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terça-feira, 2 de agosto de 2022

COMO DIREITIZAR UM ESQUERDISTA * Frei Betto / SP

 COMO DIREITIZAR UM ESQUERDISTA

Frei Betto / SP

Neste artigo: Ernesto Che Guevara, Frei Betto, Esquerda, Revolução Francesa, Vladimir Ilich Lenin etc.


Ser de esquerda é, desde que essa classificação surgiu com a Revolução Francesa, optar por os pobres, indignar-se com a exclusão social, estar insatisfeito com todas as formas de injustiça ou, como dizia Bobbio, considerar a desigualdade social uma aberração.


Estar na direita é tolerar a injustiça, considerar os imperativos do mercado acima dos direitos humanos, encarar a pobreza como uma mancha incurável, acreditar que existem pessoas e povos intrinsecamente superiores aos demais.


Ser esquerdista - patologia diagnosticada por Lenin como 'doença infantil do comunismo' - é enfrentar o poder burguês até se tornar parte dele. O canhoto é S fundamentalis por conta própria. Ela incorpora todos os esquemas religiosos típicos dos fundamentalistas da fé. Ele enche a boca de dogmas e adora um líder. Se o líder espirrar, ele bate palmas; se chora, fica triste; se muda de ideia, analisa rapidamente a situação para tentar mostrar que na atual correlação de forças...


O esquerdista ama as categorias acadêmicas da esquerda, mas se iguala ao general Figueiredo em um ponto: não pode aguentar o fedor do povo. Para ele, povo é aquele substantivo abstrato que só parece concreto quando se trata de acumular votos. Assim, o esquerdista alcança os pobres, não por preocupação com sua situação, mas com o único propósito de angariar votos para si mesmo e/ou sua camarilha. Depois das eleições, adeus te vi e até o próximo concurso!


Como o esquerdista não tem princípios, mas interesses, nada mais fácil do que girá-lo para a direita. Dê-lhe um bom trabalho. Mas que não seja o trabalho, aquele que obriga os mortais comuns a ganhar o pão com sangue, suor e lágrimas. Tem que ser um daqueles trabalhos em que pagam um bom salário e concedem mais direitos do que deveres que exigem. Principalmente quando se trata da esfera pública. Embora também possa ser na iniciativa privada. O importante é que o esquerdista sente que merece um aumento significativo em sua bolsa particular.


É o caso quando ele é eleito ou nomeado para um cargo público ou assume cargo de direção em determinada empresa. Ele imediatamente baixa a guarda. Ele não se critica. Simplesmente o cheiro do dinheiro, combinado com a função do poder, produz a alquimia irresistível capaz de fazer o mais retórico dos revolucionários torcer os braços.


Bom salário, cargos de chefia, royalties, estes são os ingredientes capazes de embriagar um esquerdista em seu itinerário em direção à vergonhosa direita, que age como tal, mas sem assumi-la. Aí o esquerdista muda de amizades e caprichos. Troque aguardente por vinho importado, cerveja por uísque escocês, apartamento para condomínio fechado, rodadas no bar para recepções e festas suntuosas.


Se um colega de outrora o procura, ele engana, não comparece, delega o caso ao secretário, reclama disfarçadamente do 'incomodador'. Agora todos os seus passos se movem, com precisão cirúrgica, no caminho do poder. Ele adora sair com pessoas importantes: empresários, ricos, proprietários de terras. Ele se encanta com presentes e presentes. Sua maior infelicidade seria voltar a ser o que era, desprovido de lisonjas e palavrões, um cidadão comum lutando pela sobrevivência.


Adeus ideais, utopias, sonhos! Viva o pragmatismo, a política de resultados, o conluio, as artimanhas feitas com mão de especialista (mesmo que aconteçam percalços pelo caminho. Nesse caso, o esquerdista conta com a ajuda rápida de seus pares: silêncio obsequioso, fingindo que não acontecer nada, hoje para você, amanhã para mim...).


Lembrei-me dessa caracterização porque, há poucos dias, encontrei em uma reunião um velho camarada dos movimentos populares, cúmplice da luta contra a ditadura. Ele me perguntou se eu ainda andava com aquelas 'pessoas da periferia'. E pontificou: "Que estupidez você deixou o governo. Lá você poderia ter feito mais por aquela cidade."


Deu vontade de rir na frente daquele camarada que, antes, teria feito Che Guevara se sentir um pequeno burguês, tão grande era seu fervor revolucionário. Contive-me para não ser indelicada com aquele personagem ridículo, de cabelo penteado para trás, terno fino e sapatos de anjo. Respondi apenas: "Tornei-me um reacionário, fiel aos meus velhos princípios. Prefiro correr o risco de errar com os pobres do que ter a pretensão de ter razão sem eles".


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2 comentários:

  1. Sou de esquerda com muito orgulho e não generalizo minhas diferenças com outros grupos que mantém a mesma luta que eu.

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  2. Faltou falar da r/therightcantmeme e dos subreddits relacionados a mesma. Assim como da esquerda do Politigram e das mídias sociais.

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O capitalismo está podre. Todos sabemos disso. Mas ele não cai sozinho