sexta-feira, 28 de abril de 2023

Rumo à abolição do trabalho? * Luc Ferry / Le Figaro.Fr

Rumo à abolição do trabalho?
Luc Ferry

Tradução de Robson de Oliveira

Figaro economia, quinta-feira 06 de abril de 2023

Como a “velha toupeira” de que falava Marx, uma crítica radical do trabalho abre caminho de forma subterrânea, por vezes violenta, na esquerda da esquerda, entre os colapsólogos e os “decrescentistas”. Ela não anima somente as ações como as que pudemos observar em Santa Solina1, mas também de forma felizmente mais calma as milhões de pessoas que rejeitam de maneira visceral qualquer prolongamento da idade para deixar de trabalhar. Embora a corrente da “teoria crítica do valor” vinda da Alemanha ainda permaneça marginal, cada ano ganha mais terreno, não somente entre jovens que zelam pela radicalidade anticapitalista, mas também entre aqueles que, depois da pandemia, tiveram o sentimento de que “perder sua vida por dinheiro”, o que não tem nada de anedótico se acreditarmos numa pesquisa Ifop recente segundo a qual 37% dos assalariados confessam praticar na atualidade o “quiet quiting”2! Nascida nos anos 1980 com autores como Robert Kurz, Anselm Jappe, Moishe Postone ou Alastair Hemmens, a teoria crítica do valor opõe, como eu já sugeri em minha última crônica, dois tipos de desconstrução da noção de trabalho: uma superfcial ou “fenomenológica” que se encontraria num Marx “exotérico”, outra radical ou “categorial” que já estaria aforada num Marx “esotérico”. Como escreve Alastair Hemmens sem seu prefácio ao Manifesto contra o trabalho (editora Crise e Crítica) “o Marx exotérico viu no trabalho uma forma social positiva e transhistórica que se viu alienada e explorada por uma classe dominante, a burguesia.

O capital, nesse sentido, seria uma espécie de roubo de uma riqueza que permanece não questionada”. Nessa perspectiva ainda superfcial, bastaria

1 Resistência do movimento Levante da Terra contra a construção de megarreservatórios de água para guardar água para agricultura. No último confronto com a polícia, 200 manifestantes e 50 policiais saíram feridos. [N.T]

2 Fazer o estritamente necessário no trabalho. [N. T.]

portanto fazer a revolução, expropriar os proprietários e devolver aos trabalhadores os produtos de seu trabalho para que tudo ficasse muito bem no melhor dos mundos comunistas. “O Marx esotérico, ao contrário, continua Hemmens, viu no trabalho enquanto tal a essência mesma do capitalismo: uma forma social historicamente específica, irracional e destruidora cujo único objetivo é transformar dinheiro em mais dinheiro.” Como um homem que vacila do alto de um despenhadeiro corre cada vez mais rápido para escapar à queda, o capitalismo globalizado não visaria outra coisa senão produzir dinheiro pelo dinheiro, crescimento pelo crescimento.

O trabalho, motor desse processo, em lugar de produzir valor de uso, bens úteis, não seria nada mais do que uma abstração produtora de valor de troca: pouco importa que se produzam carros, roupas ou remédios, o importante é que dê lucro! Para dar vazão à produção de riquezas, esse produtivismo insano deveria criar incessantemente necessidades cada vez mais artificiais para lograr êxito, desconstruir os valores tradicionais a fim de que a espiral do consumo não pare nunca, tudo isso às custas da destruição do planeta. Escravo de um sistema absurdo, o trabalhador não seria mais que uma peça na engrenagem irrefletida de uma maquinaria ela própria irrefletida.

A verdadeira revolução anticapitalista não residiria, portanto, na apropriação dos meios de produção, mas na aniquilação desse motor do produtivismo que é o trabalho enquanto tal. Depois da revolução, seria necessário estabilizar o consumo como já pedem os decrescentistas: voltar ao low-tech e ao local, reaprender a cultivar a terra prescindindo de tecnologias modernas, em suma, quebrar a lógica da destruição-criadora inerente a uma globalização liberal cuja estrutura mais fundamental não é outra senão a do “mundo da técnica” denunciada por Heidegger ou Ellul. Claro, nem todo mundo lê as obras desses teóricos; o que importa é que suas ideias não param de ganhar terreno na ecologia política radical.

Suas conclusões não são menos insustentáveis que catastróficas – insustentáveis, porque para parar dar um fim no crescimento, seria preciso no mínimo que a decisão fosse universal, tomada por um governo mundial que nunca vai existir; catastróficas, porque uma humanidade que renunciasse ao progresso e às inovações para afundar no torrão local abandonaria o que é sua essência mesma, a saber, a perfectibilidade e a historicidade, e nisso, devolvida à sua condição natural de animalidade, ela não teria mais nada de humano. O que fica é que o debate está aberto e que não será resolvido com molotovs nem bombas de gás lacrimogêneo.
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