Ho Chi Minh e a Luta de Classes no Brasil(2)
Ho Chi Minh, revolucionário comunista e um dos
principais responsáveis pela libertação do Vietnã do colonialismo francês e
imperialismo dos EUA, faleceu neste dia em 1969. Resgatamos aqui sua passagem
pela decadente cidade maravilhosa onde fez amizade com um militante sindical
antirracista.
Nguyen Ai Quoc (Ho Chi Minh), 1921. Foto
do History Today.
Publicado originalmente em
https://jacobin.com.br/
Ho Chi Minh,
herói revolucionário vietnamita, faleceu em um 02 de setembro como este em
1969, quando a resistência vietnamita já tinha virado o jogo contra a invasão
imperialista norte-americana, mas a guerra ainda não havia terminado. Pouco se
sabe sobre um detalhe curioso na juventude do militante comunista que se
tornaria presidente do Vietnã do Norte: suas andanças pelo mundo como
cozinheiro de navio, o que levou inclusive a conhecer o Rio de
Janeiro dos anos 1910, com toda sua realidade desigual e, ao mesmo
tempo, cheia de esperança e luta – e como isso ajudou a moldar um dos
principais revolucionários do século 20.
Quando Ho nasceu
em 1890 sob o nome de batismo Nguyen Sinh Cung, o Vietnã simplesmente não
existia no mapa-mundi. A região era conhecida como “Indochina”: o curioso e
genérico termo ocidental para designar tudo que estava “entre a Índia e a
China”, isto é, os atuais Laos, Camboja e Vietnã, à época diretamente
colonizados pelos franceses desde 1887. Após séculos de imperialismo nos quais
portos foram tomados e, lentamente, por meio de missões religiosas católicas,
os colonizadores foram avançando para o interior até que a dominação total pôde
ser estabelecida — em tempos nos quais os europeus partilhavam a África e a
Ásia de forma obstinada, cruel e racista.
Rio eu gosto de você
Entre sua estadia
na França em 1917, quando se une ao movimento socialista local, e sua emigração
de sua terra natal em 1911, por motivos de perseguição política do aparato
colonial, Ho viveu inúmeras aventuras pelo mundo, uma delas, digna de nota: foi
no nosso país, como narra Ariel Seleme,
recorrendo a fontes da Universidade de Hanói, que o jovem Nguyen encontrou uma
realidade fervilhante, ao ser abandonado no porto do Rio de Janeiro para morrer
em terra depois de contrair uma doença misteriosa no navio.
Em
Ho passa a trabalhar em um restaurante na Lapa enquanto
mora em Santa Tereza e vai ao porto com frequência para tentar encontrar um
navio no qual possa embarcar, encontrando o líder sindical pernambucano José
Leandro da Silva, um cozinheiro negro que atua no porto e confronta autoridades
racistas, que ainda aplicavam castigos da época da escravidão contra
trabalhadores negros – havia dois anos que a Revolta da Chibata tinha
estourado no mesmo porto do Rio de Janeiro, com marinheiros negros se rebelando
contra oficiais brancos que os açoitavam.
A luta de José
Leandro foi narrada mais tarde por Ho no artigo “Solidariedade Internacional”
que ele escreve em 1921 – 9 anos após ter passado pelo Rio. No artigo, ele
conta como José Leandro liderou uma greve no porto com 2 reivindicações:
jornada de trabalho de 8 horas e salários iguais entre negros e brancos. Após
jogar um policial no mar por não ter deixado ele entrar numa embarcação para
agitar os trabalhadores, José Leandro foi cercado por 10 policiais e levou 11
tiros, segundo o artigo de Ho. Na ambulância, mesmo baleado, ele cantou a
Internacional comunista. Mais tarde as autoridades policias tentaram incriminar
José Leandro por um inocente morto no tiroteio, mas um movimento de
solidariedade articulado por trabalhadores e advogados pressionou a corte para
absolver o sindicalista. Por fim, José Leandro conquistou a liberdade.
Impressionado pelas belezas naturais do Rio, sua vida
boêmia, Ho ficou assustado com cenário de degradação social e efervescência
trabalhista, onde uma espécie de capitalismo periférico se cruzava com um
passado escravagista bastante recente e o socialismo adentrava aos portos junto
com as novidades, inspirando um pujante movimento sindical. Embora inspiradora,
a passagem de Ho é curta, ele se recupera e consegue um navio que o conduz a
Boston nos Estados Unidos em setembro ou outubro de
Nasce Ho
Atransformação de Nguyễn Sinh Cung em Ho Chi Minh –
“aquele que ilumina” – não ocorreu de repente, nem foi um processo meramente
pessoal: ela foi parte da própria transformação do jovem Ho e a luta
revolucionária que também libertou o Vietnã moderno. Ho criou o Vietnã, mas o
Vietnã criou Ho antes. E se havia algum lado bom de ter nascido em meio ao flagelo
colonial, era ter acesso ao mundo pelas rotas de navegação.
Figura icônica,
Ho lutou e venceu os imperialismos de França, Japão e Estados Unidos, deixando
as sementes que permitiriam seu povo garantir a autonomia face aos chineses no
fim dos anos 1970, quando resistiu e derrotou o regime bárbaro do Camboja, o
Khmer Vermelho.
Enquanto os
direitos civis da população negra nos Estados Unidos tinham acabado de ser
conquistados à base de muita luta, a classe trabalhadora norte-americana se
levantava contra o fato de seus filhos serem mandados para matar e morrer do
outro lado do mundo – em uma guerra neocolonial que, como toda guerra colonial,
serve apenas e tão somente aos poderosos do país imperialista.
Ironicamente,
durante a Segunda Grande Guerra Mundial, Ho enfrentou os japoneses que ocuparam
a Indochina, tomando-a da França, sendo, em tese, aliado de ambos. Os
guerrilheiros comunistas faziam parte dos Aliados, mas qual surpresa não foi
descobrir que após a derrota do inimigo japonês, os vencedores da guerra
pretendiam restaurar a ordem colonial em outros termos.
O legado de luta de Ho nos ensina que a revolução é,
necessariamente, internacionalista, e que o internacionalismo não nega nem a
necessidade de autonomia nacional nem pode ser insensível aos perigos do
imperialismo. É preciso sempre se lembrar que o Vietnã libertado, após ter recebido mais
bombas que as forças do Eixo na Segunda Guerra Mundial, era a
verdadeira imagem da “terra arrasada” e hoje o país é uma economia pujante
e modelo global de combate
à pandemia de Covid-19. Embora certamente falte muito trabalho para
construir um socialismo efetivo, a experiência dos vietcongs, nas condições
absolutamente adversas que tiveram de encarar, não pode jamais ser menosprezada
e deve ser sempre lembrada que a vitória socialista não é uma questão utópica.
Mas uma realidade concreta e possível.
(*) Hugo Albuquerque é publisher da Jacobin Brasil, editor da
Autonomia Literária, advogado e direitor do Instituto Humanidade, Direitos e
Democracia — IHUDD.
(2) titulo feito pela Frente Revolucionária dos Trabalhadores / FRT-BR.
FONTES:
1 - PAGINA 13 - Ho Chi Minh, o herói anti-imperialista que foi garçom no Rio de Janeiro – Página 13
2 - JACOBIN BRASIL
Ho Chi Minh, o herói anti-imperialista que foi garçom no Rio de Janeiro – Jacobin Brasil
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