terça-feira, 30 de julho de 2024

PARIS DE CARTÃO POSTAL * Jéssica Stephan/Viento Sur

PARIS DE CARTÃO POSTAL

“Saia, as Olimpíadas são daqui a dois meses, você não tem nada para fazer aqui!” Com voz profunda, Fouad, voluntário da associação Enfants du Canal, cita as palavras ditas pela polícia às pessoas que viviam nas ruas e que se preparavam para evacuar à força. Ya en junio, un informe de las 104 asociaciones de solidaridad que forman el colectivo Revers de la médaille alertaba sobre la "limpieza social" que se estaba produciendo en vísperas de los Juegos Olímpicos de París: 12.500 personas habían sido desalojadas en la región parisina durante o ano passado.

Foram cerca de doze que discursaram, convidados por Revers de la médaille , às margens do Sena, em Paris, no dia 16 de julho. Refugiados, menores desacompanhados, moradores de rua, moradores de rua... Vozes e histórias diversas, mas todas descreviam uma situação que se deteriorou dramaticamente poucos dias antes da abertura dos Jogos.

E para Paul Alauzy, coordenador dos Médicos do Mundo, os poderes públicos estão ultrapassando os seus limites: “Podemos falar da fase final da limpeza social”. Nos dias 16 e 17 de julho, sete campos com mais de 500 pessoas foram evacuados. Entre eles estavam os últimos campos de migrantes no Canal Saint-Denis. “Dez dias antes dos Jogos, as autoridades estão em pânico”, diz Paul Alauzy. O governo e a prefeitura regional mantêm alguns lugares vagos na região de Île-de-France (capital e arredores, ndt) para acomodar os últimos evacuados.

A assistência evolui

“Durante um ano, a estratégia muito clara das autoridades consistiu em retirar da vida olímpica o maior número possível de pessoas consideradas indesejáveis, enviando-as para outras regiões através do sistema de bloqueio regional”, explica Paul Alauzy. Resultado da lógica de “desconcentração” aplicada desde 2015, acrescenta. As pessoas evacuadas dos seus acampamentos tiveram de cumprir "condições drásticas" para permanecer na Île-de-France: contrato de trabalho permanente ou contrato a termo certo de nove meses, domicílio na região... Uma pista de obstáculos

Abdi, refugiado em França há quase dois anos, pode atestar isso. Cerca de cem dias antes das Olimpíadas, quatro ônibus estacionaram em frente à casa ocupada em Vitry-sur-Seine onde ele também estava hospedado para levar seus ocupantes para outra região. “Recusei porque estou aguardando autorização de residência e passaporte da prefeitura e treinamento”, diz. Desde então, ele mora na rua. Laura é uma das dezenas de famílias ciganas que foram despejadas com urgência das terras pertencentes à autoridade intercomunitária da Comuna de Plaine, que as albergava. Ela mora com os filhos em um parque – as famílias, que venceram o recurso na Justiça Administrativa, ainda não foram realocadas.

Mudança de estratégia das autoridades

Por trás das dificuldades destas existências dispersas está a consciência de ser invisível. O objetivo continua o mesmo: “Relocar a miséria!”, diz Paul Alauzy, para mostrar aos espectadores um “cartão postal de Paris”. Mas a mudança de estratégia às vésperas dos Jogos é flagrante. Estão agora a enviar os evacuados para "locais tampão" criados pela Drihl (direcção regional e interdepartamental de alojamento e habitação) em toda a região de Île-de-France. Alguns desses locais funcionam como centros administrativos de recepção e exame de situações administrativas (CAES), administrados pela prefeitura regional, com avaliação da situação dos imigrantes. Numa nota interna de junho, que o L’Humanité pôde consultar, Drihl anunciou 539 vagas de “recepção” para famílias e 224 vagas para solteiros em ginásios e hotéis sociais. A maioria desses locais foi inaugurada em 1º de julho.

Le Revers de la médaille identificou 3.000 lugares em hotéis sociais - alugados pelo Estado para pessoas em situação precária - eliminados na região de Île-de-France em 2023 para que os hotéis pudessem retomar as suas atividades turísticas. Em junho, o grupo pediu às autoridades públicas que dessem um “passo qualitativo” no cuidado aos sem-abrigo. Sem resultado. A duração do alojamento também foi restringida. Com consequências, conforme descrito por três mães da República Democrática do Congo que agora enfrentam as dificuldades de mudar constantemente de alojamento. Longe vão os períodos renováveis ​​de um mês no mesmo alojamento, o que permitiu estabilizar a situação ao mínimo e matricular as crianças numa escola próxima. Todas as semanas havia mudanças: "De manhã tivemos que sair com todos os nossos pertences. Perambulamos pela cidade para dormir. E não sabemos o que vai acontecer conosco durante as Olimpíadas. Poucos dias antes Durante os Jogos, as acomodações foram realocadas. Eles ficam abrigados por trinta dias em "locais tampão" na região de Île-de-France, locais explicitamente "não perenes", segundo nota interna de Drihl. Outra forma de esconder a miséria enquanto duram os Jogos.

Os campos são evacuados e o espaço público também se torna inóspito para evitar a sua deslocalização. No Quai de Jemmapes (relativamente perto, por exemplo, do Centro Pompidou), “mesas de piquenique e uma nova barcaça” foram montadas no dia seguinte à evacuação, relata Paul Alauzy. Na Galerie de l'Ourcq (no Parc de la Villette), onde um acampamento foi evacuado em 16 de julho, será instalada uma estação Vélib' (aluguel de bicicletas) para facilitar o acesso à área de festas de la Villette do Parque. Na ponte Stains, em Aubervilliers (Seine-Saint-Denis), colocaram blocos de cimento que parecem peças de Lego. Embora os campos não sejam uma solução de abrigo, as evacuações levam a um isolamento social ainda maior e distanciam os evacuados das associações (que lhes prestam assistência).

Quando solicitado a carregar a chama olímpica, Pierre, cofundador da associação BubbleBox, que constrói chuveiros móveis para moradores de rua, refugiados e imigrantes, “hesitou em dizer não”. Mas aceitou para o bem dos beneficiários e dos activistas da associação. “Se eu carreguei a chama, foi para eles, porque eles têm a chama e a carregam todos os dias. Essa chama ilumina, aquece, ateia fogo, nunca se apaga”. Migrantes, refugiados, trabalhadores sem documentos, menores não acompanhados, profissionais do sexo... todas estas pessoas invisíveis esperam que as suas histórias nos ajudem a tomar consciência da situação. Le Revers de la médaille planeja fazer um balanço dos Jogos Olímpicos em setembro. Pierre conclui: “Esperamos poder desfrutar dos Jogos sem que a celebração seja ofuscada pelo tratamento indecente de seres humanos vulneráveis ​​e excluídos”.

domingo, 28 de julho de 2024

DEFESA DO PASSE LIVRE * Frente Revolucionária dos Trabalhadores/FRT

 DEFESA DO PASSE LIVRE


 Como quase todos sabemos, o PASSE LIVRE é uma conquista da juventude em geral mas especialmente da juventude trabalhadora e filha da classe trabalhadora. 


É um bandeira nascida da consciência de classe, que percebeu a necessidade de resgatar um pouco do lucro usurpado pelos patrões através dos baixos salários, os quais mal dão pra comer, e, que dirá pagar o transporte de seus filhos no ir e vir da escola. 

No entanto, essa consciência se ampliou e hoje mobiliza milhões de idosos, deficientes, gestantes e pessoas com necessidades especiais. 

Muitos usuários nem percebem que essa é uma conquista histórica do movimento estudantil, operário e popular, que arrastou multidões nas últimas décadas no Brasil.

Mas, por incrível que pareça, ela se encontra ameaçada. O empresariado do transporte de passageiros vem fazendo lobby sobre prefeitos e governadores há muito tempo pra derrubar essa conquista.

Há lugares no Brasil nos quais ninguém pode usar esse direito, muitos nem sabem que têm esse direito e todos vivem sendo sugados pelos vampiros das linhas de ônibus, a maioria caindo aos pedaços, pois o Poder Público faz vista-grossa em quase todo o Brasil, sem fiscalizar nada.

Nas capitais  a pressão pelo fim do PASSE LIVRE é maior ainda e há casos em que ele funciona apenas nas regiões metropolitanas, ou seja, em torno das capitais. 

Nesse lamaçal todo, o RIO DE JANEIRO se destaca. Há cidades onde não existe o PASSE LIVRE, como o chamado interior fluminense. Há outras em que o usuário só pode viajar se tiver aquele ônibus de duas portas - uma pra entrar e outra pra saltar. E o mais ridículo, o usuário do PASSE LIVRE não pode usar o frescão. Em dias de feriado e fins de semana, como no município de São Gonçalo, as empresas não põem os ônibus de duas portas em circulação, ou seja, o usuário de PASSE LIVRE fica proibido de se deslocar, seja para compras ou compromissos sociais. 

Se não fosse por si só um fato ridículo e prova inconteste da pressão sobre os políticos de plantão, fica parecendo que o PASSE LIVRE É DE GRAÇA, coisa que não é. É preciso que todos saibam que as empresas abatem no ISS - Imposto Sobre Serviços - a quantia arrecadada com o PASSE LIVRE. 

Por outro lado, é preciso que o Ministério Público nos ajude e fiscalize o cumprimento da LEI DO PASSE LIVRE, pois prefeitos e governador/es estão incorrendo em crime de lesa patrimônio publico, pois ao não fiscalizarem, estão deixando de arrecadar o que poderíamos contribuir com o uso do sistema de transporte.

Por fim, é bom lembrarmos que a responsabilidade pelo transpor de passageiros no Brasil é do Poder Público, ou seja, o ESTADO. é preciso que todos se toquem que a linha de ônibus é uma concessão, portanto, pertence ao Poder Público - municipal e estadual - que pode ser cassada a qualquer momento. 

Portanto, TRANSPORTE PÚBLICO GRATUITO DE QUALIDADE DIREITO DE TODOS DEVER DO ESTADO. Está na CONSTITUIÇÃO FEDERAL, nas constituições estaduais e municipais. Cabe fiscalizarmos. 

BÓRA LÁ!!

quarta-feira, 24 de julho de 2024

NÃO HÁ DIFERENÇA ENTRE DEMOCRATAS E REPUBLICANOS * Organização Comunista Arma da Crítica/OCAC

NÃO HÁ DIFERENÇA ENTRE DEMOCRATAS E REPUBLICANOS

A desistência de Joe Biden de concorrer à presidência dos Estados Unidos abriu caminho para a atual vice, Kamala Harris, substituí-lo na corrida presidencial. O anúncio provocou alvoroço nos setores liberais da esquerda brasileira. Numa mistura de falta de noção básica de realismo político, abandono do conceito de imperialismo como categoria central de análise e ilusão com uma suposta representatividade de gênero e etnia, algumas de suas personalidades saudaram efusivamente a potencial candidatura de Kamala. Tudo feito em nome de se combater a extrema-direita, definida como um mal maior que justificaria toda sorte de frente ampla.

Não se ignora a ascensão de uma extrema-direita articulada a nível mundial. E Trump nos Estados Unidos é sua representação. Porém, vença quem vencer a eleição norte-americana, seja o republicano Trump ou a democrata Kamala, será eleito um presidente, ou uma presidenta, de uma potência imperialista. E governarão tendo por prioridade atender os interesses de seus oligopólios financeiros. Não existe diferença essencial entre ambos, a não ser formas cosméticas de exercer o domínio imperialista sobre o mundo. Quando esses interesses estão em jogo, democratas agem de modo tão violento como os republicanos.

Importante lembrar os desmemoriados que o golpe contra Dilma se deu sob o governo do democrata Barack Obama. E a Operação Lava Jato tocada por Sérgio Moro, que mandou Lula para a cadeia e o impediu de se candidatar à presidência em 2018, deixando o caminho aberto para a eleição de Bolsonaro, foi um jogo combinado com o Departamento de Estado dos gringos. O resultado, como sabemos, foi a destruição da economia nacional e do tecido social brasileiro.

Em seus movimentos mais recentes foi o governo democrata de Obama, cuja secretária de Estado era Hillary Clinton, quem apoiou um golpe que destruiu o Estado nacional líbio e afundou a Síria em uma guerra contra o Estado Islâmico, apoiado pelos Estados Unidos. Atualmente é com apoio de um governo democrata que ocorre a olhos vistos o genocídio do povo palestino. O número de mortos diretamente pelos bombardeios e indiretamente com o bloqueio à entrada de ajuda humanitária, ao provocar fome e surtos de doenças, já pode ter atingido mais de 180 mil pessoas em Gaza.

Não cabe a esquerda brasileira entrar nessa disputa, como se estivesse em jogo o destino do nosso país. Não somos eleitores nos Estados Unidos, ainda que as políticas dos diferentes governos que passam pela Casa Branca nos afetem. Sem dúvida que há um perigo na ascensão da extrema-direita. Mas o inimigo central é a permanência do ajuste ultraliberal. Seus beneficiários são o imperialismo e as burguesias nacionais pró-imperialistas dos países periféricos. E sua aplicação não escolhe tintura partidária, com governos de partidos ditos progressistas e socialdemocratas aderindo a essa agenda. É a destruição do tecido social causada pelo ultraliberalismo, apoiada pela ingerência imperialista, quem alimenta o discurso demagógico da extrema-direita. Inclusive nos Estados Unidos, cuja classe trabalhadora também assiste a uma profunda deterioração em suas condições de vida. Cabe verdadeiramente à esquerda brasileira, e aos comunistas em particular, a tarefa há muito abandonada de organizar as massas trabalhadoras em torno de um projeto de orientação socialista que afirme em fatos, e não em discursos, a completa soberania nacional: alimentar, econômica, tecnológica, industrial, política, cultural e militar. A maior salvaguarda a influência nefasta do extremismo de direita é a realização de mudanças políticas e econômicas que derrotem o ajuste ultraliberal.

ANEXOS

Por esses motivos, Kamala Harris é lembrada quando era promotora na Califórnia, antes de assumir a vice-presidência dos Estados Unidos... 
Eles destruíram a população nativa americana através do genocídio e falam conosco sobre democracia.
Mosaico da traficante de escravos Kamala Harris feito com as fotos de todos os homens negros que ela manteve ilegalmente na prisão, estendendo as suas penas para serem usados como mão de obra gratuita na Califórnia.
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ARAPONGAGEM COM VERBA PÚBLICA É MOLE *(FRENTE REVOLUCIONÁRIA DOS TRABALHADORES/FRT)

ARAPONGAGEM COM VERBA PÚBLICA É MOLE
Araponga severino


Inteligência militar manteve espião em partido político e o pagou pelo serviço após redemocratização.

Livro mostra que a Operação Pão de Açúcar consumiu cerca de R$ 1 milhão de verba secreta sem que nenhum dos quatro primeiros presidentes civis tivesse conhecimento da ação ou a autorizado.

O Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA) manteve, durante dez anos de governos civis, uma operação secreta de espionagem tendo como alvo um partido político sem que quatro presidentes tivessem conhecimento do uso de verba secreta do órgão para pagar um espião na cúpula do PCB e, depois, do PPS (hoje Cidadania). A ação envolveu os governos de José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. O espião era Severino Teodoro de Mello, integrante do Comitê Central do PCB e da Executiva do PPS.

Tratava-se da Operação Pão de Açúcar, uma das mais importantes operações políticas de um serviço secreto. Já como PPS, o partido deu apoio ao governo Itamar Franco e ao de Fernando Henrique Cardoso. A ação demonstraria a autonomia do serviço secreto em relação ao Poder Civil e seu uso político, sem que houvesse fiscalização do Congresso ou prestação de contas da atividade de inteligência para autoridades civis, em uma espécie de atuação paralela que sobreviveu ao fim do regime militar.

Mello era controlado pelo oficial da Força Aérea Brasileira Antonio Pinto, o Doutor Pirilo. E recebia salário para fornecer informações sobre o funcionamento, o financiamento, as estratégias e os contatos políticos nacionais e internacionais da legenda. Cerca de 60 documentos inéditos produzidos por Pinto, os depoimentos do agente e do espião, fotos e até uma prestação de contas da operação fazem parte do livro Cachorros, a história do maior espião dos serviços secretos militares (ed. Alameda), que o Estadão reproduz.

Escola das Américas, em Forte Gullick, no Panamá, em 1967, a primeira turma de agentes da Aeronáutica faz um churrasco; da esq. p/ dir., coronel Francisco Renato Melo, brigadeiro Burnier, capitão Antônio Pinto e o futuro brigadeiro Sidney Obino Azambuja Foto: Acervo Pessoal / CISA

A vida dos dois principais personagens envolvidos na operação se confunde com a história política do país. Ao lado do futuro brigadeiro João Paulo Moreira Burnier, Pinto fez parte da primeira turma de oficiais da Aeronáutica que foi fazer curso de inteligência em Forte Gullick, no Panamá, onde funcionava a escola das Américas. Era 1967. O grupo fundou o CISA, onde Pinto trabalhou até 1995.

Mello era cabo do Exército em 1935 e participou do levante comunista no Recife. Preso, entrou para o partido em 1938. Nos anos 1940, foi responsável pela segurança do líder comunista Luiz Carlos Prestes. Nos anos 1950, cursou a Escola de Quadros em Moscou. Manteve relações com a segurança estatal soviética, a KGB. Nos anos 1960, passou a integrar o Comitê Central, participando da direção de legenda nos anos 1970 e 1980.

Foi durante a clandestinidade do regime militar que Mello foi cooptado pelos militares, depois de ter sido detido em São Paulo por agentes da Seção de Investigações do Destacamento de Operações e Informações (DOI), do 2.º Exército. Sua prisão foi confirmada por ele, em entrevista em seu apartamento, em Copacabana, no Rio, por três oficiais, dois sargentos, uma tenente e um investigador que trabalharam em órgãos de informações durante o regime militar.

Severino Theodoro de Mello em seu apartamento em Copacabana Foto: Marcelo Godoy/Estadão

Mello aceitou fazer um acordo com seus captores. Seria solto e os guiaria aos encontros que mantinha com outros integrantes da direção clandestina da agremiação no País. Com base nessas informações, uma dezena de dirigentes comunistas – a maioria integrantes do Comitê Central como Mello – foi sequestrada e assassinada em três centros diferentes clandestinos de tortura mantidos pelo CIE, entre 1974 e 1975.

Em 1975, Mello deixou o País escoltado por militares até Buenos Aires, onde fez contato com um representante do partido – Armando Ziller – que providenciou, com o consentimento do secretário-geral Luiz Carlos Prestes, documentos para que ele embarcasse para Paris e, depois, Moscou. No exílio, Mello continuou a manter contatos com os militares. Aproveitava, normalmente, as idas para a Europa Ocidental a fim de telefonar para seu primeiro controlador – o então capitão Ênio Pimentel da Silveira, o Doutor Ney.

Com a volta dos exilados em 1979 após a anistia durante a transição para a democracia, o Doutor Pirilo dispensou parte de seus informantes. Mas recebeu Mello das mãos do Doutor Ney, que repassou o informante para que o homem da Aeronáutica desse continuidade ao trabalho. É que o partido comunista continua ativo – ao contrário de outras organizações que atuaram contra a ditadura – e clandestino.

O PCB só seria legalizado por Sarney em 1985. Onze de seus integrantes haviam sido eleitos deputados pelo PMDB em 1982 e ajudaram a eleger Tancredo Neves presidente em 1984, na última votação indireta para presidente da República, quando o político mineiro derrotou o candidato da Arena, o ex-governador Paulo Maluf.

Mello tinha a obrigação de se encontrar com Pirilo. “Os únicos pontos pré-determinados eram após as reuniões do Comitê Central ou da Executiva do partido”, contou Pirilo. Segundo ele, para se tornar um informante era “preciso pedigree”. “E acesso.”

Quase todos os relatórios produzidos por Pinto com base nas informações de Mello levaram o carimbo “vedada a difusão”. Ou seja, nenhum outro órgão de inteligência , fosse, do Exército, da Marinha ou mesmo o antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) ou a Secretaria de Assuntos Estratégicos, recebia cópias dos documentos. A razão disso está estampada em vários desses documentos: “para a proteção da fonte”.

Os encontros com Mello aconteciam em diversos lugares. Podia ser em um banco em frente ao Copacabana Palace, ao lado da praia, ou em uma sala do edifício Santos Vahlis, no centro do Rio. Ali o Centro de Informações do Exército mantinha uma sala. E o CISA pagou o aluguel de outra, conforme ficou registrado em uma prestação de contas da Operação Pão de Açúcar, de 1988.

Integrantes do Comitê Central do PCB, reunidos em Paris em setembro de 1979: Em cima, da esquerda para a direita: Luiz Tenório Lima, Giocondo Dias, Severino Theodoro de Mello, Gregório Bezerra, Salomão Malina, Lindolfo Silva, Agliberto Vieira de Azevedo, Almir Neves, Orestes Timbaúba. Sentados, na mesma direção: Hércules Corrêa, Givaldo Siqueira, Armênio Guedes e José Albuquerque Salles Foto: Arquivo Voz da Unidade
Naquele ano, Pinto listou que 27 integrantes do PCB haviam viajado por 46 países – boa parte do Bloco Socialista. A Executiva do PCB se reunira 11 vezes por 16 dias e o Comitê Central, duas vezes durante quatro dias. Pirilo encontrou-se naquele ano 21 vezes com Mello, o que permitiu ao agente produzir 39 documentos para seus chefes. Só com o aluguel da sala no Santos Vahlis, foram gastos o equivalente a R$ 33 mil.

O objetivo de Pinto era flagrar o financiamento ilegal do PCB, conseguir provas da subordinação do partido à União Soviética e, assim, conseguir forçar a cassação da legenda na Justiça Eleitoral, repetindo a manobra usada contra os comunistas em 1947, quando o registro do partido foi cassado porque seria um braço de uma potência estrangeira. Mello forneceu aos militares, então, detalhes dos negócios mantidos pela legenda no Leste Europeu, na África e suas relações com os soviéticos, inclusive com a KGB e com os cubanos.

Buscavam principalmente provas sobre o chamado ouro de Moscou, a ajuda financeira dada aos partidos comunistas pelos soviéticos em todo o mundo. No caso da sigla brasileira, a chamada “ajuda fraterna” giraria em torno de US$ 400 mil anuais. Roberto Freire, então deputado federal e mais tarde secretário-geral da legenda, nega até hoje a existência do “ouro de Moscou”. Ele tinha ciência de que os militares buscavam incessantemente uma prova sobre sua existência. “Até porque, se descobrissem, ia justificar a cassação dos comunistas, como agentes de Moscou.”

Trecho de relatório do CISA que trata de infiltração comunista no governo Sarney e que aponta para Luiz Fachin, futuro ministro do STF Foto: Reprodução/CISA

Mello também fornecia documentos e revelava bastidores políticos do partido e suas relações com o governo. Em 1986, o CISA chegou a produzir um documento em que tratava de suposta infiltração comunista no governo federal, onde listava entre os infiltrados o então advogado Luiz Edson Fachin, designado como procurador-chefe da assessoria jurídica do Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário. Em 1987, Mello permitiu que Pinto, com o nome falso de Carlos Azambuja, publicasse no jornal do PCB, a Voz da Unidade, um artigo pouco antes do 8.º Congresso da legenda.

Por seu trabalho, Vinícius ganhava uma gratificação mensal paga com a verba secreta do CISA. Na memória de Mello, ela seria equivalente a R$ 100, em 1994, cerca de US$ 100. Pinto disse que era mais, mas não muito. O valor chegaria a US$ 200, cerca de US$ 400 atuais ou R$ 2 mil por mês. E assim foi até 1995, segundo o depoimento de ambos. Foi quando Pinto telefonou para Mello. Perguntou a ele se ele estava precisando do dinheiro. “Não tem importância. Para mim não tem importância”, respondeu Mello. “E aí parou a coisa.”

Em 15 anos, a Operação Pão de Açúcar consumiu cerca de R$ 1 milhão da verba secreta do CISA. Com base nas informações de Mello, Pinto estimava ter produzido mais de 300 documentos. Quando a ação acabou, fazia três anos que a maioria do PCB havia decidido deixar os símbolos e a ideologia comunista para trás, transformando o partido no PPS – atual Cidadania. A União Soviética já havia deixado de existir fazia quatro anos e o regime militar havia acabado fazia uma década. A única coisa que não havia mudado era a atuação paralela dos serviços secretos.
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sábado, 20 de julho de 2024

LULA RESGATA REFINARIA QUE BOLSONARO TROCOU POR BIJUS * Frente Revolucionária dos Trabalhadores/FRT

LULA RESGATA REFINARIA QUE BOLSONARO TROCOU POR BIJUS
REFINARIA DE MATARIFE
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"Petrobrás avança em negociações para recompra de
Refinaria de Mataripe, privatizada no governo Bolsonaro.
O empreendimento foi vendido a um fundo estrangeiro por um preço abaixo do valor de mercado.

A Petrobrás e o fundo Mubadala, responsável pela Acelen, empresa dona da refinaria de Mataripe (BA), avançaram nas negociações para a volta da estatal à refinaria vendida em 2021, segundo pessoas a par das negociações. Os valores do negócio, porém, ainda não foram fechados. Privatizado durante o governo Jair Bolsonaro (PL), o empreendimento foi vendido por US$ 1,65 bilhão, para o Fundo Mubadala Capital, de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Estudos do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) apontaram que o preço da refinaria ultrapassava os US$ 3 bilhões.

De acordo com informações publicadas nesta quarta-feira (17) pelo jornal O Estado de S.Paulo, a previsão na Petrobrás é que uma proposta sobre a recompra da refinaria seja apresentada em setembro. A tendência é de que as negociações acabem no ano de 2025.

A diretoria executiva da Petrobrás vai poder atualizar o conselho sobre os planos de recompra de Mataripe em sua próxima reunião, em 26 de julho, ou em encontros futuros. O colegiado deve aprovar o negócio de forma definitiva mais perto da formalização da proposta.

CONFIRA
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sexta-feira, 19 de julho de 2024

A BOLA ESTÁ COM O GOVERNO * Organização Comunista Arma da Crítica/OCAC

A BOLA ESTÁ COM O GOVERNO


A principal pergunta no interior do campo progressista é como neutralizar a influência da extrema-direita na consciência das massas trabalhadoras. Muitos sugerem a necessidade de um longo trabalho educativo de caráter civilizatório, capaz de forjar uma consciência política impermeável a essa influência, acompanhado da formação de uma frente democrática. Em resumo essa concepção conclui que a ascensão da extrema-direita se deve a uma falta de ilustração go povo. É uma concepção elitista que ignora a situação real da classe trabalhadora brasileira e suas demandas por reformas de caráter igualitário, menosprezadas pela classe dominante e seu sistema político.

A potência do discurso conservador se aproveita da destruição do tecido social causada pelo ultraliberalismo. É o desemprego, os baixos salários, a péssima qualidade dos serviços públicos, a destruição dos mínimos direitos sociais etc., com o consequente ressentimento e desesperança, quem aumenta a audiência do discurso proto-fascista. Neutralizar sua influência exige enfrentar as políticas de ajuste ultraliberal e abandonar a ideia de que o horizonte da esquerda é gerir de maneira “humanizada” um capitalismo que exclui as massas trabalhadoras de qualquer ganho material significativo.

Orientados por essa concepção de que faltaria ao povo consciência democrática e ilustração intelectual, setores progressistas se perguntam se na atual conjuntura haveria espaço para o governo aplicar uma política que enfrente a agenda ultraliberal. A pesquisa divulgada semana passada pela Genial-Quaest mostra que no universo dos pesquisados, o governo conta com apoio significativo para emplacar uma agenda mínima de importantes mudanças econômicas.

Ainda que haja uma sensação de piora no quadro econômico e de diminuição do poder de compra, a popularidade de Lula cresceu. A causa desse paradoxo talvez seja o fato de Lula ter se exposto e se posicionado de maneira mais enfática sobre questões importantes na conjuntura. Sua crítica à política de juros do Banco Central é apoiada por 66%; a defesa do aumento do salário mínimo acima da inflação por 90%; e a ideia de que o governo não deve satisfação ao mercado, mas aos mais pobres, é apoiada por 67%. Entre os eleitores de Bolsonaro, 51% concordam com as críticas de Lula à política de juros do Banco Central. Ainda que não tenha sido objeto da pesquisa é possível que a posição do governo, especialmente de Lula, contra o “PL do estupro” e a Emenda Constitucional que privatiza as praias, ambas apresentadas pela bancada de extrema-direita, alvo de grande rechaço popular, tenha ajudado.

Diferente do que certa esquerda ilustrada tenta apresentar, a pesquisa mostra que não se sustenta a ideia de que a consciência popular estaria tomada em termos absolutos pelo conservadorismo. Como tudo numa sociedade dividida em classes, a consciência da massa trabalhadora, num cenário de refluxo da luta de classe, é marcada por contradições. A tese do “pobre de direita”, defendida por setores progressistas é não só arrogante e preconceituosa, como justifica políticas de governo marcadas pelo esforço da conciliação de classe.

O resultado da pesquisa revela a existência, no seio do povo, de importantes reservas de apoio popular ao governo, quando este se posiciona em pautas contrárias ao liberalismo econômico. É importante destacar que esse apoio se situa nos estratos mais empobrecidos da massa trabalhadora: pessoas com renda familiar de até 2 salários mínimo (69%); entre os nordestinos (69%); entre os pardos e negros (59%).

A neutralização da influência da extrema-direita depende de se avançar numa pauta de melhoria das condições de vida do povo. Para isso, o governo precisa transformar o discurso crítico em ação concreta, o que até agora não vimos. Exemplo está no anúncio de corte de R$ 26 bilhões programados pelo governo no orçamento de 2026, após semanas de embate com Campos Neto por causa da política de juros do BC.

A bola está com o governo. Há espaço político para enfrentar o campo liberal-fascista. Mas depende dele a sinalização de que é preciso lutar contra o “mercado” e mobilizar sua base social de apoio para lhe dar sustentação.
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quinta-feira, 18 de julho de 2024

FORA ESQUERDA PÓ-DE-ARROZ * Mário Sérgio Melo/PERRENGAS PRINCESINAS BLOG

FORA ESQUERDA PÓ-DE-ARROZ



Primeiro, temos de relembrar o significado de “esquerda”: na Assembleia Nacional que assumiu o poder após a Revolução Francesa, no final do século XVIII, tomavam lugar à esquerda do seu presidente aqueles que ganhavam seu sustento com o próprio trabalho. Eles eram partidários da revolução e do fim da monarquia. À direita, tomavam lugar ricos negociantes, empreendedores, empregadores, proprietários de terras e de bens: os burgueses. Eles eram leais à monarquia. Resumindo, era já o embate trabalho x capital.

E a expressão tão brasileira “pó de arroz”? Ela tem história bem controvertida, mas aceita-se que resulte da mistura de conflitos raciais, sociais e futebolísticos, no início do século XX, no futebol carioca: em alguns times mais racistas, os jogadores negros e pardos usavam o pó de arroz para branquear a pele; tentavam assim ser menos discriminados pela cartolagem e pelos torcedores racistas. Afinal, tratava-se do aristocrata esporte bretão, importado das elites da Inglaterra.

O pó de arroz tinha então dois significados: para quem o usava, era uma tentativa de ser aceito pelos racistas, e assim poder praticar sua arte; para os racistas que o viam, e sabiam que era uma maquiagem, era uma maneira de driblar o próprio preconceito. Uma hipocrisia, para perdoar os próprios instintos racistas. E para franquear a manifestação da paixão nacional: o futebol. Atualmente, as lutas por igualdade racial afastaram o uso do pó de arroz. Mas são feridas abertas, o racismo ainda não foi superado.

Aliás, como bem destacou o músico e literato José Miguel Wisnik em seu livro “Veneno remédio: o futebol e o Brasil” (Cia. das Letras, 2008), o futebol é o único esporte que para o planeta! Porque é esporte popular, que pode ser praticado na praia ou na várzea, e no qual os resultados são muitas vezes imprevisíveis. Não é o mais rico que ganha sempre, como nos esportes dos poderosos. Amiúde prevalece a raça, a alma, a atitude. Ou pelo menos era assim até pouco tempo atrás, quando o deus dinheiro ainda não tinha estendido seu manto também sobre o futebol.

Há mais de dois séculos, quando se consolidou a Revolução Industrial, a luta trabalho x capital vem se acirrando, e produzindo seus frutos: hiperconsumismo, concentração da riqueza, disseminação da pobreza, crises sociais, éticas, ideológicas, políticas, ambientais, de segurança...

Bem recentemente, fala-se em direita e esquerda radicais. É fácil enxergar a direita radical: ela se manifesta no fascismo, na truculência, no autoritarismo, no negacionismo, na desinformação, que levam ao caos, à ignorância, à guerra... E o que é a esquerda radical? Aqui muito cuidado: não confundir esquerda autêntica com esquerda radical. Existem sim aqueles radicais que condenam o sistema, e até defendam fazê-lo de forma arbitrária e violenta. Mas tais radicais não podem ser chamados de esquerda, se são conduzidos por impulsos pessoais e não causas coletivas, de classe. A esquerda autêntica comunga com as aspirações da classe de trabalhadores, secularmente explorada pela direita dona do capital.

E a esquerda pó de arroz? É possível a esquerda disfarçar-se para não sofrer a repulsa e o preconceito da direita? Não! Convicção política não é o mesmo que futebol. Hoje, até o futebol nos ensina: os negros afirmam sua negritude numa luta sem cessar pelo reconhecimento de sua identidade.

A esquerda precisa aprender com o futebol, e firmar-se na luta de classes com sua identidade e autenticidade. Tem que abandonar o clientelismo, o corporativismo e o fisiologismo interno, que são marcas da direita. Ainda que isso signifique reveses momentâneos nas urnas. A firmeza de ideais e a perseverança hão de mostrar à população que urge a humanidade encontrar formas mais justas de distribuir a riqueza que o trabalho produz e de incluir socialmente os trabalhadores. Senão, em breve será o colapso. Não é possível fazer de conta que não existe a luta de classes. Na verdade, guerra de classes.

A esquerda autêntica tem que mostrar e defender seus princípios. Se for uma esquerda “pó de arroz”, só vai implodir-se e prolongar o injusto sistema que vivemos.

quarta-feira, 17 de julho de 2024

TEM LADRÃO NOS RECURSOS ESTRATÉGICOS BRASILEIROS * FLAVIA MARINHO/CLICKPETRÓLEOEGÁS

TEM LADRÃO NOS RECURSOS ESTRATÉGICOS BRASILEIROS
FLAVIA MARINHO/CLICKPETRÓLEOEGÁS

"Revelada no Brasil a maior jazida de diamante da América do Sul: com produção estimada em 340 mil quilates anual, o Nordeste brasileiro é um dos maiores exportadores de diamantes de alto teor do planeta.

Descoberta no Sertão da Bahia mudou a história do Brasil, colocando o país como um dos principais produtores e exportadores de diamantes no mundo!

Vamos falar sobre um assunto fascinante na mineração: a maior jazida de diamantes do Brasil e da América do Sul, encontrada em 19 de abril no pequeno Município de Nordestina. Localizada no Sertão da Bahia, em uma região árida e pouco conhecida, a mina Braúna é uma descoberta recente que possui um potencial altíssimo.

Neste artigo, vamos explorar todos os detalhes sobre essa mina, desde sua localização até a quantidade e o valor dos diamantes encontrados. Prepare-se para se surpreender com essa incrível história!

Maior jazida de diamante do Brasil

A Descoberta da Mina Braúna: a maior mina de diamantes do Brasil e da América Latina
Localizada a cerca de 10 km da pequena cidade de Nordestina, a mina Braúna está situada em uma região praticamente plana, nas proximidades do Rio Itapicuru. Poucas pessoas sabem da existência dessa super jazida, mas isso está prestes a mudar.

A cidade de Nordestina, com pouco mais de 12 mil habitantes, se tornará conhecida como o lar da maior jazida de diamantes do Brasil e da América Latina. A mina Braúna é explorada pela Lipari Mineração Limitada, uma empresa canadense que investiu mais de 100 milhões de dólares nesse projeto em busca de diamantes.

Fenômeno do Kimberlito: a rocha fonte primária de diamante

Você já se perguntou por que existem diamantes em determinados lugares? A resposta está nos tubos de kimberlito. A mina Braúna está localizada sobre um desses tubos, que são formações geológicas responsáveis pela concentração de diamantes. Mas o que é exatamente um kimberlito? O kimberlito é uma rocha de origem vulcânica que se forma nas profundezas da Terra, abaixo da camada de lava comum.

Nesse ambiente, há calor e pressão suficientes para transformar o carbono em diamantes. Em algum momento do passado remoto, essa lava vulcânica encontrou uma brecha nas rochas da crosta terrestre e conseguiu chegar à superfície. Essa erupção vulcânica causou a dispersão de diamantes em um raio de mais de 50 km. A jazida Braúna é um exemplo perfeito desse fenômeno.

Está localizada em uma região árida do Sertão da Bahia, onde ninguém esperaria encontrar diamantes. No entanto, os geólogos acertaram em cheio ao descobrir esse tubo de kimberlito, que abriga uma quantidade impressionante de diamantes.
Exploração da Mina Braúna: capacidade de produção anual de 340 mil quilates de diamante

Antes da mina Braúna, a exploração de diamantes no Brasil ocorria apenas em fontes secundárias, como rios e cascalhos. Essas fontes secundárias são formadas quando os diamantes se separam das rochas de kimberlito e são levados pela ação da água. No entanto, a mina Braúna é a primeira jazida da América Latina explorada em uma fonte primária de diamantes.

Isso significa que os diamantes estão diretamente ligados ao tubo de kimberlito, o que torna a exploração mais eficiente e produtiva em larga escala. A mina Braúna se destaca não apenas pelo tamanho, mas também pela qualidade dos diamantes encontrados. Durante a fase de pesquisa, entre 2014 e 2016, foram extraídos cerca de 2.500 diamantes de alta qualidade.

A projeção é que a mina consiga extrair aproximadamente 340 mil quilates de diamantes por ano, em um período de vida útil de pelo menos sete anos. Isso representa quase meia tonelada de diamantes durante todo o período de atividade da mina.

O Futuro da Mina Braúna

A Mina é uma operação de mineração a céu aberto que utiliza frota e equipamentos próprios para alimentar uma planta de processamento de 2.000 toneladas de minério kimberlítico por dia, 24 horas por dia, 7 dias por semana.

A mineradora Lipari planeja aprofundar ainda mais as pesquisas para verificar a viabilidade de extrair diamantes do fundo da mina, a cerca de 260 metros de profundidade. Caso seja possível, a mina Braúna passará de uma mina a céu aberto para uma mina subterrânea, ampliando seu potencial de produção.

Atualmente, a mina Braúna emprega mais de 300 funcionários, e as operações de extração e processamento de diamantes. Essa é uma operação de grande escala, com investimentos de mais de 100 milhões de dólares e projeção de lucros de aproximadamente 750 milhões de dólares ao final do processo.

Descoberta da mina Braúna no Sertão da Bahia representa um marco para o Brasil

A descoberta da mina Braúna no Sertão da Bahia representa um marco para o Brasil. Essa mina, que se tornou a maior do país e da América Latina, e reafirma o Brasil como um destaque mundial na produção de diamantes. Além disso, essa descoberta abre novas possibilidades de exploração de diamantes em outras regiões do país.

Enquanto aguardamos o avanço da ciência e da tecnologia brasileira para a descoberta de mais tubos de kimberlito, podemos continuar admirando e valorizando essa riqueza natural.
Você sabia? a maior jazida de nióbio do planeta é no Brasil: com 90% da produção global e capacidade anual de 150 mil toneladas, o nióbio brasileiro é a matéria-prima crucial para salvar e revolucionar a indústria no mundo

Você provavelmente já ouviu falar dos filmes de Indiana Jones, nos quais ele sai em busca de tesouros escondidos nos cantos mais remotos do planeta. Mas a história que você lerá hoje é igualmente fascinante, porém, real. Trata-se da descoberta da maior província de nióbio do mundo, que mudou a história da mineração no Brasil!

O Serviço Geológico dos EUA classifica o nióbio como o segundo mineral “crítico”, estimando que 90% da produção global vem do Brasil. “Nosso país pode se destacar como um fornecedor essencial de materiais para a transição energética”, afirma Ricardo Lima, presidente da CBMM. “A principal vantagem que oferecemos é o carregamento rápido”, explica. “Na indústria de baterias, temos uma grande oportunidade de sucesso.” Clica aqui e confira na íntegra.

Adoraria saber se você já conhecia a mina da Braúna. Conte para nós na seção de comentários o que você achou. Não se esqueça de deixar 5 estrelas e ativar as notificações do CPG para acompanhar todas as novidades do mundo da mineração. Até a próxima! "

FONTE


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terça-feira, 16 de julho de 2024

Entrevista especial com David Deccache * AEPET

A austeridade fiscal e a gestão do neoliberalismo pela esquerda é o projeto das classes dominantes que entraram em guerra
Entrevista especial com David Deccache


O presidente deveria ir à TV e dizer que “vai revogar o arcabouço fiscal porque eu não quero mais fila no SUS e o mercado financeiro não deixa. Me apoiem”.

Existe no Brasil, há quase dez anos, pelo menos desde o plano “Ponte para o futuro”, de Michel Temer, um projeto de austeridade que, no fundo, é um eufemismo para a questão real: a luta de classes. Ao assumir o governo, o Partido dos Trabalhadores tem procurado dar sinais às elites financeiras que seu mandato não será um entrave ao projeto. “A estratégia política do governo é mostrar ao capital e às classes dominantes que estes estão dominados pelas finanças e pelo modelo agroexportador, é mostrar que é capaz de fazer uma boa gestão do projeto das classes dominantes, que se manifesta na Ponte para o Futuro, que é política monetária conservadora e política fiscal de austeridade”, explica David Deccache em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, nesta segunda parte da conversa (a primeira parte pode ser acessada aqui).

O cenário é complexo e o atual governo se sustenta no fato de que há “um controle absoluto da lógica neoliberal, em que, por um lado, há um neoliberalismo progressista e, por outro, um neoliberalismo autoritário. Nós precisamos construir algo para além dessas opções”, provoca o entrevistado. “Precisamos criar alternativas e, para isso, precisamos fazer o oposto do que esses economistas fazem, que é disputar ideologicamente a classe trabalhadora, mostrando os limites, os riscos e os fins dos projetos das classes dominantes”, propõe.

“Fizemos muito certo em apoiar o Lula para tirar o Bolsonaro. Foi um acerto histórico. Porque hoje temos uma correlação de forças maior para derrotar o neoliberalismo. Um governo de extrema-direita que poderia avançar, inclusive na supressão de direitos democráticos, teria destroçado com a nossa luta. Agora que temos a possibilidade com o presidente Lula, precisamos ter condições, ao menos, de lutar”, descreve.

David Deccache é doutor (UnB) e mestre (UFF) em Economia e assessor técnico na Câmara dos Deputados. É coautor do livro Teoria Monetária Moderna: a chave para uma economia a serviço das pessoas (Genérico: 2020).

Confira a entrevista.

IHU – Como o senhor avalia o voto de Gabriel Galípolo no Copom, corroborando a posição de Campos Neto na manutenção da Selic em 10,5%?

David Deccache – O voto do Gabriel Galípolo revela esse teatro de forma explícita. Ele foi um dos criadores do novo arcabouço fiscal, que quebra os pisos da Saúde e da Educação, do Benefício de Prestação Continuada – BPC e da Previdência Social. E ele é vendido como a grande salvação para o Brasil. Como assim? Alguém que ataca a Saúde, a Educação, o BPC e a Previdência? E ele vai para o Banco Central como a grande esperança da nação de reduzir a taxa de juros e chega lá e vota junto com Campos Neto. Ou seja, não há um debate sério no Brasil, comprometido com a verdade, mas sim com um espetáculo. O voto dele torna as coisas um pouco mais óbvias.

E tem gente dizendo que ele “está fazendo um teatro para enganar o mercado e assim ser aceito como presidente do Banco Central” nas redes sociais – tem que torcer para ninguém do mercado ler [risos]. Eu acho que a esquerda até poderia parar de falar isso, porque o presidente do Itaú talvez leia e descubra que está sendo enganado. São duas hipóteses: ou a esquerda descobre que está sendo enganada ou o CEO do Santander, que fez a última reunião com o Haddad sobre os pisos da Saúde e da Educação, está sendo enganado. Ele faz reuniões fechadas. Não sei se quem faz esses comentários na internet está tendo reuniões com Haddad a portas fechadas e tendo informações privilegiadas. Acredito mais que a esquerda está sendo enganada.

A estratégia política do governo é mostrar ao capital e às classes dominantes que estes estão dominados pelas finanças e pelo modelo agroexportador, é mostrar que é capaz de fazer uma boa gestão do projeto das classes dominantes – David Deccache

IHU – No caso do voto de Galípolo, quais os limites entre reforçar a independência do Banco Central em relação ao governo e, de outro lado, acenar como aliado do sistema financeiro? O que está em jogo nesta decisão?

David Deccache – Obviamente, o Galípolo, assim como núcleo duro da política econômica do governo federal, tem como pressuposto ganhar a confiança do mercado financeiro. Esse pressuposto está inserido dentro de uma estratégia política maior.

A estratégia política do governo é mostrar ao capital e às classes dominantes que estes estão dominados pelas finanças e pelo modelo agroexportador, é mostrar que é capaz de fazer uma boa gestão do projeto das classes dominantes, que se manifesta na Ponte para o Futuro, que é política monetária conservadora e política fiscal de austeridade. Eles estão dizendo às classes dominantes: “nós conseguimos gerir melhor o projeto de vocês, porque conseguimos o consenso da classe trabalhadora para ela ir contra os seus próprios interesses. Então conseguimos gerir esse projeto de retirada de direitos de forma mais suave, pelo consenso social”. Já a extrema-direita fala o seguinte para as classes dominantes: “não, nós precisamos de coerção, de suspensão de direitos democráticos para esse projeto se impor”. O que nós temos na prática é um controle absoluto da lógica neoliberal, em que, por um lado, há um neoliberalismo progressista e, por outro, um neoliberalismo autoritário. Nós precisamos construir algo para além dessas opções.

Dada a opção do governo de governabilidade pela gestão do projeto das classes dominantes, o que o Galípolo faz é simplesmente um teatro para a esquerda e tenta se reafirmar para o mercado financeiro como alguém de confiança, votando junto ao Campos Neto. Eu gostaria de reforçar que isso tudo não é uma questão de subjetividade.

Eu não faço uma crítica à pessoa Gabriel Galípolo ou à pessoa do Fernando Haddad, não é uma questão de subjetividade ou de perversidade individual, é uma questão estrutural que se manifesta em opções políticas. Se não fosse o Haddad conduzindo esse projeto junto com a Simone Tebet, seria outra dupla, talvez tão ligada aos setores da classe dominante quanto a Tebet; se não fosse o Galípolo, seria outro cumprindo esse papel. Eles são meros funcionários desse modelo. Eu gostaria muito de destacar aqui que não é uma crítica pessoal, é uma crítica ao modelo.

O que nós temos na prática é um controle absoluto da lógica neoliberal, em que, por um lado, há um neoliberalismo progressista e, por outro, um neoliberalismo autoritário – David Deccache

IHU – A rigor, quais os projetos de políticas econômicas do atual governo federal que pretendem mercantilizar e financeirizar a saúde e a educação no Brasil?

David Deccache – Quando anunciam qual é a estratégia do governo federal de forma mais clara para a Saúde e a Educação, há esse teatro de que o governo está indo para cima do Campos Neto. Foi anunciada recentemente a desvinculação dos recursos da Saúde e da Educação como possibilidade de rebaixamento dos pisos. Se o governo envia uma Proposta de Emenda Constitucional - PEC e simplesmente acaba ou rebaixa muito os pisos, mudam a taxa de crescimento e a indexação, deixa muito explícito que o piso foi alterado e todos percebem. Recentemente surgiu na imprensa a hipótese da desvinculação da Saúde e da Educação, ou seja, o governo fala que vai manter o piso da Saúde, da Educação, “aqui não se mexe, mas também não se mexe no arcabouço fiscal”. Isso é terraplanismo matemático. Se não vai mexer em nada, os carros vão bater no caminhão, conforme o meu exemplo anterior.

Para isso eles vão simular a manutenção dos pisos, mas na prática reduzirão fortemente com a desvinculação desses recursos. Ou seja, ele será colocado no orçamento, mas poderá ser desvinculado, remanejado durante o ano. Por exemplo, será possível retirar mais de 30% dos recursos da Saúde e da Educação para poder repassar para outras áreas – isso será discutido na imprensa oficialmente.

PEC da DRU da Saúde e da Educação e da Seguridade Social

Quero usar esse espaço para fazer uma denúncia do que, para mim, está muito claro: eu leio os jornais do mercado financeiro e o Estadão, e essa possibilidade aparece sempre, só que a esquerda não discute, para a esquerda é um não debate.

Hoje, a desvinculação passa a ser a principal possibilidade do governo federal, porque na aparência mantém o piso, mas na essência está destruindo. E terá que ser votada uma PEC no fim do ano, que já está contratada, da Desvinculação das Receitas da União – DRU para com a Seguridade Social, que vence em dezembro de 2024.

Por que essa possibilidade de DRU da Saúde e da Educação e da Seguridade Social aparecem? Porque no fim do ano será votada uma PEC. Necessariamente eles votarão essa PEC. E qual será o golpe? Eu trabalho no Congresso há mais de sete anos e já vi muito isso tendo passado pelos governos Temer e Bolsonaro. Tem uma PEC para mexer na DRU da Previdência, que já foi normalizada, e eles colocam em cima da hora para votação e, junto com isso, colocam também a DRU da Saúde e da Educação, o que na prática destrói os pisos. Mas esse debate vai aparecer somente depois das eleições municipais, porque falar disso agora é um tiro no pé.

Estou alertando isso desde o período de transição, embora naquela época não era algo certo isso aconteceria. Em abril de 2023, voltei a sublinhar esse tema, quando o arcabouço fiscal foi apresentado. Falei que o Haddad atacaria os pisos e ele negou desde sempre, afirmando que isso não faria isso, inclusive de forma a desrespeitar a democracia mentindo em vários espaços públicos como o Congresso Nacional, no Conselho Nacional de Saúde, afirmando que não havia estudos sobre o assunto.

Entretanto, hoje, ele fala abertamente que vai atacar os pisos. Demorou mais de um ano e meio e a esquerda ficou fingindo não ver esse ataque. Há algo sintomático: o Partido dos Trabalhadores lançou uma nota defendendo os pisos. Você nunca vai lançar uma nota de ataque a ministros que estão no governo do PT se o ataque não existe. Ora, isso prova que este projeto está avançando.

A maioria dos parlamentares e candidatos a prefeito estão ignorando o debate. Ele tem impacto nos municípios e nos estados, então deveria ser um debate dos candidatos às prefeituras. Porque, necessariamente, se o governo federal diz que quer rebaixar os seus pisos, por que os municípios não solicitariam também o rebaixamento dos seus pisos? Há um risco generalizado para os setores da saúde e educação no Brasil. Obviamente esse risco está sendo calculado desde o início do governo, o de subfinanciamento. Inclusive eles têm a solução para este subfinanciamento, que são, precisamente, as Parcerias Público-Privadas - PPPs incentivadas pelo governo federal nos estados e municípios.

Se colocar a lógica do sistema prisional na mão do mercado financeiro, inclusive com a emissão de debêntures, ele vai se focar na geração de lucros e não vai focar na questão social – David Deccache

IHU – Do que se trata a PPP do governo federal para as escolas e creches?

David Deccache – Esse cálculo é curioso porque em primeiro lugar as PPPs são consideradas privatizações ou expansões da educação pública a depender de quem as faça. Quando o [governador do Paraná] Ratinho Júnior avança num projeto de privatização de escolas exatamente igual ao que está previsto no programa de parceria de investimentos, a esquerda considera privatização. Porém, quando é o governo federal estimulando a mesma coisa, é expansão da educação pública.

O que são essas PPPs? O controle e a gestão financeira da escola ficam na mão de uma empresa, da iniciativa privada. É óbvio que o Eduardo Leite, o Ratinho Júnior e o Tarcísio de Freitas alegam que os professores continuam sendo servidores públicos e o que está sendo dado às empresas é a gestão, mas as máquinas e os equipamentos, o prédio, ficam com a iniciativa privada. A mesma lógica será aplicada aos presídios, que continuarão com a Polícia Penal atuando no monitoramento e nas questões de polícia, mas todo o resto (alimentação, manutenção do prédio, monitoramento de segurança) passa à inciativa privada.

Qual é o problema disso, afinal muita gente diz que não é privatização. A questão não é se o policiamento será feito por um policial penal ou por um contratado por Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. O problema fundamental é que a empresa que administrará esse negócio fará com vistas ao lucro, e para que isso aconteça deve-se gerar o aumento da população carcerária, por exemplo. Um outro ponto ainda no nível dos presídios é que haveria uma pressão para uma maior precarização – hoje já precário – do trabalho da população carcerária. As empresas poderiam vislumbrar na população carcerária uma massa de trabalhadores sem direitos e fazer pressão, com um discurso bem reacionário de que os detentos vão pagar a própria pena, sem direito algum, tendo que trabalhar de graça, escravizados. Então, se colocar a lógica do sistema prisional na mão do mercado financeiro, inclusive com a emissão de debêntures, ele vai se focar na geração de lucros e não vai focar na questão social.

A opção é construir um novo senso comum para a classe trabalhadora, como construímos com o PL do Estupro: enfrentando de frente os reacionários. É disputar a sociedade – David Deccache

Isso é mais fácil de compreender quando observamos o setor educacional. Iremos aumentar o poder desses conglomerados, que hoje invadiram e dominaram o ensino superior no país, todos ligados ao mercado financeiro. As pessoas não lembram, mas nós iremos aumentar o poder deles.

Vejam o interesse da Multilaser na privatização de escolas em São Paulo e no Paraná. Tudo isso para aumentar o controle dos grandes conglomerados na educação. Quais são os interesses por trás, mesmo que inicialmente os professores continuem servidores públicos? A pressão será por mais aulas EaD, algo pior que o Novo Ensino Médio e a precarização total no que se refere aos custos do ensino, mas com aumento dos lucros.

Repito: se o governo federal está financiando e tem dinheiro no BNDES para dar para uma empresa construir uma escola, por que não tem dinheiro para dar para o município? Isso não é óbvio? João Campos, prefeito de Recife, vai abrir 9 mil vagas em creches com parcerias público-privadas com dinheiro do BNDES. Não poderia ter recebido dinheiro para a prefeitura fazer as creches? Estamos perdendo o controle da Educação, da Saúde, do sistema prisional e do meio ambiente. No governo federal atual, estamos com a ampliação da lógica das PPPs. Por que precisa isso? Para ganhar benefícios extras, como as debêntures que comentei anteriormente.

Se o governo federal está financiando e tem dinheiro no BNDES para dar para uma empresa construir uma escola, por que não tem dinheiro para dar para o município? Isso não é óbvio? – David Deccache

Lógica de privatização via PPPs

O governo federal atual inseriu o sistema prisional e os setores de saúde e educação entre as áreas prioritárias para as PPPs, como o meio ambiente. Aliás, o meio ambiente é um caso muito grave porque implica, como em Jericoacoara, no Ceará, a criação de uma PPP que explora um perímetro de meio ambiente, mas pouco se fala, porque é o governo federal pensando. O que se fala é que não há recursos para o governo gerir e organizar o manejo sustentável. Claro, ele está depenando o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], a estrutura orçamentária de quem deveria fiscalizar e não tem recurso propositalmente para entrar na lógica das PPPs, a lógica de privatização acima de tudo.

Por que eu digo isso? Porque um presídio não será privatizado na lógica clássica de privatização. Isto é óbvio, pois ninguém pagará para ficar preso – chegar lá e dizer “me prendam”. Precisa haver uma parceria entre Estado e empresa, porque o Estado punitivista quer prender a população jovem e negra, em especial, e quer vender esses presos para a iniciativa privada, que receberá todo o mês por estes presos.

É por isso que se trata de uma parceria. Hoje, cada jovem desses rende, diariamente, R$ 280,00 (essa é a diária). Isso é um absurdo completo, uma política racista, tanto que o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, se coloca absolutamente contrário a essa lógica. Ele traz mais um aspecto que é: quando você privatiza o sistema prisional, traz-se a possibilidade do controle dos presídios pelo crime organizado que é, hoje, muito poderoso do ponto de vista econômico e em se mancomunar, por meio de empresas laranjas que privatizam o sistema prisional, controlando-o de forma ainda mais forte.

O governo federal atual inseriu o sistema prisional e os setores de saúde e educação entre as áreas prioritárias para as PPPs, como o meio ambiente – David Deccache

Veja como a lógica de privatização via PPPs vai se tornando progressivamente mais perversa; eu diria: vai se tornando uma política racista. Há a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados que está realizando uma audiência pública com a participação de integrantes do Ministério dos Direitos Humanos, os quais fizeram críticas duríssimas a esta política federal. O Ministério da Fazenda negou o envio de um representante para discutir com os representantes do Ministério dos Direitos Humanos.

Há um projeto predominante no governo federal que é o do Ministério da Fazenda. Quando temos um ministro como Silvio Almeida, um dos grandes intelectuais e militantes no Brasil contra essa lógica de racismo estrutural atrelada à austeridade fiscal, manifestando-se enfaticamente sem nenhum apoio da militância ou do governo, percebemos qual é o projeto dominante. A austeridade fiscal, como a esquerda sempre disse e parou de dizer, é fascista.

O BPC que a Simone Tebet quer atacar, quem é afetado predominantemente? A população que mais recebe BPC são mulheres idosas negras em situação de extrema pobreza. Isso é, definitivamente, um racismo estrutural e estruturante de nossa sociedade. Caso essa proposta anunciada para o BPC estivesse valendo desde 2003, por vinte anos, qual seria o valor, considerando que hoje ele é R$ R$ 1.412? Seria R$ 250,00. Isso é um dado. Essa proporção vai se manter caso seja aprovado. Em vinte anos as pessoas receberão algo equivalente a isso.

Algo desse tipo deixará as pessoas na mais absoluta miséria. Ao mesmo tempo que joga a população idosa do futuro na miséria mais absoluta, ganhando menos que o salário mínimo, que hoje já é pouco para sobreviver, ela quer destruir o piso da Saúde, num cenário em que a população idosa precisará cada vez mais da saúde pública. Tudo isso ocorre num mundo em crise climática, onde as pessoas precisarão cada vez mais de assistência médica. Estamos caminhando para um ponto de não retorno, o que é dramático em um governo de esquerda.

Precisa haver uma parceria entre Estado e empresa, porque o Estado punitivista quer prender a população jovem, negra, em especial, e quer vender esses presos para a iniciativa privada, que receberá todo o mês por estes presos – David Deccache

IHU – Mesmo economistas de esquerda costumam dizer que não há outra saída a não ser negociar com o mercado, o que no fundo comprova a tese de que à economia só resta uma alternativa. Em que sentido isso é verdadeiro? Que outras saídas, sobretudo em benefício dos mais pobres, existem?

David Deccache – Eu tenho refletido muito sobre essa questão. Esta fala dos economistas progressistas busca o consenso da classe trabalhadora para irem contra os seus próprios interesses. Ou seja, fazer concessões ao mercado financeiro seria a única possibilidade para derrotar a extrema-direita. Para derrotarmos a direita, temos que fazer a gestão desse neoliberalismo que é cada vez mais agressivo. Então a classe trabalhadora deve apoiar o ataque violento contra os pisos, contra o BPC, contra a privatização dos presídios porque essa será a única forma daqui para a frente – e por toda a eternidade – para não termos a volta da extrema-direita. Isso é um absurdo completo.

Precisamos criar alternativas e, para isso, precisamos fazer o oposto do que esses economistas fazem, que é disputar ideologicamente a classe trabalhadora, mostrando os limites, os riscos e os fins dos projetos das classes dominantes; mostrando que isso levará a um desastre climático de proporções inimagináveis em poucos anos. O que aconteceu no Rio Grande do Sul será recorrente.

A política que a Tebet propõe vai afetar os idosos do país. A queda do piso da saúde e da educação vai afetar, especialmente, a população mais pobre, mostrando como essa lógica de destruição dos serviços públicos vai levando a classe trabalhadora a recorrer cada vez mais aos serviços privados, que são horríveis, pagando fortunas aos planos de saúde, pagando muito pela educação dos filhos, com salários cada vez menores e tendo cada vez menos serviços públicos e aumentando o endividamento com os bancos. Enquanto isso, os bancos vão se apropriar dessa outra renda das famílias, com taxas de juros escorchantes.

Mostrar isso para a população é fundamental para mudarmos a correlação de forças da sociedade. Mas o que está sendo feito é, exatamente, o oposto: blindando o neoliberalismo para mostrar às classes dominantes que eles têm o controle absoluto da classe trabalhadora, porque eles têm o consenso, e a classe trabalhadora irá se ferrar em silêncio.

Essa fala dos economistas progressistas busca o consenso da classe trabalhadora para irem contra os seus próprios interesses. Ou seja, fazer concessões ao mercado financeiro seria a única possibilidade para derrotar a extrema-direita – David Deccache

Enfrentar os reacionários

A opção é construir um novo senso comum para a classe trabalhadora, como construímos com o PL do Estupro: enfrentando de frente os reacionários. É disputar a sociedade. Essa é a única forma que nós temos para salvar o mundo diante de uma catástrofe. Agora neste momento que estamos conversando sobre taxas climáticas capazes de tornar a vida insuportável nos próximos anos, um “novo normal” em que o que aconteceu no Rio Grande do Sul seja recorrente.

Por exemplo, a tragédia do Rio Grande do Sul deveria ser disputada com a sociedade. O governo deveria lançar naquele momento uma ampla ofensiva contra a austeridade fiscal, falando que milhões de pessoas foram afetadas diretamente por causa do agronegócio que está destruindo o meio ambiente. Deveria mostrar que é a austeridade fiscal que impede medidas sérias de mitigação, inviabilizando políticas de adaptação climática. Se tivéssemos resiliência, poderíamos evitar muitas perdas materiais e humanas. A partir de agora, não deveríamos deixar que a austeridade fiscal nos impeça de salvar vidas, não tem mais teto de gastos.

Era isto o que o presidente Lula precisava fazer, e a população ficaria do lado dele. Se falasse: “Eu vou salvar essas vidas, vou reconstruir o Rio Grande do Sul, custe o que custar. Vou reconstruir esse país inteiro. Eu vou fazer um grande projeto de adaptação e mitigação de mudança climática em todo o país porque isso pode acontecer no Rio de Janeiro, no Centro-oeste, no Norte e Nordeste, cada um com suas especificidades, e não vou permitir que vidas sejam perdidas. Para isso, vou revogar o arcabouço fiscal”. O mercado financeiro iria chiar, mas quem ganharia o debate? A esquerda ganharia o debate, tenho certeza. E não faz porque isso está totalmente fora da estratégia, que é de gestão do capital.

Precisamos criar alternativas e, para isso, precisamos fazer o oposto do que esses economistas fazem, que é disputar ideologicamente a classe trabalhadora, mostrando os limites, os riscos e os fins dos projetos das classes dominantes – David Deccache

Guerra de classes

Acabou este tipo de gestão que funcionou nos governos Lula anteriores, onde havia certo espaço de negociação de concessões. Hoje, é uma gestão na qual a austeridade fiscal funciona como uma arma na guerra de classes. Portanto, estamos gerindo um projeto das classes dominantes que entraram em guerra. Não é um projeto de conciliação de classes, é guerra de classes. É uma guerra contra a classe trabalhadora do neoliberalismo e suas especificidades. O termo sobre essa concepção de austeridade fiscal é de uma intelectual que eu gosto muito, a Clara E. Mattei. Ela mostra como a austeridade fiscal é um elemento de guerra de classes e como isso é a porta de entrada do fascismo.

Quando eles colocam como opção um governo progressista que preserva as liberdades individuais e a democracia como a única opção ao neoliberalismo autoritário e agressivo, que suspende a democracia e nós temos que escolher o menos pior, ficaremos algum tempo com o neoliberalismo progressista destruindo tudo – Saúde, Educação e salário mínimo. Isto vai gerar um esgarçamento inevitável no tecido social.

É uma gestão na qual a austeridade fiscal funciona como uma arma na guerra de classes. Portanto, estamos gerindo um projeto das classes dominantes que hoje entraram em guerra, não é um projeto de conciliação de classes – David Deccache

Aliás, é insustentável manter a popularidade de um governo que gere esse neoliberalismo progressista, que vai criar uma insatisfação popular e social tão grande, a ponto de a extrema-direita se fortalecer de forma brutal. Necessariamente, isto leva à ascensão da extrema-direita no Brasil e no mundo, que é o que estamos vendo.

Com o esgarçamento social dado pelo modelo neoliberal, inclusive na sua versão “progressista” – isso não existe, ele sempre vai ser reacionário, autoritário, antidemocrático, mas na sua aparência é progressista –, vamos transitar entre fases de um neoliberalismo com aparência progressista, mas, mesmo assim, autoritário, antidemocrático e agressivo, e de um neoliberalismo explicitamente autoritário, violador de direitos fundamentais, inimigo da democracia. Então as classes dominantes alteram entre a gestão do projeto neoliberal pelo consenso e a gestão pela coerção.

Implantar um projeto socialista é alternativa para a sobrevivência

Nós devemos superar essa lógica. Apesar de termos um Congresso Nacional conservador, de ter um grande poder no mercado financeiro, na Faria Lima e no agronegócio exportador, apesar disso tudo, tem uma coisa que eles não podem nos impedir, que é fazer uma guerra nos corações e mentes da classe trabalhadora. Não tem uma votação no Congresso que impeça o presidente Lula de enfrentar o novo arcabouço fiscal e ampliar os gastos com Saúde, em vez de reduzir. O presidente deveria ir à tevê e dizer que “vai revogar o arcabouço fiscal porque eu não quero mais fila no SUS e o mercado financeiro não deixa. Me apoiem”. Ele pode perder no Congresso, pode. Mas tem que lutar.

A única alternativa à classe trabalhadora, para sobreviver a este futuro drástico que se apresenta, é a superação da lógica do capital, é a construção de um projeto socialista. Trata-se de uma questão de sobrevivência, de não caminharmos para a extinção. Precisamos fazer a disputa ideológica. O governo faz o oposto: usa os aparelhos ideológicos do Estado para legitimar políticas de austeridade fiscal.

O único enfrentamento feito é um teatro com o Campos Neto, justamente em todos os momentos que ataques sociais estão sendo planejados pela equipe econômica, para direcionar a militância para alguma coisa que teoricamente o governo federal não pode fazer nada, que é mandar embora o presidente do Banco Central. Basicamente é isso o que acontece, inclusive usando os aparelhos ideológicos contra a classe trabalhadora ao legitimar a austeridade fiscal como a única saída – e não é a única saída.

Extrema-direita cínica, oportunista e canalha

Vou dar um exemplo claro que aconteceu há pouco tempo, quando a Tebet e o Haddad anunciaram pela primeira vez, de maneira formal, explícita, o ataque aos pisos da Saúde e da Educação. A extrema-direita, que é cínica, oportunista e canalha, sem nenhum piso moral, se colocou contra os pisos. O deputado Nikolas [Ferreira], presidente da comissão de Educação e sempre atacou este setor, os professores e a militância da educação pública, colocou-se como defensor do piso da Educação contra a esquerda. Ele apoiou a greve dos professores, que estão sendo precarizados. Isso pode se tornar recorrente e estrutural. É um risco muito grande.

O mercado financeiro está com medo de ter uma reação da classe trabalhadora, de uma derrota do projeto neoliberal. É por isso que o mercado está muito nervoso – David Deccache

Compromisso com a classe trabalhadora para continuidade do governo

A austeridade fiscal e a gestão do projeto do neoliberalismo pela esquerda não são as únicas saídas. São também um elemento funcional para o capital destruir a classe trabalhadora e que vai fortalecer a extrema-direita. A nossa luta, dessa pequena parcela da esquerda que tem um compromisso com a classe trabalhadora, não enfraquece o governo. Pelo contrário, nossa luta é o que freia e o que pode salvar o governo da sua autodestruição pelas políticas agressivas de austeridade fiscal.

Quem lutou pela greve da Educação, estava lutando também pela manutenção de condições minimamente adequadas à continuidade do governo. Afinal, se deixar o Haddad ter correlação de forças, isto destruirá tudo, irá esgarçar o tecido social de tal forma que será impossível o governo ser sustentado pelo próprio consenso que ele deseja. Isto abrirá espaço para a extrema-direita.

Eu diria mais: o Haddad até agora não governou. Ele conseguiu impor o ajuste fiscal que ele quer, porque a expansão fiscal de 2023 foi como nunca vista na história. Ele não conseguiu controlar os gastos como queria. Em 2024, ele também não está conseguindo, por isso que o mercado financeiro fica nervoso. O mercado financeiro está com medo de ter uma reação da classe trabalhadora, de uma derrota do projeto neoliberal. É por isso que o mercado está muito nervoso: o medo de uma luta da classe trabalhadora crescer em defesa dos pisos da Saúde e da Educação.

Um dia antes da economista Maria da Conceição Tavares morrer, o Haddad fez uma reunião com o CEO do Santander e vários agentes do mercado financeiro. Falo nela porque foi uma grande economista política e considerava a luta de classes. Há um vídeo interessante dela circulando, em que diz que política importa muito. Eles fingem que é só técnico, que é um debate burocrático, que eles não fazem política, que são só técnicos, que é tudo burocrático, mas política para eles importa muito. Eles fazem reuniões em jantares às sextas-feiras para fazer política, em um café da tarde para fazer política; houve uma reunião do Haddad com o CEO do Santander, um dia antes da morte da Maria da Conceição. Nessa reunião, a polêmica foi que o mercado financeiro vazou – o Haddad reclamou disso – sobre a estrutura do novo arcabouço fiscal ser sustentável.

O mercado financeiro disse: “do jeito que está, vai derrubar o novo teto, porque os pisos da Saúde, da Educação, da Previdência e do BPC continuam crescendo, já estão próximos de serem atingidos e estamos com medo de quebrar o novo teto de gastos. Se isso acontecer, o pilar do nosso projeto será quebrado. O que você vai fazer quando os pisos serão quebrados?”

Colocaram o ministro na parede. Este disse que, se dependesse dele, ele faria, mas que dependia do presidente Lula e que havia resistências. Quando eles enxergam alguma resistência possível, em lugar de socorrerem o Haddad como sempre, jogaram na imprensa. Daí o Haddad reclama que isso não foi acordado na reunião e que quebraram a confiança. Eles saíram atacando porque há alguma resistência na esquerda ainda e isso incomoda.

A Febraban recentemente lançou uma nota de apoio a esse projeto e ao Haddad. Os editoriais de vários jornais – Folha, Estadão e Globo – explicitamente apoiam essa política e o Haddad como o seu grande gestor. O ministro ganhou duas capas da revista Veja em um ano, elogiosas, como se ele fosse o novo Fernando Henrique Cardoso por conta desses ataques. Ao lerem a entrevista, muitos dirão que a Febraban, a Veja, o Estadão e o Globo estão lutando pela classe trabalhadora, e que eu estou contra a esquerda e a classe trabalhadora porque estou “batendo” no Haddad. É um absurdo a classe trabalhadora achar que a Febraban está defendendo os interesses trabalhistas, porque é óbvio que não. O projeto em curso é destrutivo e vai levar ao crescimento da extrema-direita, que é o que se observa no mundo.

IHU – Deseja acrescentar algo?

David Deccache – Recentemente, o presidente Lula foi entrevistado e uma jornalista perguntou sobre os pisos da Saúde e da Educação, sobre as questões da Previdência e do BPC, que são propostas. O presidente Lula responde explicitamente: “Nada está descartado. Eu sou pragmático”.

O que está acontecendo é que uma parte da esquerda está fazendo um jogo muito covarde com a população mais pobre desse país: fingir que esse debate não está acontecendo para não permitir que haja uma articulação, desde já, muito forte da classe trabalhadora para resistir ao ataque aos pisos. Isto desarticula todo mundo. Fingem que o debate não existe para, após a eleição, quando as medidas forem enviadas ao plenário da Câmara dos Deputados em conluio com o Arthur Lira, então ser aprovado sem maior resistência. Isto faz parte da política pós-2016 de Michel Temer, que é aprovar tudo em regime de urgência, de forma atropelada, sem passar por comissões, sem ter um debate público, nas universidades e nas ruas, nos nossos canais progressistas. Essa é uma forma de atuação no Legislativo que tenho acompanhado desde sempre.

Regime de urgência

O novo arcabouço fiscal foi aprovado de forma antidemocrática e autoritária – o neoliberalismo é autoritário – e o Haddad não permitiu que ele fosse debatido em comissões. E ele fez um acordo com o Arthur Lira para que não houvesse o debate em comissões e fosse ao plenário em regime de urgência. A autonomia do Banco Central no governo Bolsonaro foi aprovada em regime de urgência, aproveitando a pandemia para não ser debatida nas comissões e para o povo não conhecer o debate.

Temos uma série de propostas neoliberais, de austeridade e autoritárias que passam dessa forma – este é o plano. Todo mundo sabe que no Brasil, se o Haddad for honesto e respeitar a democracia, tirando o mérito da questão, se defende ou não a quebra dos pisos, ele deveria respeitar a democracia.

Fernando Haddad mente ao falar que o arcabouço fiscal é sustentável pelo aumento de receitas. Isso eu posso provar matematicamente. Ele poderia enviar sua proposta para ser exaustivamente debatida no âmbito das comissões da Câmara dos Deputados.

Quero encerrar com algo que não falei durante a entrevista inteira, mas que considero importante. Além desse caráter todo da austeridade fiscal, é fundamental entender que a austeridade fiscal tem um elemento para disciplinar a classe trabalhadora, porque o desemprego exerce um caráter disciplinador. O medo do desemprego disciplina, e a pessoa fica recuada e desorganizada.

Precarização e violência dos direitos trabalhistas

Além disso, a uberização do trabalho, a gestão dessa precarização e a violência de todo e qualquer direito trabalhista na gestão do trabalho pelas plataformas, que é uma gestão muito mais dura do que aquela do gerente da fábrica, exige uma nova estrutura legal que legalize essa violação completa de direitos sob a aparência de empreendedorismo e liberdade. É uma intensificação brutal, como nunca vista antes, da exploração e da violação de direitos, ao mesmo tempo que se vende uma liberdade plena e total para a classe trabalhadora, via gestão por plataformas do trabalho.

Nessa lógica, entrou em pauta no Brasil o PLP 12/2023, da Uber, debate que também é mundial. Esse PLP simplesmente legaliza a uberização do trabalho e joga a CLT no lixo; a proposta tem vários problemas. Mas, no Brasil, em vez de discutirmos a superação qualitativa da CLT para a ampliação de direitos e o enquadramento dessas plataformas, o que debatemos é a legalização da uberização sobre a pasta de que não há exploração do capital e trabalho mais no mundo. É isso o que o projeto diz quando ele fala que essas plataformas são simples intermediárias entre o motorista e o passageiro, logo, não há relação de exploração e trabalho.

No entanto, na própria legislação, a possível lei que está sendo criada garante instrumentos de subordinação total da classe trabalhadora à plataforma. Por exemplo, a plataforma poderá seguir punindo duramente o trabalhador desligando-o do aplicativo, que é a forma como ele sobrevive. Alguém poderia dizer que há um contrato estabelecido entre as partes que vai determinar o que a plataforma pode fazer em termos de desligamento. É como se houvesse uma simetria de forças na elaboração desse contrato. O trabalhador toma o contrato como dado, é unilateral. Ele é assinado quando o trabalhador aperta um botão no aplicativo, ele nem lê. É uma legalização dessa lógica brutal.

O piso estabelecido por hora trabalhada é extremamente baixo e, em algumas corridas, não paga nem sequer o custo que o trabalhador tem com o carro, com o combustível e com a alimentação. O trabalhador pode ganhar muito, muito, muito menos do que um salário mínimo por hora, se for levar em conta os custos de verdade e não os que estão no projeto de lei.

Retorno ao século XIX

O mais assustador de tudo é que eles colocam uma carga horária máxima semanal: uma carga horária diária máxima de 13 horas, mas de domingo a domingo, o que significa que o trabalhador, por semana, tem um teto de 91 horas. O curioso é que o PLP diz que as 91 horas semanais – antigamente a esquerda lutava por 30 horas semanais – é necessário para o bem-estar do motorista e para a segurança do passageiro. Estamos normalizando uma situação que seria considerada brutal no século XIX, quando o Marx escrevia em uma situação de carga horária de 670 horas.

Obviamente, na questão em que as plataformas passam a ser no modo e na aparência simples intermediárias, quando na verdade elas são os fundamentos da exploração da classe trabalhadora, temos algo muito sintomático. Este projeto cria gênero e espécie, onde o gênero são as plataformas intermediadoras de serviços e o trabalhador é um autônomo que utiliza essas plataformas de intermediação, e depois vem o específico, que é a plataforma de intermediação de serviços de transporte individual e motoristas autônomos por plataforma.

Gestão da classe trabalhadora por plataformas

Aqui já existe um embrião do que pretendem fazer no Brasil: tornar toda a classe trabalhadora gerida por plataformas e aplicativos que monitoram 24 horas por dia, que punem sem nenhum tipo de direito ou garantia e ocultando pela lei a exploração entre capital e trabalho. Isso será uma referência para novos ataques. Os próximos serão os entregadores, depois teremos as trabalhadoras domésticas, os professores, arquitetos, profissionais da saúde. Por exemplo, uma escola pode chamar o professor para dar aula, se ele quiser, pelo aplicativo. “Ele é um empreendedor agora, ele vai lá dar aula”. Então toda a classe trabalhadora corre o risco de ser uberizada, por controles monopolistas.

Portanto, temos também um ataque trabalhista – um ataque completo em curso no Brasil que não está sendo discutido. Esse PLP 12/2023 cai porque a classe trabalhadora se organiza de forma muito forte e consegue derrotar o lobby da Uber, que é poderosíssimo. Só que essa derrota da Uber parece uma tática de dar “um passo atrás para depois dar dois passos à frente”. O governo não poderia votar algo dessa magnitude de ataque próximo à eleição. Isso é muito impopular e os motoristas se organizaram.

Não há espaço para permitirmos a retirada de direitos e retrocessos David Deccache

Revolta foi capturada pela extrema-direita

Outra lição: a extrema-direita captou a revolta deles e é mentira da esquerda que eles não querem direitos, pois isso piora a situação deles em relação ao que é hoje. A situação deles é material. Eles vão esperar passar as eleições para voltar com esse ataque. E certamente a classe trabalhadora vai se desarticular achando que já ganhou enquanto eles aumentam o número de armas para nos atacar. Por isso, é importante que os partidos, os quadros políticos, os militantes e os movimentos sociais não recuem como estão fazendo. Como estão fazendo na questão do piso da Saúde e da Educação, do PLP da Uber, na proposta racista e destrutiva da Simone Tebet, na questão da privatização de presídios e escolas.

Eu vi dezenas, talvez centenas, de quadros políticos falando da privatização de escolas do Ratinho Júnior, sem falar que essa privatização tem a possibilidade de contar com o apoio do BNDES e com as renúncias tributárias do governo federal, com as garantias do Tesouro, porque estão inseridas ali.

Há um projeto que a esquerda se acovarda em debater para desarmar a classe trabalhadora, para que ela, quando for atacada, seja destruída e massacrada. A esquerda está atuando para desarmar a classe trabalhadora diante desses ataques. Isto é covardia e é inaceitável. É inaceitável desarmar a classe trabalhadora fingindo que não tem nada acontecendo, para mais um presídio ser privatizado, coisa que acontece em Santa Catarina. O governo vai lançar um edital de privatização no estado catarinense e ninguém fala nada, simplesmente para a classe trabalhadora não resistir.

Quanto a esta entrevista que eu dei até aqui, boa parte da esquerda finge que não conhece nada do que eu falei. Faz questão de não saber, porque sabe que, se armar a classe trabalhadora, haverá resistência. E se “tiver resistência, vai prejudicar o governo”. Depende. Ele pode recuar e não apresentar projetos de lei, por exemplo, de retirar pisos e esse é o papel da luta de classes. Não há espaço para permitirmos a retirada de direitos e retrocessos.

Fizemos certo em apoiar o Lula para tirar o Bolsonaro. Foi um acerto histórico. Porque hoje temos uma correlação de forças maior para derrotar o neoliberalismo – David Deccache

Um acerto histórico

Fizemos bem em apoiar o Lula para tirar o Bolsonaro. Foi um acerto histórico. Porque hoje temos uma correlação de forças maior para derrotar o neoliberalismo. Um governo de extrema-direita que poderia avançar, inclusive na supressão de direitos democráticos, teria destroçado com a nossa luta. Agora que temos a possibilidade com o presidente Lula, precisamos ter condições de lutar ao menos.

É um absurdo não fazermos greve agora, não lutarmos pelos pisos agora, afinal o elegemos para lutar. Isso porque a extrema-direita age com coerção, com força, com brutalidade. É um absurdo completo, um cinismo, uma covardia com a classe trabalhadora a esquerda negar a luta. Desarmar a classe trabalhadora no enfrentamento contra a Uber, no enfrentamento contra os planos de saúde, contra os bancos na tentativa de destruir a previdência pública e assumirem os planos de previdência.

Sobre os fundos de previdência, há uma questão. Quando o governo fez as debêntures, no projeto consta que esses benefícios atrairão os recursos de previdência privada, os quais serão utilizados para a privatização dos presídios. Então se financeiriza a previdência para lançar na privatização dos serviços públicos. É brutal, não tem outro nome. É o neoliberalismo.