domingo, 10 de agosto de 2025

Bozofascismo: quando a crença supera a análise * Arnaldo Chioquetta/RS

Bozofascismo: quando a crença supera a análise

Nos últimos anos, surgiu um fenômeno político que muitos chamam de bozofascismo. Diferente do fascismo “clássico”, que frequentemente se apoia em ideias de superioridade genética ou étnica, o bozofascismo não precisa de um marcador físico ou de origem para unir seus seguidores. O que o sustenta é um alinhamento de pensamento e crença.

União pela narrativa

Nesse movimento, o que une as pessoas não é o sangue, mas a visão de mundo. Há um conjunto de ideias-chave que funciona como cola ideológica: a convicção de que a esquerda é hipócrita — alguém que se diz preocupada com o povo, mas busca apenas benefícios próprios — e o apelo ao tripé “Deus, Pátria e Família”.
O discurso moral também ocupa lugar central: a esquerda é retratada como imoral, e quem se considera detentor de moralidade seria naturalmente empurrado para a direita.

Socialismo, comunismo e a “grande ameaça”

Para o bozofascismo, não há diferença real entre socialismo e comunismo. Ambos são vistos como um mesmo inimigo, com a suposta meta de instaurar um regime comunista no país. A ideia de que a esquerda luta por justiça social é descartada como pura hipocrisia.

Circula, ainda, uma narrativa segundo a qual a esquerda se sustentaria pela pobreza: criaria e manteria pobres para lhes oferecer uma esperança e, assim, garantir votos.

A visão sobre os esquerdistas

Para o bozofascista, quem se identifica com a esquerda é, em essência, uma pessoa sem sucesso na vida, movida por inveja de quem possui bens ou prosperidade. O discurso por justiça social, nessa lógica, não passa de ciúmes travestidos de preocupação coletiva — mais um elemento de sua suposta hipocrisia.

O papel da religião e da moral

Na base do bozofascismo, muitas vezes, está uma prática religiosa combinada com afirmações morais. Essa mistura cria um terreno fértil para o controle e a mobilização das pessoas, que passam a enxergar o alinhamento político como extensão da fé.

Aliança com a cultura americana

Outro elemento marcante é a afinidade com valores e símbolos da cultura americana. Há um senso de prepotência, a crença de serem mais inteligentes e esclarecidos que o restante da população. Essa identificação leva a uma natural aliança de opiniões com os EUA, mesmo que isso signifique adotar posturas contrárias aos interesses do próprio país. Para eles, esse é um preço aceitável a pagar pela causa.

Sinais, símbolos e rede interna

Quando o grupo está formado, a coesão se reforça por meio de identificações visuais — um botão com a imagem do Bolsonaro, uma frase colada no carro, ou outros sinais que funcionam como códigos silenciosos. Reconhecer um desses símbolos dispensa palavras: a partir dali, já se sabe que se está entre aliados.
Essa identificação visual também serve para excluir: a simples presença de um símbolo associado a opositores pode significar a eliminação imediata de uma oportunidade, como uma vaga de emprego.

Dentro da rede, há um favorecimento mútuo. Os membros buscam se manter em posições de liderança e garantir que outros do mesmo grupo também ascendam, em uma prática comparada à lógica de sociedades fechadas como a maçonaria.

O líder puro e intocável

No centro de tudo está a figura de Bolsonaro. A crença em sua honestidade é absoluta, impermeável a provas, alegações ou investigações. Qualquer crítica é vista como tentativa maliciosa de destruir sua imagem. Essa devoção nasce, em grande parte, do desejo de ter um “líder puro” — alguém visto como incorruptível e, muitas vezes, colocado num pedestal quase religioso.

Fake news como combustível

Outro traço marcante é a forma como fakes são consumidos e compartilhados. Não há pesquisa ou verificação: se a informação parece se encaixar nas convicções do grupo, ela é imediatamente aceita e divulgada. A vontade de que aquilo seja verdade é tão grande que a possibilidade de ser falso é descartada de imediato.

Imunidade contra argumentos

O bozofascista é praticamente “vacinado” contra explicações convincentes vindas de opositores. Não importa a lógica, as provas ou a clareza da argumentação — qualquer coisa dita por quem não está alinhado é considerada mentira, parte de um plano para enganar.

Polarização absoluta

Essa postura leva a uma divisão rígida: qualquer pessoa que critique Bolsonaro, mesmo que seja da própria direita, é automaticamente rotulada como comunista, inimigo ou traidor. Não há espaço para nuances ou para discordância dentro do próprio campo ideológico.

Um fenômeno provocado

O bozofascismo não é um fenômeno espontâneo. Ele é, em grande parte, resultado de uma estratégia de colonização cultural e política conduzida pelos Estados Unidos, que historicamente tratam a América Latina como seu “quintal”.

Nos anos 90, essa influência ganhou força com a chegada massiva de igrejas pentecostais vindas dos EUA, sob o pretexto de fins filantrópicos e ajuda ao povo. Na prática, tratava-se de um passo inicial para criar uma base social e religiosa alinhada aos interesses norte-americanos, facilitando a penetração de valores, ideologias e narrativas que mais tarde moldariam o próprio bozofascismo.

Um propósito ativo

O bozofascismo não é apenas uma crença passiva. Seus adeptos mantêm um firme propósito de “ajudar na causa”, seja através de discursos, mobilizações ou da simples repetição das narrativas centrais. A lealdade ao grupo e ao líder é tratada como missão pessoal.

Um pacto emocional

O bozofascismo é, no fundo, um movimento de crença coletiva, onde símbolos, moralidade, religiosidade, afinidades culturais e influências externas se entrelaçam para formar um bloco sólido, disposto a se proteger e a defender seu líder incondicionalmente. Mais que política, ele funciona como um pacto emocional que sobrevive à realidade e se alimenta da própria devoção.

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