UM ALERTA NECESSÁRIO
Há muito tempo não se vive uma eleição tão tensa quanto essa. A tensão é dada pela importância que a eleição representa e, ao mesmo tempo, ajuda a dar a eleição a importância que ela tem.
A medida que nos aproximamos do dia 30, aumenta a tensão. Ela se materializa nas milhares de publicações e postagens nas redes sociais que não se dão apenas por uma disputa com o campo oposto para ver quem chega primeiro e com mais força aos algoritmos que catapultam as mensagens para os melhores lugares da rede.
Grande parte das publicações e compartilhamentos espelham acima de tudo a tensão. O desejo desenfreado de convencer “mais alguém” com aquela mensagem que consideramos da hora e que achamos que podemos multiplicá-la até chegar aos rincões indecisos ou aos votos frouxos no outro candidato.
Liga-se a TV ou o rádio, vasculha-se a rede, consulta-se a mídia on line, olha-se o WApp, anseia-se pela próxima pesquisa, cria-se e compartilha-se mensagens em postagens e publicações, convivendo-se com o vai-e-vem das tensões.
O povo brasileiro, já completamente mexido pelo comportamento leviano e desleixado do presidente da república (e da maioria dos governos estaduais e municipais) durante a fase aguda da pandemia não merecia esse novo período de tensionamento.
No entanto, há uma variável positiva nesse tensionamento. Ele não é um tensionamento paralisante. Além de tomar as redes, ele também tomou as ruas.
Depois que o PT corrigiu seu próprio erro de limitar a campanha às redes sociais e à superestrutura, centenas de milhares de pessoas já tomaram as ruas de todo o Brasil em atos, passeatas, comícios e panfletagens. Essa retomada das ruas, num movimento objetivo pelo “Fora Bolsonaro”, dá ao tensionamento dessa reta final um canal privilegiado para soltar a voz no grito lancinante contra a perspectiva fascista que a candidatura Bolsonaro encarna, mas também na conversa suave e explicativa com cada pessoa comum sobre os perigos que rondam o Brasil e ameaçam principalmente os trabalhadores, a juventude e os mais pobres. Essa dinâmica não pode parar até o dia 30 de outubro.
Toda essa tensão e a perspectiva de possibilidade de vitória sobre o bolsonarismo, da qual nossa ação direta possa contribuir, nos anima e realimenta e fortalece o sentimento de confiança na unidade para lutar e vencer e, ao mesmo tempo que pode representar um grande avanço subjetivo (se de fato derrotarmos eleitoralmente o bolsonarismo) para as lutas que virão sob o provável governo Lula / Alckmin, também nos expões de imediato a um grande perigo: o perigo de nos acostumarmos e alimentarmos expectativas no governo de Frente Ampla, de conciliação de classes, que Lula / Alckmin representam.
É extremamente necessário que depois do dia 30 de outubro, sem deixar de manter o alerta, por um só instante, contra as tentativas de criar um terceiro turno que o bolsonarismo está articulando desde já e com isso semear o terreno do golpismo mais uma vez, repito, sem desligar o sinal de alerta, devemos retomar as discussões sobre o caráter burguês do futuro provável governo Lula / Alckmin e sobre as tarefas dos trabalhadores e de sua vanguarda lutadora e/ou revolucionária. Coloca-se na ordem do dia, a construção de uma pauta de reivindicações que contemple, por exemplo, a revogação da reforma trabalhista, um plano de obras públicas nas áreas sociais (saneamento, urbanização das áreas de periferia e favelas, construção de escolas e hospitais, etc), recomposição do salário mínimo, suspensão do pagamento e auditagem da dívida interna, não às privatizações e à reforma administrativa, imposto progressivo com taxação exclusiva das grandes fortunas, reforma agrária e reforma urbana, Conselhos Populares, etc.
Da mesma forma, urge que se aponte um Encontro Nacional (o mais amplo possível) de trabalhadores, estudantes, povos originários e movimento popular para discutir e votar essa pauta, considerando todo o retrocesso desses quatro anos de governo da extrema direita, e um calendário de lutas e discussões.
É bem provável que uma parte significativa da frente que ora se construiu para derrotar eleitoralmente Bolsonaro e infligir um golpe no bolsonarismo argumente que temos que dar um tempo para o novo governo arrumar a casa. A isso responderemos que esse não é um governo dos trabalhadores e do povo pobre explorado e oprimido. Esse é um governo que os trabalhadores e o povo pobre explorado e oprimido usou para derrotar Bolsonaro e golpear o bolsonarismo.
Defenderemos esse governo eleito contra qualquer tentativa de ataque fascista para derrubá-lo, nos colocando no mesmo campo de combate contra golpes, pushs, quarteladas ou miliciadas. Mas não podemos abrir mão da luta independente, com nossos próprios métodos de mobilizações, greves, piquetes, comitês, etc, para alcançar a pauta de reivindicações discutida e votada.
Não podemos abrir mão um milímetro sequer de nossa organização e de nossa mobilização independentes. Aqueles lutadores e/ou revolucionários mais conscientes, assim como aqueles intelectuais que conhecem mais aprofundadamente a história das lutas e da contrarrevolução na Alemanha, na França e na Espanha, nas décadas de 20 e 30 do século passado, e da China, na década de 20, devem ajudar a esclarecer pacientemente aqueles lutadores e/ou revolucionários honestos que manifestem dúvidas ou apego à “grande” unidade para barrar a ascensão do fascismo.
As grandes lutas virão. Virão por uma questão objetiva do capitalismo mundial em sua fase de crise estrutural (Ver István Mészáros – A Crise Estrutural do Capital, Editora Boitempo). A necessidade incessante de acumulação/reacumulação de capitais que permita reinvestimentos incessantes (razão de ser do capitalismo) obriga a um aumento ininterrupto da massa de mais valia mundial. Isso significa um processo crescente de ataques aos trabalhadores e ao povo explorado e oprimido, assim como à natureza, numa busca sem limites para aumentar a produtividade.
Afora todas as contradições implícitas nesse movimento cruel, anárquico e ilusório, os espaços de concessões se reduzem vertiginosamente e, cada vez mais, qualquer pequena conquista só virá com grandes lutas.
O governo Lula / Alckmin, que hoje trabalhamos decididamente para eleger, será um governo de administração do Estado burguês e terá que lidar com essa crise e com esse movimento dos capitais internacionais e nacionais para ir driblando a crise no dia-a-dia: de um lado às custas das condições de vida dos trabalhadores, das esperanças da juventude e da mínima dignidade existencial do povo explorado e oprimido e, do outro, às custas do equilíbrio e da sustentabilidade do planeta Terra, alvo moribundo da ganância dos capitais imperialistas por sugar suas riquezas maturais visando o aumento intermitente da produtividade.
Por isso é correto dizer que não há saída definitiva para a crise que não passe pela construção de um outro Estado que surja da ruptura revolucionária e consciente com o capitalismo e da construção de uma sociedade sobre novas bases econômicas, sociais, democráticas, ambientais, culturais e políticas. Insisto, reprisando um trecho de artigo publicado antes do primeiro turno: a revolução é um processo sistêmico não um fato social apenas. O momento da ruptura sistêmica do Estado burguês não pode ser visto cartesianamente apenas como um ato planejado harmonicamente, mas como o movimento cumulativo, caótico e dialético de múltiplas forças em múltiplos terrenos da vida política, social e cultural. As forças revolucionárias são parte desse processo que podem, num determinado momento, ganhar sua direção: seja sob a forma clássica de partido revolucionário, seja sob novas formas configuradas pelos anos de experiência de luta e organização do proletariado mundial. Se ganhamos a direção, podemos avançar em direção à um novo estado e a uma nova sociedade que, ao mesmo tempo que libere as forças produtivas nacionais, melhorando as condições de vida da sociedade, se coloque a serviço da cooperação com o povo trabalhador, explorado e oprimido de todo o mundo, visando a superação do sistema imperialista mundial.
As grandes lutas que fatalmente virão sob o governo Lula / Alckmin são ao mesmo tempo partes da resistência mundial dos “de baixo” à dinâmica atual do capitalismo internacional e partes do processo cumulativo, mesmo que embrionariamente, da ruptura revolucionária com o capitalismo.
Estar preparado para intervir nesse processo é a tarefa inadiável que começa desde já para todos os lutadores e/ou revolucionários. Para isso, ao trabalho de propaganda que começa no dia primeiro de novembro, explicando pacientemente o caráter burguês do provável governo Lula /Alckmin e o histórico papel capitulador da Frente Ampla ao fascismo e a necessidade da auto-organização independente dos trabalhadores e do povo explorado e oprimido não só para combater o fascismo, mas também para as lutas que virão, há a necessidade de vivermos estruturalmente, cotidianamente, lado-a-lado nos locais de trabalho e moradia, participando ativamente de cada pequena luta, garantindo uma localização privilegiada quando as grandes lutas chegarem.
Júlio Santos - RJ
Membro do Conselho Diretor do Centro Cultural Octavio Brandão (CCOB)
OBS: O texto reflete minhas posições e conclusões individuais.
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O capitalismo está podre. Todos sabemos disso. Mas ele não cai sozinho