terça-feira, 7 de setembro de 2021

Ditadura do proletariado * Jorge Amado / BA

DITADURA DO PROLETARIADO 

 O senhor não vai querer me convencer que é com a ditadura do proletariado que o homem se liberta…


– Não quero convencê-lo de nada, doutor. Para mim é suficiente que os operários o compreendam. Sim, a ditadura do proletariado libera o homem da miséria, da ignorância, da exploração, do egoísmo, de todas as cadeias em que o amarra a ditadura da burguesia e dos latifundiários a que os senhores chamam de democracia e que agora se transforma no fascismo. Democracia para um grupo, ditadura para as massas. A ditadura do proletariado quer dizer democracia para as grandes massas.


O juiz forçou um sorriso:


– Já li isso em qualquer parte: “tipo superior de democracia…” Chega a ser divertido. Nem liberdade de expressão, nem liberdade de crítica, nem de religião…


– O senhor está descrevendo o Estado Novo e não o regime socialista – comentou João. Num Estado socialista, na URSS, existe liberdade de expressão, de religião, de crítica. Basta ler a Constituição Soviética. O senhor a conhece? Eu recomendo-lhe a leitura, doutor. Para um jurista é essencial.


– Liberdade na Rússia… Liberdade de ser escravo do Estado, de trabalhar para os demais. Liberdade de não possuir nada, de não ser dono de nada.


– Sim, a liberdade de explorar os demais, de possuir os meios de produção, essa não existe na URSS. Essa existe aqui, doutor, liberdade para os ricos, para uns quantos. Para os demais, para a imensa maioria dos brasileiros, o que existe é liberdade de passar fome e de ser analfabeto. E a cadeia, as pancadas, a solitária, se protestar contra isso. O senhor se esquece que está falando com um preso, doutor, uma vítima da vossa liberdade. Os senhores se contentam com a liberdade para sua classe. Nós queremos a verdadeira liberdade: liberdade do homem com sua fome saciada, do homem livre da ignorância, do homem com trabalho garantido, sem problemas para o sustento dos filhos. Doutor, não fale de liberdade aqui, na Casa de Detenção. Aqui a nossa liberdade vale bem pouco. É abusar de uma palavra que para nós, comunistas, tem um significado muito concreto.


– Com os senhores não se pode conversar. Querem impor as idéias pela força.


– Pela força? – João sorriu novamente. – cuidado, doutor, assim o senhor vai terminar afirmando que fui eu quem espancou a polícia…


– O senhor é um moço inteligente – a voz do juiz fazia aconselhadora. – Até é difícil acreditar que o senhor seja mesmo um operário. Se o senhor abandonasse essas idéias ainda poderia vir a ser um homem útil ao país, quem sabe não poderia ainda…


– Não, não poderia, doutor. Sou comunista, esta é minha honra, meu orgulho. Não troco esse título por nenhum outro – seus olhos se estenderam além das grades das janelas, viam-se diante dos muros, os tetos das casas na rua.


Trecho do livro "Os subterrâneos da Liberdade" (trilogia) de Jorge Amado. 

Escrito na Tchecoslováquia, 1952-53.


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