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quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

MILÍCIA RURAL MATOU CACHEADO * Thalita Pires/MST

MILÍCIA RURAL MATOU CACHEADO

Raimundo Nonato Silva de Oliveira, 
o Cacheado, morto a tiros na terça-feira (13) - Reprodução/MST

VIOLÊNCIA NO CAMPO. Assassinato de líder do MST pode ter ligação com milícias rurais no Tocantins. Liderança histórica na região, "Cacheado" comandou acampamentos sem terra e escapou de tentativas de assassinato.

O militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Tocantins, Raimundo Nonato Silva de Oliveira, 46 anos, conhecido como Cacheado, foi assassinado dentro de casa, na frente da companheira, durante a madrugada desta terça-feira (13). Segundo o MST, três homens encapuzados arrombaram a porta dos fundos e o executaram a tiros em Araguatins (TO), na região chamada de Bico do Papagaio.

Movimentos ligados à luta pela terra no estado suspeitam que o crime tenha participação de uma milícia rural paga por grileiros de terras. Cacheado teve o pai assassinado por pistoleiros, antes de se tornar líder do acampamento sem terra Alto da Paz em Araguatins (TO), localizado na fazenda Santo Ilário, área reivindicada para reforma agrária.


Por isso, segundo o MST, Cacheado escapou de várias tentativas de assassinato entre os anos 2000 e 2015, quando desempenhou papel central na liderança do movimento. "Cacheado ficou muito visado pelo latifúndio, pelo poder judiciário e pela polícia. Ele se tornou uma pessoa muito vigiada e monitorada pelo poder político local do município de Araguatins e toda a região", afirmou o dirigente do MST no Tocantins, Antônio Marcos.

Com a morte de Cacheado, a segurança dos acampados no norte do Tocantins volta ser uma preocupação nacional do MST. "A violência pode crescer nos anos que virão pela frente, por essa onda do estímulo ao ódio e violência. no campo. É uma grande preocupação, porque há muitos anos não se ouvia falar em liderança do Bico do Papagaio sendo assassinado", afirmou o integrante do MST.

O Brasil de Fato perguntou à Secretaria de Segurança Pública de Tocantins em qual estágio estão as investigações, mas não houve resposta.

Campanha de Bolsonaro agravou clima de violência

O clima se acirrou na região durante as eleições de 2022. O MST diz que a campanha dos latifundiários pela reeleição de Jair Bolsonaro (PL) inaugurou uma nova investida dos fazendeiros contra os sem terra. O movimento considera que atuação das polícias e do poder Judiciário, sempre em favor dos latifundiários, aumenta a vulnerabilidade de camponeses que lutam pela reforma agrária.


Bolsonaro discursa em Araguatins (TO) e promete "varrer" PT para o "lixo da história" / Reprodução/Redes Sociais

Em setembro deste ano, Bolsonaro cumpriu agenda de campanha em Araguatins (TO), município marcado por conflitos agrários. Em discurso, o presidente chamou o Partido dos Trabalhadores (PT) de "praga" e defendeu "varrer" o partido para o "lixo da história". "Aqui é uma área grande voltada para o agronegócio. Vocês são orgulho do nosso Brasil", afirmou Bolsonaro para apoiadores.

"Bolsonaro mais uma vez reafirmou a nossa destruição. Talvez esse cenário de violência e ódio também esteja ligado à execução do companheiro Cacheado", avaliou Antônio Marcos.

Cacheado foi procurado por desconhecidos no dia da morte

Um dia antes do assassinato de Cacheado, homens desconhecidos foram até o acampamento Carlos Marighella e perguntaram por Cacheado. Na mesma data, o local recebeu a visita de policiais e de um oficial de justiça. O acampamento, localizado às margens da rodovia TO-404 e a 15 quilômetros de Araguatins (TO), foi alvo de um interdito proibitório, medida judicial que impede a permanência dos assentados.


"Nós ainda não sabemos quem esteve lá [no acampamento Carlos Marighella] perguntando pelo Cacheado. Então isso vai nos deixando um monte de dúvidas. Por que pessoas estranhas foram procurar por ele?", disse o dirigente do MST.

Risco de novas mortes

Cacheado lutava para que a fazenda Santa Ilário, situada em terras públicas, fosse desapropriada e destinada à reforma agrária. Mas o cenário de grilagem de terras com aval do poder local se repete em outras propriedades no Bico do Papagaio. Do outro lado, estão famílias de sem terra em luta pela reforma agrária. Os conflitos são frequentemente marcados pela prática da pistolagem e execução de lideranças.


"A solução é a reforma agrária. Enquanto o Estado brasileiro se nega a fazê-la, o latifúndio, o poder judiciário e as milícias seguem organizadas na região. Ainda existem vários acampamentos na região ameaçados por fazendeiros e pelo poder Judiciário", alerta Antônio Marcos.

Cacheado deixa filho, netos e legado de luta

Natural de Barra da Corda (MA), Raimundo Nonato Silva de Oliveira, o Cacheado, iniciou a militância ainda jovem nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB). Participou da Pastoral da Juventude Rural (PJR/CPT) antes de ingressar no MST. Contribuiu ainda com movimentos sindicais e partidos políticos do campo progressista.


Atuação de Cacheado (foto) bateu de frente com interesse de grileiros de terras no Tocantins / Reprodução/MST

"Cacheados deixa filhos e netos além de um legado de resistência, persistência e coragem, com uma continua preocupação com as bases e com 'Trabalho de Base Dentro na Base', algo que sempre deve ser lembrado e praticado", escreveu em nota o MST.

No comunicado, o Movimento afirma ainda que lutará "incansavelmente" pelo esclarecimento da autoria e por justiça por Cacheado.

Edição: Thalita Pires/MST

quarta-feira, 18 de maio de 2022

A Chegada de Lampião no Inferno * José Pacheco da Rocha

A Chegada de Lampião no Inferno
José Pacheco da Rocha

Um cabra de Lampião

por nome Pilão Deitado
que morreu numa trincheira
um certo tempo passado
agora pelo sertão
anda correndo visão
fazendo mal-assombrado.

E foi quem trouxe a notícia
que viu Lampião chegar
o inferno nesse dia
faltou pouco pra virar
incendiou-se o mercado
morreu tanto cão queimado
que faz pena até contar

Morreu a mãe de Canguinha
o pai de Forrobodó
cem netos de Parafuso
um cão chamado Cotó
escapuliu Boca Insossa
e uma moleca moça
quase queimava o totó

Morreram cem negros velhos
que não trabalhavam mais
um cão chamado Traz Cá
Vira-Volta e Capataz
Tromba Suja e Bigodeira
um cão chamado Goteira
cunhado de Satanás.

Vamos tratar da chegada
quando Lampião bateu
um moleque ainda moço
no portão apareceu:
Quem é você, cavalheiro?
Moleque, eu sou cangaceiro:
Lampião lhe respondeu.

- Moleque, não; sou vigia
e não sou seu parceiro
e você aqui não entra
sem dizer quem é primeiro:
- Moleque, abra o portão
saiba que sou Lampião
assombro do mundo inteiro.

Então esse tal vigia
que trabalha no portão
dá pisa que voa cinza
não procura distinção
o negro, escreveu não leu
o macaíba comeu
lá não se usa perdão.

O vigia disse assim:
fique fora que eu entro
vou conversar com o chefe
no gabinete do centro
por certo ele não lhe quer
mas conforme o que disser
eu levo o senhor pra dentro.

Lampião disse: vá logo
quem conversa perde hora
vá depressa e volte já
eu quero pouca demora
se não me derem ingresso
eu viro tudo as avesso
toco fogo e vou embora.

O vigia foi e disse
a Satanás no salão:
saiba vossa senhoria
que aí chegou Lampião
dizendo que quer entrar
e eu vim lhe perguntar
se dou-lhe ingresso ou não.

- Não senhor, Satanás disse
vá dizer que vá embora
só me chega gente ruim
eu ando muito caipora!
eu já estou com vontade
de botar mais da metade
dos que tem aqui pra fora.

- Lampião é um bandido
ladrão da honestidade
só vem desmoralizar
a nossa propriedade
e eu não vou procurar
sarna pra me coçar
sem haver necessidade.

Disse o vigia: patrão
a coisa vai arruinar
eu sei que ele se dana
quando não puder entrar
Satanás disse: isso é nada
convide aí a negrada
e leve os que precisar

- Leve cem dúzias de negros
entre homem e mulher
vá lá na loja de ferragem
tire as armas que quiser
é bom avisar também
pra vir os negros que tem
mais compadre de Lúcifer

E reuniu-se a negrada
primeiro chegou Fuchico
com o bacamarte velho
gritando por Cão de Bico
que trouxesse o pau da prensa
e fosse chamar Tangença
em casa de Maçarico.

E depois chegou Cambota
endireitando o boné
Formigueiro e Trupe-Zupe
e o crioulo Quelé
chegou Caé e Pacáia
Rabisca e Cordão de Saia
e foram chamar Bazé.

Veio uma diaba moça
com a calçola de meia
puxou a vara da cerca
dizendo: a coisa está feia
hoje o negócio se dana!
E gritou: êta baiana
agora a ripa vadeia!

E saiu a tropa armada
em direção do terreiro
com faca, pistola e facão
clavinote e granadeiro
uma negra também vinha
com a trempe da cozinha
e o pau de bater tempero.

Quando Lampião deu fé
da tropa negra encostada
disse: só na Abissínia
oh! tropa preta danada!
o chefe do batalhão
gritou de arma na mão;
- Toca-lhe fogo, negrada!

Nessa voz ouviu-se tiros
que só pipoca no caco
Lampião pulava tanto
que parecia um macaco
tinha um negro neste meio
que durante o tiroteio
brigou tomando tabaco.

Acabou-se o tiroteio
por falta de munição
mas o cacete batia
negro rolava no chão
pau e pedra que achavam
era o que as mãos pegavam
sacudiam em Lampião.

- Chega traz um armamento!
(assim gritava o vigia)
traz a pá de mexer doce
lasca os ganchos de caria
traz um bilro de Macau
corre, vai buscar um pau
na cerca da padaria!

Lúcifer mais Satanás
vieram olhar do terraço
todos contra Lampião
de cacete, faca e braço
o comandante no grito
dizia: briga bonito
negrada, chega-lhe o aço!

Lampião pôde apanhar
uma caveira de boi
sacudiu na testa dum
ele só fez dizer: oi!...
Ainda correu dez braças
e caiu enchendo as calças
mas eu não sei dizer o que foi.

Estava travada a luta
duma hora fazia
a poeira cobria tudo
negro embolava e gemia
porém Lampião ferido
ainda não tinha sido
devido a grande energia.

Lampião pegou um seixo
e rebolou-o num cão
mas o que: arrebentou
a vidraça do oitão
saiu fogo azulado
incendiou o mercado
e o armazém de algodão.

Satanás com esse incêndio
tocou no búzio chamando
correram todos os negros
que se achavam brigando
Lampião pegou a olhar
não vendo com quem brigar
também foi se retirando.

Houve grande prejuízo
no inferno nesse dia
queimou-se todo dinheiro
que Satanás possuía
queimou-se o livro de pontos
perdeu-se vinte mil contos
somente em mercadoria.

Reclamava Lucifer:

horror mais não precisa
os anos ruins de safra
agora mais esta pisa
se não houver bom inverno
tão cedo aqui no inferno
ninguém compra uma camisa.

Leitores, vou terminar
tratando de Lampião
muito embora que não possa
vou dar a explicação
no inferno não ficou
no céu também não entrou
por certo está no sertão.

Quem dúvida desta história
pensar que não foi assim
querer zombar do meu sério
não acreditando em mim
vá comprar papel moderno
escreva para o inferno
mande saber de Caim

FIM



José Pacheco da Rocha, ou José Pacheco, como é mais conhecido, nasceu no Município de Corrientes, em Pernambuco, residindo algum tempo na cidade de Caruaru, naquele mesmo estado.

Viveu muitos anos em Maceió, Alagoas, vindo a falecer naquela cidade, provavelmente em 1954.

As histórias de gracejos são um dos aspectos marcantes dos cordéis de José Pacheco, considerado um dos maiores cordelistas satíricos do Brasil. Mas o poeta se dedicou também a outros temas, como histórias de bichos, religião e romances.

Seus folhetos mais importantes são História da princesa Rosamunda ou a morte do gigante e A chegada de Lampião no inferno.
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