de rara inteligência, mas todos têm algo em comum: o olho de ciclope. E o olho de ciclope do golpista é o estereótipo imperialista estadunidense, aquela visão que, há mais de 70 anos, vem sendo reproduzida à exaustão pela grande mídia, pela colonização cultural, pela doutrinação religiosa, pelo consumo da “ilusão americana”, em todo o tempo e em todo lugar. 


Os ciclopes enxergam o mundo sob a lente dos interesses dos EUA. O que não está de acordo com a cultura, os padrões e gostos daquele país não serve ao mundo. Os EUA, para eles, é o modelo de paraíso, de perfeição. Os EUA são, para eles, a medida exata de democracia, de liberdade, de qualidade empresarial, de política migratória, de arte, de religião e – até – de deus. 


Quando a CIA estimulava golpes militares e os assessorava, através de operações como a Condor, instruindo facínoras a praticarem torturas, a jogarem pessoas vivas e mutiladas no oceano, a sumirem com cadáveres em valas comuns…, para os ciclopes, tratava-se da mais perfeita defesa da democracia e da liberdade. Esqueciam até os conceitos de “direitos humanos”. Quando golpistas militares depunham e matavam presidentes legitimamente eleitos, como fizeram com Salvador Allende no Chile, era tudo isto a democracia em pessoa. Quando os EUA ergueram com mísseis o estandarte judaico cristão ocidental contra o mundo islâmico/muçulmano para assegurar seu domínio do petróleo e de seu lastro da comercialização exclusivamente em dólar, era para os ciclopes o triunfo dos anjos do deus verdadeiro sobre a Terra. 

E finda a Guerra Fria, o estereótipo sobrevive e até sofisticou, tendo valido de tudo: vale presidente autonomeado (Guaidó, um dia desses, era a encarnação da democracia), pedalada fiscal como crime temporário, juiz combinar sentença com promotor, xingar adversários eleitos de “ditador sanguinário”, vale até deportar crianças brasileiras algemadas nos pés e mãos. 


E golpes e mais golpes… Além do Brasil e das frustradas tentativas de golpe na Venezuela, a visão ciclope aplaudiu, nesses últimos anos, golpes em vários países aqui nos arredores (Honduras, Paraguai, Bolívia, Haiti…). Vale chamar extremistas que atentam contra a democracia e a ordem de seu país de “presos políticos”, enquanto ficam caladinhos com as perseguições do “paraíso da democracia e da liberdade” contra Assange, cujo crime foi criar um site para denunciar exatamente os crimes de toda ordem que sua lupa nunca vê. A síndrome de capacho é tão gritante que o golpe de 2016 acabou imitando o “país- modelo”, tendo como desfecho a eleição de um psicopata extremista como presidente, nome insignificante no cenário, até a eleição de Trump.

O ciclope tupiniquim é um hipócrita – sim – que, com seu olho redondo de lupa programada, vive de dar amplitude exagerada aos acontecimentos que lhes são convenientes, enquanto finge não ver aquilo que contraria suas crenças e devaneios, por mais reais que sejam. Mas também, são, em linhas gerais, como todo alienado, tipos voláteis, sem porto, sem qualquer firmeza de princípios, sem nenhum compromisso de honestidade intelectual. E não falo da “metamorfose ambulante” declarada por Raul Seixas. O mundo do ciclope é restrito a apenas um prato da balança. Logo, só constitui mudança o deslocamento de um lugar para outro do mesmo prato. 


O ciclope nunca tem o candidato ideal, vive imerso na ideia de “menos ruim”, até porque, via de regra, é sempre um mau eleitor, é daqueles que sempre vota nos piores, que não tem nenhum escrúpulo de mudar para o que está na frente nas pesquisas, para o que pode vencer e que mais se aproxima de sua lupa programada. Foi assim que mudaram de Aécio para Moro, deste para Bolsonaro, que agora vivem de tentar fabricar uma “terceira via”.


ELIAS DE FRANÇA/PI

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