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terça-feira, 20 de dezembro de 2022

O que foi a Petrobras sob o governo Bolsonaro? * Eric Gil Dantas-IBEPS

O que foi a Petrobras sob o governo Bolsonaro?
Eric Gil Dantas-IBEPS

Economista do Ibeps faz uma análise restrospectiva da Petrobrás nos últimos quatro anos: privatizou como nunca, cobrou os preços mais altos da história e investiu o mínimo.

Finalmente chegamos ao último mês do lento e abjeto governo Bolsonaro. A Petrobrás sobreviveu ao seu maior teste de resistência desde as ondas de privatizações da década de 1990. Sobreviveu com algumas sequelas, é verdade, mas sobreviveu, e é o que importa.

E já que chegamos ao fim deste governo, e ainda sob uma democracia, o que facilita a escrita deste texto, é importante fazermos uma análise retrospectiva. O que foi que aconteceu ao longo destes últimos quatro anos? Que Petrobrás está sendo legada ao novo governo Lula?

Para isto, dividiremos nossa retrospectiva em quatro diferentes campos: (i) os preços dos combustíveis, (ii) os investimentos da companhia; (iii) as privatizações de ativos; e (iv) os lucros e dividendos.

PPI, preços recordes e desonerações

Desde a implementação do Preço de Paridade de Importação (PPI), no final de 2016, a Petrobrás foi responsável por aumentos substanciais nos preços dos combustíveis em dois momentos: em 2018 (greve dos caminhoneiros) e em 2021-2022. Em maio de 2018 o preço do diesel S-10 chegou ao seu maior patamar real da história, já a gasolina atingiu esse mesmo recorde no mês de outubro daquele ano. Acontecia o mesmo com o GLP, que chegou ao preço recorde já no mês de janeiro de 2018. No entanto, os recordes de 2018 foram fichinha para os preços que pagamos em 2021 e 2022. O preço final da gasolina chegou a R$ 7,19 (todos os valores citados aqui são atualizados para outubro de 2022) no mês de junho de 2022. O diesel S-10 a R$ 7,57, em julho. E o GLP a R$ 113,96, em abril de 2022.

As consequências destes preços elevados foram diversas. A mais gritante foi fazer com que os índices de inflação chegassem aos dois dígitos, fenômeno pouco visto no século XXI. Entre setembro de 2021 e julho de 2022 os índices do IPCA encerrados em 12 meses ficaram em dois dígitos, em abril chegando a 12,13%, sempre com alimentos e combustíveis sendo os maiores responsáveis.

No caso do GLP, especificamente, o efeito foi ainda mais terrível. O país está consumindo cada vez menos botijões de gás. No ano passado o consumo de GLP até 13kg (13kg é o botijão padrão, consumido nas residências) já havia caído 4,18%. Em 2022, até julho o consumo deste combustível já caiu mais 5,5%. Isto ocorre mesmo com o programa Gás para os Brasileiros e o programa de distribuição de gás de cozinha da Petrobras, o que mostra o tamanho do problema. O consumo de GLP está sendo substituído pelo de lenha. Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética, o consumo de lenha nas residências subiu 3,2% em 2021, chegando ao maior patamar desde 2010.

A resposta por parte do governo Bolsonaro foi meramente eleitoreira. Como estava em desvantagem nas pesquisas eleitorais e a questão dos combustíveis era um forte componente de desgaste diante da opinião pública, Bolsonaro impôs aos estados uma diminuição das alíquotas de ICMS, limitando-a aos 18%. O efeito foi sentido basicamente na gasolina, já que no diesel as alíquotas deste imposto raramente chegavam aos 18%. Foi uma festa com chapéu alheio, pois o ICMS é fonte de receitas de estados e municípios. Houve uma redução no preço da gasolina (naquele momento os preços internacionais também caíram, o que permitiu a Petrobrás cortar o preço nas refinarias), mas a conta está sendo paga até agora.

A arrecadação de ICMS nos estados brasileiros entre agosto e outubro (último dado consolidado) já caiu 4,43%, ou R$ 8 bilhões a menos nos três primeiros meses de funcionamento da nova isenção (que também abarca energia elétrica e telecomunicações). Em resposta a isto, vários estados já estão aumentando o ICMS de outros produtos para compensar a perda de arrecadação. O próprio Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz) orientou aos governos estaduais para elevar a alíquota padrão como caminho para recompor arrecadação de ICMS. No fim das contas, o imposto saiu da gasolina e vai para outros produtos.

Investimentos pífios

A gestão Bolsonaro deu continuidade aos baixos investimentos da estatal. Mesmo com receitas recordes nestes últimos anos, devido ao Real depreciado e preços recordes do barril de petróleo e dos produtos derivados, a empresa ignorou novos investimentos, preferindo esvair tudo em dividendos (como trataremos mais a frente). O que não faltam são gargalos que deveriam ser resolvidos com volumosos investimentos. Um primeiro é o déficit no consumo de derivados. Hoje importamos quase 20% dos combustíveis consumidos no Brasil.

É urgente o investimento em novas refinarias e em unidades de processamento de gás natural, para aumentar a produção principalmente de diesel e GLP. Também faltam investimentos para transportar o gás natural do Pré-sal para a costa, com novos gasodutos. Faltam investimentos em fertilizantes nitrogenados, setor que a Petrobrás praticamente abandonou, e que a guerra na Ucrânia mostrou ser estratégico para o país. E, por fim, em fontes para a transição energética, como os biocombustíveis, solar e eólicas. No que investir não falta.

Sob Bolsonaro, em 2020, a Petrobrás atingiu o menor nível de investimento desde o ano de 2002, mesmo sendo uma empresa muito maior hoje do que no início do século. Do auge dos investimentos em 2013 até o ano passado, o investimento da companhia caiu 72%. Mas para sermos justos, o Bolsonaro não diminuiu ainda mais o pífio investimento da companhia, apenas manteve no ridículo patamar o qual herdou.

Recorde de privatizações

Bolsonaro foi de longe o presidente que mais privatizou a Petrobrás desde o início do processo de “desinvestimentos”, em 2015. O Privatômetro do Observatório Social do Petróleo contabiliza que até outubro de 2022 foram vendidos R$ 275,5 bilhões em ativos da petroleira, sendo que R$ 173 bilhões destes sob o governo Bolsonaro. Foram privatizações como a da TAG, ações da Petrobrás de posse do BNDES, BR Distribuidora, Campo de Albacora Leste, RLAM, Polo Potiguar, Campo de Carmópolis, Liquigás, REMAN e SIX.


Importante pontuar que estes valores viram lucro líquido, e consequentemente compõem parte destes volumosos dividendos que estão sendo pagos. No ano passado, quase um quarto do lucro da companhia veio de privatizações. Ou seja, a privatização da maior empresa do país está servindo para aumentar a renda de curtíssimo prazo dos acionistas da companhia, sem nenhuma visão de médio ou longo prazo para a empresa.

Outra consequência é o aumento dos preços por parte das novas empresas privadas. A Refinaria Mataripe é o melhor exemplo disto. Sob gestão privada desde dezembro de 2021, passou a cobrar preços acima da média da Petrobrás. A RLAM, antes de ser privatizada, cobrava pela gasolina sempre 2 centavos abaixo da média das outras refinarias da estatal. Após a privatização, ao longo de 2022, cobrou em média 24 centavos a mais do que a Petrobrás.

Lucros e dividendos

A Petrobrás teve lucros extraordinários de 2021 para cá. Em 2021 o lucro líquido foi de R$ 106,7 bilhões, e dos primeiros três trimestres de 2022 o lucro já é de R$ 145 bilhões. Mas a explicação para os lucros recordes nada tem a ver com qualquer revolução de gestão instaurada no ano passado. A explicação principal são os preços: tanto o brent quanto o preço dos derivados vendidos pela companhia chegaram a patamares nunca vistos.

Como podemos enxergar no gráfico 3, o barril de petróleo chegou ao seu maior valor em reais no 2º trimestre deste ano, a R$ 560. Entre 2016 e 2020, o preço médio do brent ficou em R$ 210 por barril, equivalente a 38% do preço recorde do 2º trimestre. Isto é explicado tanto pelo aumento do preço no mercado internacional quanto a enorme desvalorização cambial do Real, processo de deterioração do câmbio iniciado desde que Paulo Guedes assumiu o Ministério da Economia.


Outro grande aumento ocorreu nos preços de derivados básicos vendidos pela Petrobrás. No 3º trimestre os derivados básicos vendidos pela Petrobrás no mercado interno chegaram ao recorde de R$ 693 por barril. A venda de produtos derivados no mercado brasileiro é responsável por 65% da receita líquida da Petrobrás, sendo assim, este preço recorde elevou substancialmente as receitas, e consequentemente o lucro, da estatal.


Com lucros exorbitantes resultantes principalmente dos preços recordes e abusivos à população, a gestão da Petrobrás optou por escoar tudo isto por meio de dividendos, para remunerar o máximo possível os detentores das ações da companhia. Entre 2021 e 2022 a Petrobras irá pagar ao todo R$ 289,8 bilhões em dividendos. Segundo o Índice Global de Dividendos da gestora Janus Henderson, a Petrobrás deve fechar o ano de 2022 como a segunda maior pagadora de dividendos em todo o planeta.

São receitas totalmente desperdiçadas, transformando privatizações e preços abusivos em renda para os grandes detentores de ações da companhia. Como já vimos, as receitas não viram novos investimentos como em uma empresa “normal”, é puro rentismo – ou melhor, um verdadeiro saque à estatal. A economia, obviamente, sofre muito com isto.

A Petrobrás chegou a investir o equivalente a 11,1% de toda a Formação Bruta de Capital Fixo da economia brasileira, em 2009. Hoje este número está próximo dos 4%, mesmo com receitas muito superiores às da época.

Em síntese

A Petrobrás sob o governo Bolsonaro aprofundou a política já herdada anteriormente. Privatizou como nunca, cobrou os preços mais altos da história e investiu o menor volume possível, tudo isto para sobrar o máximo de dinheiro para os acionistas. A economia sofreu, com perpetuação de baixíssimos investimentos produtos e inflação alta, gerando desemprego, diminuição da renda e fome.

A empresa deverá ser um dos principais vetores do desenvolvimento do novo governo Lula. É verdade que o Brasil perdeu uma oportunidade ímpar com o novo ciclo de commodities que perpassou a maior parte do governo Bolsonaro, infelizmente os altos preços internacionais ao invés de impulsionar a economia brasileira, gerou apenas mazelas para o seu povo.

Os desafios da Petrobrás como uma empresa compromissada com seus verdadeiros proprietários, o povo brasileiro, são muitos. Mas os mais urgentes são, com certeza, a retomada dos investimentos, a cobrança de preços justos nos combustíveis e a transição energética.

Esperamos que 2023 seja um ano de uma verdadeira inflexão na política da Petrobrás, e que nunca mais tenhamos um inimigo declarado da empresa comandando o país.

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