terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

POR QUEM OS SINOS DOBRAM * Antonio Francisco Pereira / MG

POR QUEM OS SINOS DOBRAM


     25 DE JANEIRO 2022. Há exatamente três anos 270 pessoas foram engolfadas pelo turbilhão de lama despejado pela barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho, episódio que supera, em número de vítimas, a tragédia da boate Kiss. Famílias destroçadas. Dano ambiental incalculável. E um gigantesco desafio para a Justiça brasileira, no campo indenizatório e punitivo.

 

     Inquérito com mais de cinco mil páginas. Centenas de testemunhas, milhares de documentos impressos e de arquivos digitais, múltiplas perícias, pessoas físicas e jurídicas, nacionais e internacionais. Na linha de frente, um batalhão de advogados afiados, prontos para disparar uma enxurrada de recursos ao menor desacordo com o andamento do processo. Qualquer vírgula mal colocada ensejará uma corrida aos tribunais. Tempere tudo isso com exceções de incompetência, arguições de nulidade, cartas precatórias e rogatórias, enfim, todo o extenso cardápio processual à disposição das bancas de advocacia e...o céu é o limite.

 

     Exagero meu? Relembremos então que, no caso da boate Kiss, em que morreram 242 pessoas, o júri só foi realizado oito anos depois do incêndio e a condenação está sujeita a recursos.

 

     Fora do Direito Penal, podemos lembrar o caso de Paulo Roberto Menezes, de Alegrete (RS). Em 1956 ele entrou na Justiça com uma ação investigatória de paternidade que lhe daria direito à herança do genitor. Ganhou a causa mas teve de enfrentar uma guerra de recursos até a última instância. A contenda atravessou três constituições: 1946, 1967/69 e 1988. Tudo em vão. Quando o Supremo Tribunal bateu o martelo, em 31 de maio de 2019, os três réus e os advogados já haviam falecido.

     O autor não foi encontrado e, se estiver vivo, terá hoje 90 anos. Um Matusalém. Talvez nem se lembre mais do processo, onde as partes se manifestaram pela última vez em 1990. Muito barulho por nada, diria Shakespeare. Trabalho, papel, despesas, embates processuais, tudo em vão. Sessenta e três anos de luta e, no fim, uma vitória inútil. A vitória de Pirro. O vencedor não ganha nem as batatas.

 

      Eu tive a honra de integrar o Judiciário por um bom tempo, mas esses precedentes me deixam pessimista com respeito à efetividade da Justiça no episódio de Brumadinho, de muito maior complexidade. Se num simples pedido de investigação de paternidade a resposta demorou 63 anos, neste caso, provavelmente, ainda vão sobrar alguns embargos declaratórios para julgamento no Juízo Final.

 

     Penso nisso, enquanto assisto às homenagens fúnebres do dia de hoje. Por consequência, ao ouvir os sinos, penso também no poeta John Donne porque, no fundo, eles dobram por todos nós. Cada brasileiro, parente ou não das vítimas, morreu um pouco nessa deplorável tragédia.


    Antônio Francisco Pereira / MG


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