𝗠𝗲𝘂 𝗔𝗺𝗶𝗴𝗼 𝗖𝗹𝗮𝘂𝗱𝗶𝗮
Meu Amigo Cláudia retrata a trajetória de Cláudia Wonder (1955-2010), uma das artistas mais importantes da cena “underground” brasileira durante as décadas de 80 e 90. Transexual que ficou conhecida por suas performances e apresentações musicais na noite de São Paulo, Wonder também ganharia notoriedade por sua militância em prol do livre exercício da diversidade sexual. Além de seus disputados shows, ela atuou em filmes da Boca do Lixo de São Paulo e também participou de espetáculos dirigidos por Zé Celso Martinez Corrêa no Teatro Oficina.
"Claudia Wonder foi uma figura importante em diversos aspectos para a história do país e é surpreendente que pouco se comente a respeito das contribuições dessa artista e ativista multifacetada. Claudia nasceu Marco Antônio Abrão, foi abandonado pela sua mãe ainda quando pequeno e acabou sendo criado em um ambiente rígido e religioso imposto por outros familiares. É um pouco dessa maneira que inicia o documentário dirigido por Dácio Pinheiro: Meu Amigo Cláudia (2009)
Dácio dá voz para Claudia nos relatar essa e muitas outras histórias, olhando para a câmera como se olhasse nos olhos do espectador, se apresentando e magneticamente tomando todas as atenções. É entregue um documentário que acontece como uma conversa íntima de amigos através da colagem de depoimentos diversos de atores, músicos amigos de Wonder. Porém o que o filme traz vai muito além. É de certa forma, um resgate das contribuições e importância em muitos níveis de Cláudia, que incluem o cinema, através do retrato dos homossexuais e transexuais na tela, e ainda o ativismo e conscientização da causa GLBT, que Claudia sempre promoveu.
Iniciada em casas noturnas da Boca do Lixo, Wonder foi mais que uma travesti que dublava canções – ela compunha e conceituava suas apresentações. Também acabou atuando em diversas produções da pornochanchada, integrou bandas punks e participou de peças teatrais. Cláudia era uma artista, possuía conceito, relevância e um frescor artístico. Seu espetáculo punk, Vômito do Mito, encenado no lendário clube Madame Satã, é relembrado até hoje pela ousadia.
Meu Amigo Cláudia reverbera em alguns momentos uma similaridade com Dzi Croquettes (2009), de Raphael Alvarez e Tatiana Issa, principalmente quanto a resgatar personalidades importantes que ajudaram a redefinir conceitos de sexualidade e representação cultural e social. Wonder foi a primeira travesti a estrelar um filme da pornochanchada com sexo explícito com "O Sexo dos Anormais" (1984), de Alfredo Sternheim, e ganhou papel importante em Eu Te Amo (1980), de Arnaldo Jabor, em um belo monólogo sobre até onde uma travesti, que se prostitui e é marginalizada pela sociedade, pode chegar.
Para um país com um cinema gay que encontra sempre dificuldades em se difundir, o filme de Dácio Pinheiro é um verdadeiro deleite, pois mais que nos apresentar Cláudia, possibilita conhecer um pouco sobre produções nacionais que não são, no geral, lembradas pela sua contribuição para o movimento sexual do país e aqui ganham espaço. Caso do documentário de Rita Moreira, Temporada de Caça (1988) sobre a alta violência e homofobia em São Paulo na década de 80, a fase mais anti-gay vivenciada no Brasil.
O título Meu Amigo Cláudia vem do texto escrito por Caio Fernando Abreu sobre Cláudia e com quem ela mantinha uma relação de profunda admiração, conforme o depoimento da atriz Grace Gianoukas coloca. Como Caio também aponta, Wonder vem do inglês e tem como significados: maravilha, prodígio e espanto. São somente três palavras, mas que realmente ajudam a conhecer um pouco do que nos espera ao assistir Meu Amigo Cláudia e conhecer um pouco sobre essa figura que mais do que da história da cultura nacional, representa um pouco da história do nosso país também.
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