PRIMAVERA SINDICAL NOS EUA
“PRIMAVERA” SINDICAL NOS EUA? (1)
(Ernesto Germano Parés – 09 de fevereiro de 2022)
Os propagandistas da Casa Branca gostam de usar o termo “primavera” quando se trata de golpes e manifestações armadas em países que não são aliados estadunidenses. Já vimos isso muitas vezes.
Estou usando o mesmo termo para responder a uma questão levantada por uma companheira que leu o texto sobre a “Nova Rota da Seda”, na parte em que registro as dificuldades dos trabalhadores estadunidenses para alcançarem uma correção no salário mínimo local, e encaminhou uma pergunta sobre como esses trabalhadores poderiam reagir. O Congresso aprova um orçamento bilionário para a guerra, mas alega não ter verba para aumentar os salários?
Para iniciar uma resposta, devo dizer que tudo o que se refere ao movimento sindical nos EUA é muito confuso e as informações, não raramente, são contraditórias. Outra questão que dificulta o entendimento é a estrutura sindical de lá, muito diferente da brasileira.
Mas um fato para analisarmos é que, sim, nos últimos dois anos temos visto um renascimento do movimento sindical estadunidense, em particular entre os mais jovens e em categorias pouco citadas ou lembradas quando falamos de sindicalismo. O que temos registrado, em noticiários de sites internacionais, é uma movimentação importante entre trabalhadores de áreas muito diversas: saúde, cinema, hotelaria ou fabricação de tratores. Em geral, com algumas greves logo abafadas pela imprensa local e exigindo melhores condições de trabalho.
Alguns analistas locais dizem que esse despertar para reivindicações trabalhistas surge a partir do momento em que se constata uma grande falta de mão de obra local. Sabemos que se trata de um país com baixíssimo índice de natalidade.
Algumas notícias de jornais locais deixam transparecer que as empresas estão preocupadas com essa situação. Um exemplo claro do que falamos é que a poderosa Deere & Co, maior fabricante de máquinas agrícolas dos EUA, vê crescer o movimento reivindicatório entre seus trabalhadores. Cerca de 10 mil empregados, em vários setores da empresa, rejeitaram a tentativa de acordo com oferecida e entraram em greve no dia 14 de outubro de 2021! Foi um movimento que surpreendeu a mídia local e terminou com vitória dos trabalhadores. Movimentação semelhante ocorreu com cerca de 14.000 funcionários da Kellogg's, fabricante de cereais, que, na mesma época, simplesmente abandonaram seus postos de trabalho e fizeram piquetes nas portas das fábricas em diversos estados: Nebraska, Michigan, Pensilvânia e Tennessee. Protestavam não só pelo baixo salário, mas também porque a empresa estava transferindo serviços para o México, onde os salários são muito menores.
Ainda em 2021 temos outros movimentos grevistas que não foram noticiados por aqui. E um que é muito significativo aconteceu em um dos principais veículos de propaganda estadunidense: a indústria cinematográfica. Maquiadores de Hollywood, designers de iluminação, engenheiros de som e operadores de câmera também fizeram movimentos reivindicatórios e realizaram greves curtas, levando os patrões a cederem e assumirem um acordo para melhorias nas condições de trabalho.
Só para citar, também registramos movimentos reivindicatórios e até grevistas em várias outras empresas: a) Nabisco, fabricante de biscoitos; b) consórcio de saúde Kaiser Permanente, para o qual foram mobilizados 24.000 funcionários na Califórnia e no Oregon; c) New York Taxi Drivers Guild, que em 15 de outubro passado bloqueou a ponte do Brooklyn.
Todos são exemplos claros de que há um ressurgimento do movimento sindical estadunidense, mesmo que limitado a uma legislação esdrúxula e prejudicial aos trabalhadores. Só para se ter uma ideia, até 2021 a legislação trabalhista dos EUA permitia que uma empresa contratasse trabalhadores “avulsos” em casos de greves. Uma reforma nesse sentido está sendo votada no Congresso e já foi aprovada entre os deputados (onde o Partido Democrata tem maioria). Agora vai ser votada no Senado e espera-se mais dificuldades porque o Partido Republicano tem a maior bancada.
Um bom sinal nisso tudo é que o número de trabalhadores sindicalizados, que há décadas não ultrapassa os 11% do total de trabalhadores, vem crescendo e já alcança mais de 15%, segundo dados da maior central sindical estadunidense, a AFL-CIO. Mas este é o tema do próximo artigo.
Mas a pergunta que devemos nos fazer é... esse ressurgimento vai se limitar às reivindicações imediatas dos trabalhadores diante da crise econômica que já se instalou ou pode superar os limites do sistema e questionar o domínio do capital.
Nota: agradeço à amiga e companheira Luzia Mercedes Gomes, provocadora deste debate.
“PRIMAVERA” SINDICAL NOS EUA? (2)
(Ernesto Germano Parés – 10 de fevereiro de 2022)
Respondendo a uma questão levantada pelo companheiro Carlos Romero, o número de trabalhadores sindicalizados no Brasil vem caindo, como demonstraremos na última parte deste nosso artigo.
Em direção contrária, nos dois últimos anos os sindicatos filiados à poderosa “American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations” (AFL-CIO), a maior central sindical estadunidense, conseguiram atrair cerca de meio milhão de novos filiados. E há uma informação muito importante nas pesquisas locais: cerca de 48% dos trabalhadores estadunidenses estão inclinados a procurar a filiação a algum sindicato. Essa taxa é muito superior aos 33% de trabalhadores que pensavam em se filiar nos idos de 1977.
Vale lembrar que, em 1977, os EUA viviam sob o governo de Ronald Reagan, um dos “pilares” da implantação do neoliberalismo no planeta e que tinha como “guru” o economista Friedrich Von Hayek, que escreveu em seu livro que os sindicatos prejudicavam a acumulação do capital ao reivindicarem aumentos salariais e conquistas sociais. Na mesma época, Milton Friedman, outro “genitor” do neoliberalismo, escrevia que “tudo o que precisamos é de uma boa lei para acabar com os sindicatos”.
Onde encontrar uma explicação para esse movimento novo nos EUA? Acreditamos que dois são os motivos dessa “onda” de sindicalização: a crise atingiu em cheio os trabalhadores estadunidenses e o arrocho salarial está aumentando a cada ano; por outro lado, os sindicatos de lá estão fazendo algo de incomum e muito apropriado ao se dirigirem individualmente a cada um dos trabalhadores das suas base. Seja por meios das redes sociais ou por ligações telefônicas diretas, os sindicatos estão conversando com os trabalhadores de suas bases.
É certo que a perda do poder aquisitivo dos trabalhadores estadunidenses, que durante décadas se acostumaram com o “American way of live”, conta muito nesse movimento que estamos verificando através da imprensa local.
Ainda assim, é preciso que fique registrado em nossos artigos que aquele país tem uma das mais baixas taxas de sindicalização do planeta: menos de 11% dos trabalhadores são sindicalizados e a maior parte desses é de funcionários públicos.
Mas as vantagens imediatas falam mais alto. Em um artigo que encontramos na Internet ficamos sabendo que os trabalhadores sindicalizados ganham 25,6% a mais que outros trabalhadores não sindicalizados, graças às negociações coletivas. Têm também cinco vezes mais chances de se aposentar. Mulheres negras sindicalizadas têm salários 25% maiores que as não-sindicalizadas. As diferenças salariais entre gênero e raça são menores em empresas onde há atuação sindical. Isso porque, onde os sindicatos podem pressionar os empregadores e negociar, há contratos coletivos e condições mais favoráveis aos trabalhadores.
Aliás, esse é um aspecto muito importante do sindicalismo estadunidense que, ao que já conhecemos de outras nações (Holanda, Finlândia, Suécia, etc.) apenas os trabalhadores sindicalizados são abrangidos pelos acordos assinados entre os sindicatos e as empresas.
Acreditamos que esse modelo é muito válido para o nosso caso, no Brasil. Durante mais de 40 anos trabalhei em sindicatos ou vinculado a sindicatos. Cansei de ouvir um argumento dos trabalhadores que não desejavam a sindicalização. Eles me diziam: “por que vou ser sindicalizado se ganho o mesmo que os que são e tenho as mesmas vantagens?”
Por outro lado, há uma prática comum nos EUA que aqui poderíamos classificar, de acordo com a Constituição Federal de 1988, como “prática antissindical”.
Entendemos como “práticas antissindicais” aquelas que, direta ou indiretamente, cerceiam, desvirtuam ou impedem a legítima ação sindical em defesa e promoção dos interesses dos trabalhadores. O comportamento é vedado pela Convenção nº 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e artigo 8° da Constituição da República Federativa do Brasil.
Consideramos também como prática antissindical a perseguição ou pressão das chefias contra oss trabalhadores que demonstram desejo de se aproximarem de seus sindicatos.
E nesse ponto vamos lembrar que, em 1986, surgiu no Brasil um livro que foi muito vendido, o “Manual da Guerrilha Trabalhista”, de um chileno chamado Júlio Lobos. Ele ficou rico fazendo palestras e cursos entre gerentes e corpo dirigente das empresas para ensinar como identificar e neutralizar os trabalhadores que defendiam os sindicatos e faziam propaganda de sindicalização.
Falo disso “de cadeira”, porque consegui fazer um desses cursos, quando morava em Volta Redonda, para saber o que esse crápula pensava. Foram 15 dias ouvindo esse canalha falar!
O subtítulo do seu livro dizia que era dedicado a “gerentes e supervisores”.
Ao contrário do que ele desejava, vimos um movimento de alto índice de sindicalizações no Brasil a partir de 1988. Vimos também que os sindicatos que despontavam eram os de setores médios dos trabalhadores (funcionários públicos, professores, bancários, etc.). Mas os que “puxavam” a resistência ao grande capital ainda eram os sindicatos operários, como os metalúrgicos do ABC.
“PRIMAVERA” SINDICAL NOS EUA? (3)
(Ernesto Germano Parés – 11 de fevereiro de 2022)
Vamos iniciar esta parte do artigo com uma “pincelada” interessante de história. Em pesquisas que fiz há bastante tempo encontrei que a primeira greve conhecida e realizada por trabalhadores nos EUA data de 1619! E aconteceu em Jamestown tendo sido realizada por artesãos poloneses. E a razão do movimento grevista foi política e não econômica.
Vamos lembrar que os EUA eram ainda uma colônia inglesa. Quando ocorreram as primeiras eleições por lá esses artesãos poloneses reivindicaram o direito de votar, negado pela Grã-Bretanha que só permitiu o voto para cidadãos ingleses. A resposta deles foi que não trabalhariam até terem o direito de voto e foram vencedores, conquistando esse direito! Interessante, não é?
Voltando ao nosso tema central, como dissemos na primeira parte do artigo, é muito difícil fazer uma comparação entre o movimento sindical estadunidense e o brasileiro, porque as legislações são bastante diferentes. E, para início de conversa, é preciso saber que os grandes sindicatos dos EUA contratam e treinam lobistas que atuam em Washington pressionando deputados e senadores a votarem questões importantes para seus sindicatos. Acabam fazendo um trabalho tão forte que, em época eleitoral, escolhem aqueles candidatos que vão indicar para suas bases votarem.
Outra grande diferença com o sindicalismo brasileiro é que há uma maior concentração de sindicatos. Por exemplo, os trabalhadores estadunidenses estão organizados em, apenas, quatro tipos de sindicatos: trabalhadores do comércio, trabalhadores da indústria, trabalhadores do setor público e profissionais liberais. Não existem, como aqui, vários sindicatos para trabalhadores da indústria, por exemplo.
Mais recentemente, ainda citando jornais estadunidenses, vimos que a maior parte dos sindicatos verdadeiramente atuantes estão no setor público (funcionários federais, estaduais e municipais, bombeiros, policiais, etc.).
Outra questão interessante de levantar aqui é que, muitas vezes, os interesses dos sindicatos de trabalhadores se confundem com os interesses dos empregadores e realizam campanhas comuns para pressionar o governo.
Como também já citamos, há pesquisas que demonstram que o trabalhador sindicalizado nos EUA tem um salário superior ao não sindicalizado. Ou seja, o sindicato só faz acordo para os sindicalizados! Mas, como é a sindicalização por lá?
É aí que “a porca torce o rabo”! Há uma grande diferença entre os sindicatos. Em muitos deles os trabalhadores são considerados sindicalizados quando pagam uma mensalidade à entidade. Há também sindicatos que consideram associados os que participam dos fundos de pensão que são controlados por eles (falaremos disso em outro artigo). E há, mesmo, sindicato que considera associado o trabalhador que, durante o ano, tenha feito algum tipo de contribuição (por exemplo, comprou um adesivo do sindicato para colocar no carro)!
Por tudo isso, é muito difícil fazer uma comparação de números de trabalhadores sindicalizados aqui e lá.
Outra grande diferença é que lá, praticamente, existe apenas uma grande organização sindical que se aproxima das nossas centrais. Estamos falando da AFL-CIO (Federação Americana do Trabalho e Congresso das Organizações Industriais), que foi fundada em 5 de dezembro de 1955 e representa quase 13 milhões de trabalhadores ativos e aposentados nos Estados Unidos e Canadá.
Mas a história (outra vez a história) nos mostra que a AFL-CIO nasceu da fusão da Federação Americana do Trabalho, criada em 1886 (mesmo ano da grande greve que condenou os mártires de Chicago e que se tornou o marco das comemorações do 1º de maio), e do Congresso de Organizações Industriais, criado em 1935.
Mais recentemente a AFL-CIO passou por um “racha” quando uma parte dos sindicatos se separou e criou um grupo próprio e hoje conhecido como Change to Win Organizing Center (CtW) , que reúne cerca de 3,5 milhões de trabalhadores.
Para exemplificar o que vem se passando no mundo do trabalho estadunidense vamos lembrar que a empresa Amazon, uma gigante com tentáculos em quase todo o planeta, tem mais de 500 mil funcionários e uma parte deles. O problema é que, recentemente, começaram a se organizar e exigir direitos semelhantes aos demais trabalhadores estadunidenses. E centram as suas ações contra Jeff Bezos, fundador da empresa e dono de uma fortuna estimada em quase US$ 193 bilhões.
No final do ano passado vimos notícias dando conta que os trabalhadores de um dos galpões da Amazon, na cidade de Bessemer, no Alabama, estavam se preparando para realizar uma assembleia onde aprovariam a decisão de sindicalização do setor. A reação da Amazon foi imediata e, seguindo a cartilha dos patrões, começou uma gigantesca campanha de terrorismo dentro e fora da empresa, para sufocar a iniciativa.
O jornal The Washington Post noticiou que a empresa colou cartazes nos banheiros com mensagens como “para onde vão as suas taxas?”. Questionavam o destino de parte dos salários no caso de sindicalização em massa. E os funcionários se sentem vigiados e ameaçados quando tentam realizar alguma reunião ou assembleia!
PRIMAVERA” SINDICAL NOS EUA? (4)
(Ernesto Germano Parés – 14 de fevereiro de 2022)
No artigo anterior lembramos que a primeira greve registrada nos EUA aconteceu em 1619. Mas há uma longa lista de movimentos de trabalhadores depois daquela data. Um movimento que merece o nosso registro aconteceu em 1791 quando os carpinteiros da Filadélfia resolveram entrar em greve por melhores condições de trabalho. O resultado foi, em 1792, a criação do primeiro sindicato de trabalhadores naquele país e, principalmente, o início das primeiras negociações coletivas com os patrões para corrigir salários.
É claro que os patrões iriam reagir. Em 1806, depois de um movimento grevista vitorioso, a “justiça” estadunidense considerou os grevistas “irresponsáveis e perigosos”. O resultado é que os sindicatos se tornaram ilegais naquele país.
Apenas vinte anos depois, em 1827, surge o Sindicato das Associações de Mecânica da Filadélfia. E apenas em 1852 vai surgir, no Cincinnati, a União Tipográfica Internacional (UIT), que usava a palavra “internacional” porque reunia tipógrafos dos Estados Unidos e do Canadá e era um dos primeiros a admitir mulheres como membros.
A partir de então temos uma longa série de perseguições e julgamentos contra sindicatos e seus líderes. Exemplo mais claro dessas perseguições foi o processo contra os oito líderes sindicais em Chicago, quando, em 1° de maio de 1886 teve início a Greve Geral que contou com a adesão de mais de um milhão de trabalhadores em todo o território americano. Os líderes foram condenados à forca e essa é a origem das comemorações da data: “dia de luta e de luto dos trabalhadores”.
A Federação Americana do Trabalho (AFL) surgiu em 1886, depois dos acontecimentos de Chicago, a partir de demandas por um “salário digno” padrão que permitiria a seus membros, bem como trabalhadores não sindicalizados, sustentar uma família e levar um padrão de vida “americano”, acima do que os trabalhadores europeus tinham então.
Ao longo do século XIX, a atividade sindical era quase exclusivamente uma prática de trabalhadores qualificados, não de diaristas ou empregados não qualificados.
A perseguição às organizações de trabalhadores continuou e, em 1959, em meio a escândalos de corrupção em sindicatos de caminhoneiros, mineiros, estivadores, entre outros, uma nova lei estabeleceu controles mais rigorosos sobre as relações entre sindicatos e empregadores sob a presidência de Dwight D. Eisenhower. Curiosamente, a nova lei dizia que os sindicatos deveriam realizar eleições secretas supervisionadas pelo Ministério do Trabalho. E a medida final: membros do Partido Comunista então existente naquele país eram proibidos de concorrer a cargos de liderança sindical (o capítulo do Partido Comunista foi declarado inconstitucional em 1965), e os sindicatos foram obrigados a apresentar relatórios financeiros anuais ao Departamento do Trabalho.
Mas o fato que nos chama a atenção para essa série de artigos é que, desde o século XIX, os sindicatos estadunidenses são também os administradores dos Fundos de Pensão dos trabalhadores. Isso significa uma verdadeira fortuna nas mãos dessas diretorias que investiam o dinheiro onde acreditavam dar mais lucro.
Sim, em uma primeira visão pensamos que os trabalhadores ganhariam com isso. Os Fundos investiam em ações lucrativas e todos os trabalhadores passavam a ganhar e ver suas aposentadorias “engordando”. Mas, como se trata do país que liderou o avanço do capitalismo mais ganancioso do planeta, esses Fundos de Pensão também se tornaram “armas”.
Há um filme muito interessante sobre a entrada da máfia nos sindicatos estadunidenses. Intitulado de “O Irlandês”, o filme de Martin Scorsese traz grandes atores da época e mostra o envolvimento dos grandes sindicatos de lá com a Máfia ítalo-estadunidense.
Personagem central do filme, Jimmy Hoffa era o presidente do poderoso Sindicato Internacional dos Caminhoneiros (IBT -International Brotherhood of Teamsters), que se tornou o maior dos EUA em número de filiados, alcançando cerca de 2,3 milhões de membros.
De acordo com a lei dos EUA, os sindicatos podiam administrar os ricos fundos de pensão de seus afiliados e essa era a grande fonte de poder e corrupção. Evidentemente, a Máfia ficou interessada nesses recursos e os seus gangsters começaram a participar da vida dos sindicatos, “ajudando” os chefões a se perpetuarem no poder, inclusive com a eliminação física de adversários internos.
Apenas para se fazer uma ideia do que significa isso, vamos lembrar o caso da Enron, uma das maiores empresas de energia dos EUA (explorava o gás natural) fundada em 1985! Mas, por problemas administrativos ou por roubo, mesmo, a empresa faliu em dezembro de 2001.
Por que estamos lembrando desse caso? Porque, na época, eu escrevi alguns artigos mostrando o golpe. A direção da empresa, vendo que estava em dificuldades financeiras, “convenceu” os dirigentes do Fundo de Pensões dos funcionários a investir em ações da própria empresa. Resultado: a empresa faliu, deixou uma dívida de 67 bilhões de dólares, milhares de trabalhadores sem empregos e... sem o Fundo de Pensão que foi todo investido na própria empresa!
“PRIMAVERA” SINDICAL NOS EUA? (FINAL)
(Ernesto Germano Parés – 15 de fevereiro de 2022)
No primeiro texto desta série de artigos dissemos que, aparentemente, há um crescimento no número de sindicalizações de trabalhadores nos EUA, em particular entre as camadas mais jovens.
Essa informação provocou algumas surpresas e recebemos sugestões de fazer uma comparação entre o número de sindicalizados nos EUA e no Brasil. Mas, como dissemos ao longo da série, essa é uma tarefa complicada pois as legislações são muito diferentes. Mas, reafirmamos que é um fato que o índice de sindicalização entre os trabalhadores estadunidenses já alcançou 11% e tem uma tendência de crescimento.
Outro fator que dificulta a comparação e que deve causar algum espanto entre os companheiros que estão lendo o artigo é o número de sindicatos existentes nos dois países. Como dissemos antes, lá existe um sindicato para os trabalhadores da indústria em geral. Mas, vamos aos números que causam um impacto: pela pesquisa que fizemos, atualmente, os EUA possuem cerca de 130 sindicatos! Sim, 130 sindicatos. No Brasil temos, aproximadamente, 16.300 sindicatos registrados e reconhecidos pelo Ministério do Trabalho!
Junto com a Argentina, o Brasil já chegou a ter um dos maiores índices de sindicalização, beirando os 27% de trabalhadores ativos. Em 1990, época de grande crescimento na atividade sindical brasileira, enquanto beirávamos os 30% de sindicalizados a França, por exemplo, tinha apenas 9,8%; a Espanha tinha 11%.
Uma comparação bastante curiosa é analisarmos por setores de produção. Em 2019, por exemplo, na atividade da Agricultura (compreendendo pecuária, produção florestal, pesca...) o saldo é muito bom. Empregando cerca de 9,1% da população ocupada brasileira, alcançou índices de 19,4% de trabalhadores sindicalizados!
Para fazer uma comparação, o setor de comércio (incluindo reparação de veículos automotores e motocicletas) que empregava 18,9% da população ocupada apresentava um índice de apenas 7,4% de sindicalização!
Os números do IBGE mostram também que os empregados com carteira assinada no setor privado e os empregados no setor público (inclusive servidor estatutário e militar) registraram as taxas de sindicalização mais elevadas, respectivamente, 14% e 22,5%.
E, neste ponto, devemos chamar a atenção para o que aconteceu na década de 1980 quando surgiram e cresceram enormemente os sindicatos ditos “de classe média”. Funcionários públicos que antes não tinham esse direito, bancários, professores, etc. Esses sindicatos apresentaram crescimento impressionante nos anos 80!
Continuando nossa análise, reparamos que entre 2018 e 2019, as quedas mais acentuadas da taxa de sindicalização ocorreram entre os empregados no setor privado sem carteira de trabalho assinada, de 16% para 14%; os empregados no setor público (inclusive servidor estatutário e militar), de 25,7% para 22,5% e os empregadores, de 12,3% para 10,3%.
A Indústria Geral passou de 15,2% para 13,5%, o equivalente 150 mil sindicalizados a menos, mesmo com a população ocupada tendo crescido em 380 mil pessoas. A queda foi ainda mais forte em relação a 2012, quando 21,1% dos trabalhadores da indústria eram sindicalizados.
Simplificando para demonstrar os efeitos do desemprego e das novas formas de exploração (precarização do trabalho, trabalho intermitente, informalidade, etc.) entre 2012 para 2019, os sindicatos perderam 3,8 milhões de filiados no Brasil, segundo dados da Pnad Contínua, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 2019, das 94,6 milhões de pessoas ocupadas no país, 11,2% ou 10,6 milhões de profissionais eram associados a sindicatos. É a menor taxa de sindicalização desde o início da série histórica, em 2012. Naquele ano, 16,1% da população ocupada era sindicalizada ou 14,4 milhões de profissionais.
Em 2020 escrevi uma série de artigos a que dei o nome de “Sindicalismo na Encruzilhada”. Naquela série procurei mostrar todos os efeitos dessas novas formas de exploração que deixam uma parte grande de trabalhadores sem condições de sindicalização.
Basta dar um exemplo, para mostrar isso. Nas últimas décadas passou a ser muito comum as grandes empresas, inclusive estatais, utilizarem trabalhadores de empresas chamadas “terceiras”. Foi a terceirização em massa e que levou a um fenômeno pouco analisado: a quarteirização! Isso mesmo, algumas empresas tinham contratos com tantas “terceiras” que era preciso contratar uma “quarta”, ou seja, uma empresa especializada em administrar as “terceiras”. Parece conversa de maluco, mas acontece muito. E esses trabalhadores? Vão poder se sindicalizar? A resposta é não! Nossa legislação ainda patina no reconhecimento de sindicatos de trabalhadores em empresas terceirizadas!
Espero ter contribuído para o debate a partir do que acontece nos EUA.
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