CARLOS LAMARCA
Carioca do Morro de São Carlos, no Estácio, filho de sapateiro, capitão do Exército, que se uniu à esquerda contra a ditadura militar, revolucionário, patriota que entregou a vida por um Brasil independente, lutador pela democracia e o socialismo.
“Aos
Meus Filhos
Vivo
falando de vocês com meus companheiros, eles estão longe dos filhos também e
falam nos filhos deles. Um só é o desejo de todos nós, é que nossos filhos sejam
revolucionários. O que é um revolucionário? É toda a pessoa que ama todos os
povos, ama a Humanidade, tem uma imensa capacidade de amar, ama a justiça, a
Igualdade. Mas ele tem de odiar também, odiar os que impedem que o
revolucionário ame, porque é uma necessidade amar. Odiar aos que odeiam o povo,
a Humanidade, a Justiça social. Odiar aos que dominam e exploram o povo, odiar
aos que corrompem, ameaçam e alienam as mentes, aos que degradam a Humanidade,
aos injustos, falsos, demagogos, covardes.
O revolucionário
ama a Paz, faz a guerra como instrumento para ter a Paz, a Paz justa, sem
exploração do homem pelo homem. O revolucionário tem que ser capaz de todos os
sacrifícios pela causa, de até se separar dos seus filhos para libertar todos
os filhos, de se separar dos pais porque outros pais precisam dele. Quando
vocês sentirem saudades de mim, lembrem-se que aqui no Brasil existem muitas
crianças que passam fome, que andam descalças, sem escolas, que sofrem e veem
seus pais sofrerem. Lembram-se quando conversei com vocês no quarto e pedi a
vocês que deixassem eu lutar para acabar com isso. Eu lembro bem que a
Claudinha bateu palmas e o Cesar disse: ‘Muito bem, papai’. Combinamos que
tínhamos de ficar longe um do outro, e que guardaríamos no coração a esperança
de nos encontrarmos novamente.
Vocês
são felizes porque a mãe e o pai são revolucionários e vocês têm de ser também.
Amem muito a mamãe, eu não posso beijá-la, todos os dias beijem duas vezes a
ela, uma vez por mim. Tenho tantas saudades de vocês, mas não choro, não beijo
fotografias, encho o peito de ar e pego firme no meu trabalho. Penso em vocês e
em todas as crianças, então ganho forças para lutar. Quando sentirem saudades,
então estudem mais, perguntem tudo que não entenderem, perguntem sempre o porquê
das coisas – perguntar e pensar – ver se é certo, se não for, falem, discutam –
ver se é justo, se não for, lutem para mudar. Sejam disciplinados, façam
somente o que for certo, justo. Ser disciplinado não é ser obediente, quem
obedece tudo sem pensar não presta.
Como vai
o treinamento de tiro? Não se esqueçam de colocar algodão no ouvido, e também
de olhar sempre pra mira e puxar o gatilho bem devagar. Já mandaram consertar a
pistola de ar comprimido? Espero que pratiquem corrida, natação e todos os jogos.
Alimentem-se bem, vocês que tanto gostam de frutas devem estar satisfeitos, aí
ninguém passa fome, não tem mendigos, aqui… Aí comem abacate na salada, com sal
e azeite; gostaram?
Como vai
o jogo de botão? Você, Cesar, tem ensinado aos meninos? Seguem junto 29
bolinhas de cortiça, que fiz treinando a paciência, que eu tinha pouco, é
preciso ser paciente, sem ser passivo, claro.
E você
Claudinha, continua fazendo discursos? Como eu gostava, você vai ser uma grande
agitadora.
Cuidem
bem dos dentes para que possam mastigar bem. Não se esqueçam de cantar e
dançar. O Cesar gosta muito de desenhar e a Claudia de pintar, procurem
praticar bastante, procurem criar, não imitem ninguém.
Não
chamem ninguém de senhor porque ninguém é senhor de ninguém. Mas ouçam os mais
velhos e procurem fazer coisas melhor que eles, porque tudo que é novo é
superior ao velho. Respeitem os mais velhos mas exijam que respeitem vocês –
exijam mesmo.
Contei
para os companheiros que o Cesinha usava nome de guerra e eles acharam engraçado.
Já usei o nome Cesar mas tive de mudar.
Não sei
como acabar essa carta porque é como se estivesse conversando com vocês. Espero
receber uma carta de vocês, se não for possível, continuarei pensando muito em
vocês.
A maior alegria que
vocês podem me dar é aproveitar muito o estudo, preparando-se para fazer a
Revolução em qualquer país. Muitos beijos para a minha esposa querida e meus
filhos, com todo amor, cheio de saudades”.
MAIS LAMARCA:
https://www.ptrj.org.br/carta-de-lamarca-aos-filhos/
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