Os efeitos do eleitoralismo e do lulismo na esquerda radical
(NOTA DA FRT
A postagem deste texto em nosso blog é uma sugestão a todos os nossos militantes para refletirem sobre os caminhos a seguir rumo à Revolução Socialista em nosso país.)
Hoje duas determinações políticas centrais moldam a visão e posicionamento dos partidos e organizações brasileiros mais à esquerda. A primeira está sintetizada nas profundas críticas às insuficiências do “modo petista de governar”: inexistência de projetos claros de rompimento da dependência e consequente subdesenvolvimento; a política de conciliação de classes, em que a burguesia fica com a parte do leão e a classe trabalhadora com as migalhas que caem da mesa do banquete, e com o efeito político de despolitização decorrente da opção pela conciliação de classes, que se mostra muito claro quando percebemos que, em quatorze anos de governos petistas, o povo nunca foi convocado para luta, relegando-se seu destino ao covil de ladrões que é o Congresso Nacional. A segunda determinação vem sendo alimentada pelas pesquisas de opinião que dão enorme vantagem ao lulismo, apontando a possibilidade, no mês recente, de vitória ainda no primeiro turno. Esta possibilidade de sucesso eleitoral alimenta o temor de que uma posição crítica ao lulismo signifique o isolamento dos partidos e organizações da população.
No choque entre essas duas determinações, vêm sendo desconsideradas, a nosso ver, as diferenças reais entre uma derrota eleitoral e uma derrota política. Derrotas eleitorais são conjunturais, ou seja, têm efeito de curto prazo e, caso a organização ou partido não esteja por demais apegada a cargos nos parlamentos, passam como atribulações que em nada as impedem de seguirem seus rumos, a exemplo da longevidade que ostentam os partidos comunistas a despeito dos poucos e curtos períodos de legalidade durante os quais lhes foi permitido ocupar cadeiras nos parlamentos ou executivos. As derrotas políticas, por outro lado, são potencialmente fatais, conquanto atingem a própria razão de existência dos partidos ou organizações, porque a comprovação prática de que suas análises e métodos de luta são sem sentido levam a que a classe trabalhadora tome de tais organizações políticas um distanciamento mortal. Sendo assim, fica claro que, para a esquerda radical, são aceitáveis derrotas eleitorais que tragam consigo ganhos políticos.
Nossa análise de conjuntura, que será levada a público nos primeiros meses de 2022, mesmo ainda carecendo de ajustes, aponta a que uma reedição da política de conciliação de classes levará a um retumbante fracasso.
A impossibilidade de sucesso de um futuro governo petista
Dos vários elementos que sustentam a afirmativa aqui anotada, apontaremos, suscintamente, apenas o principal: a conciliação de classes só é possível quando os dois pólos, a burguesia e os trabalhadores, têm um ponto de concordância. Qual concordância- questionamos, é possível no Brasil de hoje, em que assistimos ao ataque massivo e permanente ao emprego, aos salários e aos direitos trabalhistas? Em nenhum momento a burguesia aponta qualquer sinal de querer reduzir esta marcha sobre nossos corpos, mostrando-se evidente que vivemos uma declarada guerra de classes. Nesse terreno, qualquer tentativa de conciliação será rejeitada pela burguesia, que se sente em marcha vitoriosa sobre nossos direitos; já pelo lado dos trabalhadores, a necessária resistência e luta, defensiva, pela revogação de nossas sucessivas perdas também serão empecilhos à qualquer conciliação ainda que fosse com ganhos mínimos. Como exemplo concreto, citamos o caso da Emenda Constitucional n° 95, que limita e impede a ampliação dos gastos sociais por vinte anos. É evidente que haverá pressão para sua revogação por parte dos trabalhadores, porém tendo em vista que este torniquete sobre os gastos sociais é fundamental para que nossos impostos continuem alimentando os ganhos da burguesia no cassino da dívida pública, a conciliação entre estas posições é impossível.
Com a concretização deste quadro, aqueles que optaram por fechar os olhos para a impossibilidade de conciliação em troca de viabilidade eleitoral viverão em prazo muito curto um enorme repúdio. Um prazo de dois anos nos parece razoável, porque um governo recém-eleito sempre goza de um período de boa vontade e dada esperança mobilizada, que um tanto lentamente virá a desvanecer-se. Como exemplo histórico de como este fenômeno acontece, dois exemplos pretendemos citar. O primeiro se refere às críticas da UDN, partido da direita, ao segundo governo de Getúlio Vargas, que lhes trouxeram imensa popularidade e uma vitória eleitoral. No dia em que Vargas suicidou-se, o líder da UDN Carlos Lacerda teve de refugiar-se na embaixada dos Estados Unidos, que foi apedrejada, e o jornal O Globo foi invadido pela multidão furiosa, que quebrou máquinas, em uma derrota política que findou por impedi-lo de ser o candidato da direita a presidente da República no pleito seguinte.
Em protesto, manifestantes quebraram veículos do jornal de oposição O Globo
Fotógrafo desconhecido, Rio de Janeiro, 1954.
Períodos de isolamento podem representar ganhos de credibilidade no futuro
O segundo exemplo que trazemos diz respeito à postura de Leonel Brizola em 1986, de denunciar o Plano Cruzado (plano de combate à inflação) como fraude, e que custou a derrota de Darcy Ribeiro para Moreira Franco nas eleições para o governo do Rio de Janeiro, uma derrota eleitoral. Por outro lado, tivemos a postura do PCdoB, que defendia o plano e apontava, como causa do desabastecimento, não o fracasso do plano, mas como resultado de Brizola alegadamente ter escondido gado nas fazendas da família de sua esposa. Com o derretimento da farsa do Cruzado, a deputada do PCdoB do Rio de Janeiro que fizera antes tal afirmação então passou meses sem poder visitar os bairros populares, sob o risco de ser linchada pela população, outro claro exemplo de derrota política.
Acima vimos exemplos de que o isolamento em um período curto, em determinadas condições, pode significar um ganho de longo prazo. Cabe então ter uma análise clara da conjuntura para saber qual a capacidade de um governo retomar em curto prazo o crescimento econômico e de regenerar uma democracia podre. Diante da impossibilidade cabe ter a coragem de apontar esta impossibilidade e recolher a momentânea rejeição, sabendo que este é um momento pedagógico da luta de classes. Depois destes momentos durante os quais a população foi encantada pelo “flautista de Hamelin” e não alertada por aqueles nas quais ela deposita credibilidade, fica a lição pedagógica de tapar os ouvidos com a cera do descrédito aos que lhe enganaram. Neste momento aqueles que, firmes como rocha, suportaram as intempéries do repúdio popular serão vistos como aqueles que não mentem para o povo em troca das benesses do poder.
O “flautista de Hamelin” levando a esquerda radical para o abismo
Os efeitos deletérios de Lula e sua hegemonia na esquerda já se fazem sentir! Vemos o PSOL, que foi protagonista contra as ocupações militares de favelas determinadas por Lula (2007), Dilma (2014) e nas ruas em 2014, cobrando avanços do governo Dilma, que se havia eleito com um discurso e a seguir passou a governar para os banqueiros, se dobrando por inteiro aos ditames da política eleitoral. As críticas à conciliação de classes desapareceram do mapa, as cobranças por um programa que atendesse questões como emprego, saúde e educação, nem são cogitadas. Hoje, o PSOL se divide entre dar um cheque em branco para Lula, em posição majoritária, e o apoio envergonhado, disfarçado de lançamento interno de candidatura, sendo em abril de 2022 o prazo para tal definição.
A posição majoritária, que apoia Lula sem que ele esboce um programa de governo, já começa, mesmo a um ano da eleição, a passar embaraço público. Envergonhado, há poucos dias, o ideólogo Sr. Fevereiro, uma versão psolista de Olavo de Carvalho, reclamou pelas redes quanto a possibilidade de Alckmin ser vice de Lula, no entanto, qual embasamento justificaria esta indignação senão que o que está em jogo é utilizar o prestígio eleitoral de Lula para obter cargos nos parlamentos.
O protagonista do apoio envergonhado, o Dep. Glauber Braga, sabe que por ser minoria não conseguirá ser o candidato do PSOL a presidente da República e que, na verdade, utiliza sua campanha como palanque para uma tentativa de reeleição e está de malas prontas para apoiar Lula. Neste caso, tiveram a louvável iniciativa de esboçar um programa. No entanto, o programa[1] apresentado por esta pré-candidatura, mesmo sendo um documento para abrir o debate, tem limitações graves. Em todo o programa proposto não há uma única linha de enfrentamento ao imperialismo! Não fala em controle da remessa de lucros e dividendos, pagamento de royalties e patentes, ou de medidas fundamentais, como por exemplo a construção de uma marinha mercante que gerasse empregos na construção naval e reduzisse os pagamentos de fretes ao exterior. O foco é apenas na tributação a la Stiglitz e Banerjee, vencedores de Prêmios Nobel de economia, que por teorizarem a partir das economias desenvolvidas, propõem apenas fórmulas de mitigação da pobreza, não apresentando jamais soluções para desenvolvimento econômico de países dependentes. A iniciativa meritória de um programa que poderia ser apresentado ao candidato petista perde-se diante de uma correlação de forças em que a ampla maioria da esquerda marcha com a candidatura petista sem nada cobrar. Desta forma, eleva-se a plausibilidade da interpretação de que o programa será nada mais que mais um dentre os papéis que o flautista performará, para depois jogar fora e seguir entoando sua flauta
Para sermos justos, não devemos culpar a Lula por todas as agruras de que padece a esquerda brasileira, decorrendo algumas delas inclusive de decisões de protagonistas do nosso campo, de olho em viabilidades eleitorais. Neste caso, temos o exemplo de Freixo, que em busca de viabilidade eleitoral tenta ampliar seu alcance se tornando um candidato palatável para a direita, como demonstram suas tentativas de, como candidato, aproximar-se de Eduardo Paes e de afastar-se de bandeiras que o notabilizaram, mas que não são toleradas pela direita. Falamos do progressivo abandono dos direitos humanos, que fica claro com a tentativa de aproximação com as policias militares e civis do Rio de Janeiro, materializada em duas emendas parlamentares[2]: a primeira, no valor de R$ 828.552,00, autorizada e não empenhada (não liberado o valor), para a Secretaria de Polícia Militar, e a segunda de valor equivalente a R$1.500.000,00, autorizada e empenhada para a Secretaria de Polícia Civil. Outro exemplo provém de Boulos, que em sua candidatura à Prefeitura da Cidade de São Paulo, para agradar ao empresariado falava em implantação, na cidade, de Parcerias-Público-Privadas (PPPs) para a gestão de serviços públicos. Os moradores da cidade do Rio de Janeiro sentem no seu dia-a-dia os efeitos das PPPs que administram os trens, o metrô e o BRT (sistema de ônibus articulados): todos configuram meios de tomar recursos pelo setor privado, que oferece em troca péssimos serviços a preços extorsivos, recursos esses que poderiam servir para o setor público prestar tais serviços em conformidade aos interesses populares. No mês de dezembro de 2021 a Supervia, administradora dos trens, enviou pedido de reajuste das tarifas. Pasmem, querem sete reais por uma passagem! Mesmo antes deste reajuste, vejam abaixo quanto custa se deslocar na cidade do Rio de Janeiro.
Preço passagem cidade do Rio de Janeiro em dezembro de 2021
Enquanto isso, na cidade de São Paulo, atualmente, o valor da tarifa para ônibus, trens e metrô é de R$ 4,40. Temos então, claramente, um destacado quadro da esquerda tentando agradar a empresários para viabilizar-se eleitoralmente às custas da classe trabalhadora, através da importação de um modelo sabidamente falido.
Exemplo dos efeitos do lulismo na esquerda
A aproximação ao lulismo se deve, em grande parte, ao temor do isolamento momentâneo que uma postura de distanciamento acarreta, vez que este isolamento atrapalha sonhos eleitorais que, em última instância, significam acreditar em uma saída dentro da ordem.
Um caso exemplar, a propósito, foi o racha que aconteceu em dezembro de 2021, na Consulta Popular, que tinha entre suas organizações o Levante Popular da Juventude. No documento dos que se dizem maioria, o “Manifesto por uma Assembleia Nacional de Lutadoras e Lutadores do Povo”, disponível na internet, reivindicam Marx para defender o reformismo e adesão ao lulismo, não apresentando uma linha sequer que contenha um diagnóstico da situação política, social ou econômica brasileira, apenas uma coletânea difusa inspirada nas manchetes da mídia petista. Fazem inclusive inúmeras citações a uma revolução brasileira abstrata e localizada em um futuro onírico, restando para o presente um não definido “projeto democrático popular”. Há contradições gritantes, evidentemente, como por exemplo ao se referirem a Revolução Brasileira (p.2) com a mesma desenvoltura com que falam em “possibilidade de disputas das instituições para fortalecer a organização popular” (p. 4), o que, em nossa opinião, é a antessala do cretinismo parlamentar. Quando apontam caminhos para o socialismo no Brasil apresentam: “(…) o caminho para o socialismo no Brasil passa
pela construção de uma revolução democrática, popular e anti-imperialista que viabilize reformas democráticas, nacionais e populares”.
(p. 4), ou seja, tudo quanto é impossível pela política de conciliação de classes.
Temos também o recente caso do Sr. Douglas Belchior, que em sua carta de saída do PSOL[3] acusa o partido de racismo estrutural. Ao lermos, por outro lado, os motivos da saída apresentados na internet, encontramos a queixa quanto a:“(…) proibição de candidaturas apoiadas por iniciativas da sociedade civil e na limitação da possibilidade de busca de recursos fora dos ‘padrões partidários”, o que caracteriza uma discordância com a proibição do financiamento de candidaturas por empresários. Temos então uma insatisfação não relacionada a questões de princípios, mas sim ao desejo de receber recursos de empresários, os mesmos que pagam à base de um salário-mínimo de R$1.100,00, enquanto o salário-mínimo necessário[4] deveria corresponder, em dezembro de 2021, a um valor de R$ 5.969,17, considerando-se ainda que, do total de ocupados[5] no Brasil, 34,4% recebem até um salário-mínimo. Curioso é que alguém denuncie o racismo e ao mesmo tempo queira receber “doações” para campanha eleitoral justamente daqueles que exploram majoritariamente os negros, como podemos ver no gráfico a seguir.
Trabalhadores com até um salário-mínimo, por raça, em %
Fonte: Idados
Tudo quanto apresentamos até aqui constrói afinal o quadro de uma esquerda que não tem um diagnóstico da crise econômica, social e política brasileira, acrescido, em alguns casos, de um elemento de oportunismo, caracterizado por se falar apenas o que a consciência ingênua do nosso povo quer ouvir neste momento, constituindo-se em uma forma de populismo. Fica evidente que, para sairmos deste vale de lágrimas, precisamos de uma prática política diversa, resta-nos qualificar qual deve ela ser.
O necessário destemor e coerência para poder se apresentar à população como alternativa
Países de economias subordinadas às nações imperialistas necessitam compensar as “perdas internacionais” – como o chamava Brizola, e quem paga essa conta é a classe trabalhadora, através da superexploração, ilustrada claramente e sintetizada pela diferença gritante entre o salário-mínimo nacional e o salário-mínimo necessário, a uma razão de mais de cinco vezes! Esta é a bola de ferro que entrava o crescimento do mercado interno de um país tão grande e rico e que nos mantêm na periferia do capitalismo. Desde os anos 60 que vários intelectuais militantes, tais como Rui Mauro Marini, Theotonio dos Santos, Vânia Bambirra, Alberto Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto e Florestan Fernandes, já apontavam que a burguesia nacional, subordinada ao imperialismo, não almejava superar a subordinação e portanto só a classe trabalhadora poderia cumprir este papel, mas que o rompimento com as amarras impostas pelo imperialismo necessariamente levariam à oposição ferrenha das burguesias externas e das internas àquelas associadas. Naquele momento, alguns ainda acreditavam no proveito de uma possibilidade de associação entre trabalhadores e burguesia nacional. Hoje, nem como devaneio essa hipótese pode sustentar-se. A burguesia nacional hoje é uma farsa claramente identificável pelo fato do presidente da FIESP (Federação das Indústrias de SP) do período que agora se encerra não possuir indústria!
No entanto, antes da solução de qualquer questão a espécie humana elabora mentalmente a solução. Neste caso é necessário o papel daqueles que estão dispostos a elaborar, apresentar e discutir a Revolução Brasileira. Neste caso, há de se romper com projetos que estejam restritos a banalidades como políticas compensatórias. Um país como o Brasil não pode contentar-se com tão pouco. Nossas riquezas, somadas à criatividade que é atributo característico da classe trabalhadora, angariado a partir da necessidade de dar soluções prementes às suas difíceis condições de vida – ao passo em que a burguesia apenas se acomoda e copia do estrangeiro – nos conduzirão a sermos a potência que sonharmos. Precisamos construir um projeto de nação, tendo clareza de que contra ele se levantarão o imperialismo e seus lacaios internos, e que apenas a classe trabalhadora organizada será capaz de sustentar e realizar este projeto.
Como disse Alberto Guerreiro Ramos: A luta contra a internacionalização do Brasil não consiste apenas em repelir o condicionamento externo de nossa vida política e econômica. Também consiste em libertar a intelectualidade da servidão conceptual em que se acha. Compreender o Brasil e o mundo de hoje na perspectiva própria da história nacional não é imperativo acadêmico, é requisito da existência independente.
Para tanto, nossa postura tem que ser de firmeza ideológica e compromisso inabalável com a classe trabalhadora. O efeito prático é não mentir para a classe em busca de ganhos eleitorais. A independência do Brasil há de ser conquistada pela classe trabalhadora pela via revolucionária, em uma revolução nacional de caráter incontornavelmente socialista. A Revolução Brasileira.
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