OMISSÃO ANTE O FASCISMO JAMAIS
Esse artigo foi elaborado como resposta urgente e dramática a algumas discussões, posições e ilusões que tenho presenciado nas redes sociais acompanhadas do silêncio suicida ou de manifestações que reforçam a expectativa de vitória institucional sobre o fascismo. Para fazê-lo interrompi outro artigo que falava do The Day After (O Dia Seguinte – conhecido filme, dirigido por Nicholas Meyer), em alusão ao dia seguinte à vitória da chapa Lula / Alckmin.
Quando fechava o texto, foi noticiado que Bolsonaro, pelo twitter, deu uma nova declaração chamando claramente seus apoiadores a desobstruírem as rodovias. Independentemente dessa declaração e do efeito que ela provoque, o valor desse texto em seu conteúdo principal permanece inalterado.
Não. A discussão é mais embaixo quando se trata de luta contra a extrema direita em suas diversas variantes, principalmente a variante fascista. Aqui não há espaço para discussão democrática nem para depositar ilusão no funcionamento das instituições do Estado burguês, principalmente as FFAA (em todos os seus braços) que é onde os setores da burguesia que semeiam o pântano onde cresce o fascismo vão buscar seu suporte armado e intimidador.
O fascismo, é necessário destruí-lo nas ruas em seu nascedouro. É vital que não o deixemos gostar das ruas, pois o fascismo é sedutor (há uma série brilhante na Netflix chamada “Peaky Blinders” (não tem tradução) que, já no charme, beleza e exotismo dos personagens fascistas, mostra, lá pela quinta ou sexta temporada, como o fascismo é sedutor – e, para quem gosta do tema, recomendo a ficção histórica “O Inverno do Mundo”, o segundo livro da brilhante trilogia “O Século” do escritor inglês Ken Follet, onde essa discussão é exemplarmente desenvolvida. E quem quiser se aprofundar ainda mais não pode deixar de ler a série de artigos escritos por Leon Trotsky entre 1930 e 1933 sobre a ascensão do nazifascismo na Alemanha e que foram organizados editorialmente no livro intitulado “Revolução e Contrarrevolução na Alemanha” – considerado por intelectuais e historiadores sérios, não estalinistas, como os textos que mais claramente entenderam o que significava o processo de afirmação do fascismo no cenário político mundial.
Isso tem a ver não só com o momento atual, mas também como esse núcleo que responde diretamente aos comandos da extrema direita sai do momento atual para o futuro. Nesse sentido, qualquer discussão que vá no sentido de não criar um estado de alerta vermelho em relação às embrionárias manifestações de articulação orgânica e unificada, paramilitar, da extrema direita sob o falso pretexto de “não podemos morder a isca” é não só de um everéstico desconhecimento da história, mas fundamentalmente é desarmar os trabalhadores, a juventude e o povo pobre das favelas e periferias para uma tarefa que só pode ser realizada com a organização e a preparação consciente para o enfrentamento à extrema direita que, como Bolsonaro falou, veio para ficar. Nesse momento isso significa unir o campo e a cidade em defesa do resultado das eleições.
Caminhamos para 72 horas de bloqueios que já afetam o abastecimento de alimentos e combustível e colocam em risco de colapso o funcionamento das capitais. O comportamento das polícias militares, nem de longe tem o mesmo rigor e a mesma tenacidade com que agem com as lutas dos trabalhadores e do povo pobre. Mais do que isso: como nos mostra o método dialético de análise, não existe estabilidade no mundo real; ou as coisas recuam ou elas avançam: a manutenção dos bloqueios apesar de todo o furor da decisão do STF, das condenações por parte da sociedade civil e de diversas autoridades públicas, e da investida da grande mídia que tenta fazer crer que a declaração de Bolsonaro foi condenatória aos manifestantes, pode levar a novos capítulos mais dramáticos. Já houve um tenente no Pará que quebrou a hierarquia e se recusou a desmobilizar um piquete de bloqueio e em Santa Catarina houve manifestação com a saudação nazista.
O que o tenente do Pará pôs em prática é, sem dúvida, o sentimento da maioria da tropa que só não segue claramente esse caminho pela insegurança gerada pelas manifestações condenatórias dos piquetes nas estradas pela quase totalidade da sociedade civil. Mas se o impasse permanece e não aparece uma força clara dissuasória desse movimento da extrema direita, poderemos ter sérios problemas.
A declaração de Bolsonaro é apenas pro forma e, como bem o entenderam os caminhoneiros, não representa um chamado a suspender os piquetes nem um reconhecimento da vitória eleitoral de Lula que sequer é citado. As instituições da sociedade civil, em sua maioria, tentam fazer um contorcionismo para dar esse significado a sua declaração e, com isso, aproveitar de sua liderança junto aos golpistas para chamar a extrema direita de volta à normalidade democrática.
Num artigo publicado em junho e republicado em setembro deste ano nas redes sociais de que participo, eu dizia:
“(...)
Assim, o mais provável é que haja um acordo para “anistiar” os setores civis e militares responsáveis pela trágica condução da pandemia, pelo massacre de povos originários, pelos acordos espúrios que resultaram no atraso da vacinação e pelas práticas neonazistas da Prevent Sênior, pela destruição acelerada da Amazônia, pela crescente quebra da laicidade do Estado, pelos constantes ataques às instituições do regime democrático burguês brasileiro, pela política de dizimação da juventude negra nas regiões de periferia e favelas e pelos atos de barbárie cometidos pelas forças de segurança estaduais e federais.
Isso significa perder a oportunidade de dar um golpe letal nesses setores e permitir que, mesmo debilitados, mantenham a espinha dorsal de suas ideias, organizações e lideranças intactas e prontas para se reaglutinarem e intervirem nos principais pontos políticos da pauta nacional. E, se o plano de Lula de cooptação dos de baixo vingar, com a classe trabalhadora desmobilizada e desorganizada para o enfrentamento político – o que colocaria novos riscos de aventuras golpistas na ordem do dia.”
O rápido reconhecimento da chapa Lula / Alckmin nacional e internacionalmente é um indicativo de que esse acordo já está firmado. No entanto tudo indica também que ele não vai até Bolsonaro e sua família, nem ao setor do empresariado mais identificado com a lúmpen-burguesia e mais claramente relacionados com a sustentação de atividades golpistas e / ou ilegais (madeireiros, mineradores, agropecuaristas responsáveis pelas queimadas na Amazônia e no Pantanal e alguns setores da burguesia urbana ligada ao varejo).
Esse é um dos principais fatores que podem estar por trás dos atos de bloqueio nas estradas. O fato de Bolsonaro, na reunião com o STF, ter demonstrado preocupação com o “revanchismo” daquele poder reforça uma interpretação nesse caminho.
Mais adiante, o mesmo artigo de junho, republicado em setembro, dizia:
“(...)
Assim como no artigo “Dialogando com Safatle” que publiquei em setembro do ano passado, não creio que haja espaço político para um golpe: não há perigo de quebra da institucionalidade e da perda do controle do Estado pela burguesia; não há uma situação de crise social manifesta nem organizações com influência de massa que questionem a ordem burguesa; a burguesia vai muito bem, obrigado, com vários setores batendo recordes de lucro e com contratos futuros que não querem ver sacudidos por uma crise institucional de proporções e desfecho desconhecidos; o imperialismo americano aposta suas fichas nas democracias controladas na busca de estabelecer uma nova ordem mundial sob sua reconhecida hegemonia.
O fato de não haver espaço político claro para um golpe não significa que não haja um setor golpista, oriundo do BOLSONARISMO e personificado na figura de Bolsonaro, que não possa se aventurar a isso por interesses corporativos próprios, aliado a setores ideologicamente alinhados com a extrema direita mundial. O mais provável então, nesse momento, é que, na hipótese de segundo turno apontando a vitória de lula/Alkmin, esse setor tente se fortalecer relativamente com uma tática golpista que culmine, por exemplo, num ato de massas, inclusive com a presença de possíveis setores armados, por ocasião do fim do segundo turno, nas principais cidades do país, que venha a lhes dar fôlego político e organizativo para se constituir em uma ameaça real por fora da institucionalidade que tem representado uma contenção ao BOLSONARISMO e à Bolsonaro e sua vocação golpista.
Para Bolsonaro, a derrota eleitoral pode significar uma enxurrada de processos que podem leva-lo à cadeia. Fomentar uma alternativa golpista que fortaleça a extrema direita, criando um clima de tensão e instabilidade, mais do que um compromisso ideológico é para ele uma questão de sobrevivência que, como mínimo, fortalece o espaço para uma negociação.”
As manifestações golpistas não vieram sob a forma de atos pelo país. A forma como se deram os resultados do primeiro e segundo turno e a campanha eleitoral entre os dois turnos transformaria esses atos em velórios. Lembremos que, além das medidas inconstitucionais já abundantes antes, foram empregados entre os dois turnos todos os artifícios ilegais, aéticos e imorais que a administração do Estado burguês pode pagar, incentivar e promover. Isso fez com que a vitória de Bolsonaro, antes uma tarefa quase impossível, se transformasse em uma perspectiva real para seus seguidores. A imobilização causada pela dor da derrota, que teve por ser evitada por tão pouco, foi muito maior e justificou que as ações de conteúdo golpista se deslocassem das cidades para as rodovias, onde um pequeno exército, aliado de primeira ordem com o presidente derrotado, pudesse, com a ajuda da Polícia Rodoviária Federal (braço do Estado mais aparelhado pelo bolsonarismo) dar início ao processo de conteúdo golpista.
Ocorre que quanto mais tempo as ruas são oferecidas a esses bandos, mais riscos corremos desse movimento crescer e abarcar braços armados do estado ou da sociedade civil e se sentirem fortes e unidos o suficiente para continuarem a agir no futuro não só contra a institucionalidade do Estado do Direito, como agora, mas principalmente contra a organização e a luta dos trabalhadores – objetivo final do fascismo.
É nesse sentido que temos que entender a aula do professor Alysson Mascaros que circula na rede, em particular a parte em que ele diz: “(...) o capitalismo é o fascismo. O fascismo é um fenômeno do capitalismo, mas não todo momento do capitalismo é sempre fascista. Estão é preciso identificar o momento do perigo... e pasmem!!! Esse momento é momento de perigo”.
Então é preciso encarar a realidade com a seriedade que ela exige.
Armar emocional e conceitualmente a vanguarda lutadora, os trabalhadores e trabalhadoras, assim como o povo explorado e oprimido das periferias e favelas para o perigo que está no ar e mostrar aos fascistas que não tomarão as ruas é uma necessidade para não colocar em risco a vitória que tivemos nas urnas contra o bolsonarismo.
É preciso a imediata convocação de encontros locais, regionais, estaduais e nacional do movimento sindical, popular e da juventude, onde o proletariado oriente e organize seus aliados do campo brasileiro, dos povos originários, do movimento negro, dos coletivos de periferias e favelas, das organizações feministas e LGBTQI+ para a garantia do resultado eleitoral e da posse do presidente eleito.
Não podemos ter medo de querer garantir nossa vitória quando o Estado, depois de três dias, permanece inerte diante das ações golpistas.
Júlio C Santos - RJ
Membro do Conselho Diretor do Centro Cultural Octavio Brandão – CCOB
OBS: O texto reflete minhas posições e conclusões individuais e está autorizada sua divulgação
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O capitalismo está podre. Todos sabemos disso. Mas ele não cai sozinho