Os labirintos da esquerda latino-americana
Rafael Cuevas Molina / Presidente AUNA-Costa Rica
A esquerda latino-americana não encontra saída em outros labirintos. Um deles é o da Nicarágua; o outro é o da Rússia, ambos presentes na realidade política do mundo contemporâneo.
A esquerda está fazendo progressos na América Latina que não consegue em outras partes do mundo. Neste exato momento, nos encontramos imersos no que foi chamado de segunda onda de governos progressistas e de esquerda, enquanto movimentos e partidos abertamente de direita avançam na Europa e nos Estados Unidos, alguns até com cunho fascista.
O fato de os governos dessa segunda onda estarem inseridos no mesmo fenômeno político não implica que haja homogeneidade ideológica entre eles. Há desde os que podem ser classificados como social-democratas até os que se declaram socialistas, "antiquados" ou em busca de formas adequadas ao século XXI.
Muitos desses governos venceram em processos eleitorais em que seus adversários eram de direita radical. Foi o caso do Chile, Bolívia, Brasil, Colômbia e Honduras, para os quais seus triunfos causaram um suspiro de alívio; mas com o tempo surgem discrepâncias e opiniões divergentes sobre se o que eles fazem corresponde ao que a esquerda “deveria fazer” ou não.
Este é um primeiro labirinto em que a esquerda latino-americana se perde ou, em termos mesoamericanos, morde o rabo. O que é ser de esquerda hoje e o que um governo que se autodenomina como tal deve fazer?
Essas questões estiveram menos presentes na primeira onda de governos progressistas e de esquerda, porque houve uma série de iniciativas que a esquerda latino-americana achou conveniente e gostou porque estavam em sintonia com sua tradição.
Eram propostas e medidas de caráter latino-americano e de espírito anti-imperialista, que buscavam a integração latino-americana autônoma. Eles foram protegidos por um espírito bolivariano como um precedente histórico, mas foram baseados em uma leitura do mundo contemporâneo que apostava na multipolaridade e nas relações sul-sul.
O Brasil com Lula e a Venezuela com Hugo Chávez lideraram esse movimento, no qual estiveram outras figuras importantes como Kirchner e Correa.
Mas agora não. Há apelos dos presidentes colombiano e mexicano e iniciativas mornas que não conseguem gerar movimentos e processos como os daquela primeira onda. De alguma forma, desperdiça-se a oportunidade de gerar novas iniciativas ou de relançar ou fortalecer aquelas que já percorreram um longo caminho, mas perderam força por diferentes motivos.
A esquerda latino-americana não encontra saída em outros labirintos. Um deles é o da Nicarágua; o outro é o da Rússia, ambos presentes na realidade política do mundo contemporâneo.
No caso da Nicarágua, há uma esquerda que a defende e outra que a odeia, que vê a FSLN encabeçada por Ortega e Murillo como uma ditadura que trai os princípios da revolução de 1979. Os argumentos vêm e vão, não há necessidade de repeti-los porque todos os conhecem.
E algo semelhante acontece com a Rússia nesse cenário em que invadiu a Ucrânia. Há quem continue a ver nela a velha URSS, e isso me lembra minhas conversas virtuais com colegas do Instituto Latino-Americano da Academia Russa de Ciências que, alguns anos antes desses eventos, já nos alertavam sobre esse fenômeno que classificaram como uma miragem.
Nestes labirintos não há Ariadna para oferecer o fio que conduz à saída, e desgastam uma esquerda que está a ter, parafraseando García Márquez, a sua segunda oportunidade na terra. Espero que mais tarde não nos arrependamos de tê-la desperdiçado.
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