EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO RELATOR ALEXANDRE DE MORAES DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Ref. Inq. nº 4874/DF
SÂMIA DE SOUZA BOMFIM, brasileira, Deputada Federal e Líder do PSOL na Câmara, titular da cédula de identidade RG nº 30577301-X, e do CPF n° 10827786, domiciliada em Brasília-DF, com endereço no gabinete 623 - Anexo IV – da Câmara dos Deputados e contatável pelo e-mail dep.samiabomfim@camara.leg.br;
JULIANO MEDEIROS, brasileiro, historiador, inscrito no CPF nº 004.407.270-81 e do RG 8.084.283.962 SJS/RS, residente e domiciliado em São Paulo, Presidente Nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL);
FERNANDA MELCHIONNA E SILVA, brasileira, Deputada
Federal e Vice-Líder do PSOL na Câmara, portadora do RG nº 6074311736 expedido pela SSP/RS e CPF nº 002.134.610-05, com endereço profissional na Câmara dos Deputados, Anexo IV, Gabinete 621, Esplanada dos Ministérios, Brasília – DF, CEP 70160-900, contatável por meio do telefone 61 32153621 e pelo e-mail dep.fernandamelchionna@camara.leg.br;
IVAN VALENTE, brasileiro, Deputado Federal e Vice-Líder do
PSOL na Câmara dos Deputados, portador da identidade parlamentar nº 56359 e inscrito no CPF/MF sob o nº 376.555.828-15; com endereço na Câmara dos Deputados, gabinete 716, anexo IV, CEP 70160-900 e contatável pelo e-mail dep.ivanvalente@camara.leg.br;
VIVIANE DA COSTA REIS, brasileira, Deputada Federal e Vice Líder do PSOL na Câmara dos Deputados, portadora do RG n° 5.128.505 SSP/PA e inscrita no CPF n° 011.418.712-62, com endereço no gabinete 471 - Anexo III - Câmara dos Deputados, Brasília – DF – CEP 70160-900, dep.vivireis@camara.leg.br,
ÁUREA CAROLINA DE FREITAS E SILVA, brasileira, Deputada Federal, portadora da Carteira de Identidade nº 12132364/SSPMG e inscrita no CPF nº 014.128.956-26, título de eleitor no 139029990213- Zona 037 e Seção 0355, e mail dep.aureacarolina@camara.leg.br; com endereço funcional no Gabinete 619 - Anexo IV - Câmara dos Deputados, CEP 70160- 900;
GLAUBER DE MEDEIROS BRAGA, brasileiro, Deputado Federal, brasileiro, portador da carteira de Identidade nº 13.354.941-0/Detran RJ e inscrito no do CPF nº 097.407.567-19, título de eleitor nº 108161890370, 26ª Zona eleitoral, Nova Friburgo/RJ, e-mail dep.-glauberbraga@camara.leg.br, com endereço funcional no Gabinete 362 - Anexo IV - Câmara dos Deputados, Brasília – DF, CEP 70160-900;
LUIZA ERUNDINA DE SOUSA, brasileira, Deputada Federal, portadora do RG nº 6.020.647-0 expedido pela SSP/SP e CPF nº 004.805.844-00, com endereço profissional na Câmara dos Deputados, Anexo IV, Gabinete 620, Esplanada dos Ministérios, Brasília – DF, CEP 70160-900, contatável por meio do telefone 61 32155620 e pelo e-mail dep.luizaerundina@camara.leg.br;
TALÍRIA PETRONE SOARES, brasileira, Deputada Federal, portadora da carteira de Identidade nº 12.608.655-2, inscrita no CPF com o número 111.382.957-52, e-mail dep.taliriapetrone@camara.leg.br, com endereço funcional no Gabinete 617 – Anexo IV – Câmara dos Deputados, Brasília – DF, CEP 70160-900;
ERIKA SANTOS SILVA, brasileira, deputada federal Diplomada,
RG 49.343.832-4, CPF 397.564.938-01, com endereço na Câmara dos Deputados, gabinete 636;
TARCÍSIO MOTTA DE CARVALHO, brasileiro, Deputado Federal Diplomado (PSOL/RJ), portador da carteira de Identidade nº 09408120-5 Detran-RJ, inscrito no CPF com o número 020.459.627-09;
FRANCISCO RODRIGUES DE ALENCAR FILHO, brasileiro,
Deputado Federal Diplomado (PSOL/RJ), portador da carteira de Identidade nº 002.322.451-2, expedida pelo DETRAN/RJ, inscrito no CPF sob o nº 264.513.797-00;
HENRIQUE DOS SANTOS VIEIRA LIMA, brasileiro, Deputado
Federal Diplomado (PSOL/RJ), portador da carteira de Identidade RG nº 22298535- 0, expedida pelo DETRAN/RJ, inscrito no CPF sob o n 12281169707;
CÉLIA NUNES CORRÊA, brasileira, professora, Deputada
Federal Diplomada (PSOL/MG) com documento de identidade nº 15.694.512- SSP - MG, CPF nº 103.125.206-11, com endereço terra indígena Xakriabá aldeia Barreiro Preto;
LUCIENE CAVALCANTE DA SILVA, brasileira, Professora,
Deputada Federal Diplomada (PSOL/SP), título de Eleitor: 211429420124, CPF: 282.024.008-99;
GUILHERME CASTRO BOULOS, brasileiro, professor, Deputado Federal Diplomado (PSOL/SP), com documento de identidade nº 333922128 - SSP - SP, CPF nº 227329968-07;
vêm, diante de Vossa Excelência, pelos seus advogados ao
final indicados, na qualidade de terceiro interessado, com base na alínea “a”, inciso XXXIV, do art. 5º da Constituição Federal, apresentar a presente PETIÇÃO com o objetivo de requerer as seguintes medidas cautelares em desfavor do ex-Presidente da República SR. JAIR MESSIAS BOLSONARO : a) quebra de sigilo telefônico e telemático; b) busca e apreensão e provas e documentos para evitar qualquer tipo de destruição ou ocultamento de indícios criminosos; d) apreensão do passaporte do
ex-Presidente; e d) prisão preventiva do SR. JAIR MESSIAS BOLSONARO, considerando o cumprimento dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, devido a fatos ilegais e criminosos que concernem à investigação referente ao Inquérito nº 4.874, com o objeto de apurar discursos golpistas semelhantes aos que já foram identificadas no Inquérito nº 4781/DF, com a possível finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito, conforme os fatos e fundamentos que passamos a expor:
DOS FATOS
1. Jair Bolsonaro – com apoio de seus aliados – enalteceu a ditadura militar, defendeu abertamente golpe de Estado e divulgou fake news sobre fraude eleitoral durante todo o seu período a frente do poder Executivo. Os casos citados nesta exordial se juntam as dezenas de denúncias já presentes neste inquérito que mostram a clara tentativa de incentivar atos criminosos e terroristas, como os vivenciados em Brasília recentemente.
2. É sabido que Jair Messias Bolsonaro sempre demonstrou em suas falas e atitudes a falta de apreço pela democracia, contudo houve uma intensificação de sua intentona antidemocrática desde que pesquisas passaram a apontar sua baixa chance de reeleição à Presidência da República.
3. Se antes atacava, de maneira completamente infundada, a credibilidade das urnas eletrônicas, passou também a atacar a lisura do Poder Judiciário na condução do processo eleitoral, defendendo tácita e expressamente o rompimento da ordem constitucional a fim de realizar “eleições limpas”. Com a confirmação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das Eleições de 2022, houve uma intensificação das mobilizações promovidas por Jair Messias Bolsonaro e seus aliados, com bloqueio de rodovias em manifestações com reinvindicações golpistas,
atos de depredação de patrimônio público e privado, bem como tentativas de atentados terroristas consistentes na explosão de bombas para causar caos social na tentativa de justificar, segundo seus apoiadores, “intervenção militar”.
4. É importante destacar os bloqueios em rodovias Brasil afora vêm sendo financiados por empresários ligados ao ex-Presidente da República, como Luciano Hang, proprietário da Havan1, o que demonstra que tais atos não são realizados de forma espontânea e desorganizada, tendo Jair Messias Bolsonaro como autor intelectual. Procuradores de Santa Catarina, São Paulo e Espírito Santo informaram ter identificado a participação de empresários no financiamento dos atos antidemocráticos. “Há uma grande organização criminosa com funções pré definidas, financiadores, arrecadadores, como é de conhecimento público, tem vários números de pix”, afirmou o Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo. Segundo ele, há suspeitas de que existe uma organização em nível nacional.
5. Segundo reportagem da Agência Pública, as lojas da Havan foram pontos de concentração dos protestos golpistas em Santa Catarina. Relatório da PRF presente na matéria aponta que, na manhã de 31 de outubro, as empresas Havan e Transben Transportes – transportadora da esposa, cunhado e sogro de Hang –
além da Premix Concreto, “haviam deslocado veículos de carga até a manifestação no KM 83 e estavam presentes de forma organizada” no bloqueio da BR-101, na altura do município de Barra Velha (SC). Ali, o protesto foi em frente ao posto de combustível Maiochi, que fica próximo a uma loja da Havan e a uma das garagens da Transben.
6. Não há motivos – senão golpistas – para dúvidas acerca do processo democrático ocorrido em outubro de 2022. A lisura das eleições foi atestada por
1 Disponível em: https://apublica.org/2022/11/aliado-de-bolsonaro-luciano-hang-enviou-caminhoes-para ato-golpista-segundo-prf/
organizações nacionais e internacionais. Aponta o Tribunal Superior Eleitoral, em nota oficial2:
O relatório da Missão da OEA destaca que “a urna eletrônica brasileira
mais uma vez comprovou sua eficácia, produzindo resultados rápidos,
que foram divulgados sem contratempos”.
No documento apresentado, a Missão da Uniore registra a
maturidade brasileira com relação ao uso do sistema eletrônico de
votação – que se tornou um dos principais aspectos da cultura cívica
brasileira –, bem como a vocação democrática e o civismo do povo
brasileiro no exercício da democracia.
O relatório da Rojae-CPLP afirma que o sistema eletrônico de votação,
uma vez mais, mostrou-se seguro e confiável, não dando margem a
reclamações sobre a transparência do processo. A instituição sublinha
ainda que o Brasil é um dos poucos países do mundo que, em menos
de quatro horas, projeta quase 100% dos resultados eleitorais.
De acordo com o relatório da Missão do Parlasul, a utilização das
urnas eletrônicas, nas condições observadas, revelou-se segura, não
sendo registrado nenhum inconveniente na sua utilização em todas
as seções eleitorais visitadas.
Já o Idea Internacional parabeniza a Justiça Eleitoral, e o TSE em
particular, pela imparcialidade, eficiência e profissionalismo na
atuação. A nota da organização confirma a integridade e a eficiência
do sistema eletrônico de votação e destaca que, apesar do ambiente
político complexo, com preocupações democráticas e múltiplas
tensões, as eleições têm sido um trunfo fundamental para fortalecer
os alicerces da democracia brasileira.
O Carter Center ressalta no documento a lisura das eleições brasileiras,
com base no vasto conjunto de procedimentos de auditoria no
software de votação. Para a Missão, o Brasil criou um sistema
eletrônico de votação abrangente em 1996, para ultrapassar questões
de fraude com cédulas de papel, que tornou mais fácil a participação
de grupos excluídos no processo de votação e que tem sido utilizado
de forma bem-sucedida em todas as eleições brasileiras.
Por sua vez, a RMJE atesta que “as urnas eletrônicas usadas pelo Brasil
desde 1996 se provaram confiáveis e eficientes”, e que os mecanismos
de identificação do eleitor, incluindo a biometria, “proporcionaram
certeza na eleição e resultados tempestivos”. A Missão afirma ainda
que, a partir das informações coletadas antes, durante e após a visita
2 Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Novembro/organismos internacionais-e-nacionais-atestam-a-confiabilidade-das-eleicoes-brasileiras
ao Brasil, aprova todas as medidas adotadas pela Justiça Eleitoral
brasileira para combater a violência política sob um contexto político
polarizado, assim como todos os esforços de coordenação
necessários para garantir a integridade do processo eleitoral e a
segurança dos cidadãos durante a votação, protegendo, assim, a
vontade do eleitor.
O relatório do Ifes foi bem específico em cada item observado,
principalmente nos dias de votação, quanto à atuação das entidades
fiscalizadoras (como ações do Tribunal de Contas da União, das Forças
Armadas etc.), aos testes de integridade, ao sistema eletrônico de
votação, ao preparo de todos que trabalharam para a Justiça Eleitoral
durante o pleito e ao comportamento do eleitorado. Ressalta também
o grande número de eleitores, o aumento de votos e a votação em
trânsito e no exterior.
O relatório preliminar da Transparencia Electoral América Latina
destaca a decisão histórica do TSE de criar as condições para o
estabelecimento de Missões de Observação Eleitoral no país. A Missão
reconhece o esforço do Tribunal na luta contra a desinformação,
enfatiza a capacitação e a performance dos mesários e define o
processo eletrônico de votação brasileiro como um “exemplo de boas
práticas em matéria eleitoral”.
7. É preciso ressaltar, infelizmente, o histórico de disseminação de fake news, com intuito golpista, do ex-Presidente Bolsonaro: ele, desde o início da sua Presidência, vem arquitetando o atual cenário que vivemos. Citando o primeiro de muitos exemplos, o ex-Presidente Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo para acusar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de fraudar eleições no passado. Ele insistiu na existência de um padrão nas eleições de 2014, que não aparece nos dados do TSE, e exibiu vídeo no qual um “hacker” mostrava como fraudar uma urna que ele próprio programou. “As curvas de Aécio e Dilma, quando se cruzaram, se estabeleceu um padrão dali pra frente (…) Isso é a mesma coisa que 240 vezes você jogar uma moeda para cima e, daí pra frente, uma hora dá cara, outra dá coroa”, completou o ex-Presidente Bolsonaro3.
3 Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/07/29/apos-tres-anos-falando-em-fraudes eleitorais-bolsonaro-faz-live-com-noticias-falsas-e-admite-nao-ter-provas-das-acusacoes.ghtml
8. A Agência Lupa, especializada em fact-checking, em trabalho conjunto com a Revista Piauí, mostrou que tal declaração era mentirosa. Ao contrário do que Bolsonaro afirma, a “coincidência” que levantaria a suspeita de fraude nas eleições de 2014 é fantasiosa. Dados oficiais do TSE mostram que, em momento algum, Dilma e Aécio se alternaram na liderança das parciais por 240 vezes. 4 Na verdade, a “troca” seguida de lideranças aconteceu por, no máximo, quatro atualizações, em duas ocasiões depois das 22h, quando a apuração já estava praticamente concluída.
9. Essa trajetória, por evidente, não é evidência de fraude eleitoral. Em 2014, as eleições foram realizadas durante o horário de verão. Contudo, apenas os estados do Sul e do Sudeste, além de Distrito Federal e Goiás, adiantaram seus relógios. Por isso, a eleição acabou às 17h nessas localidades. No resto do país, as urnas foram fechadas a partir das 18h. Em algumas partes do Norte, o encerramento se deu às 19h ou às 20h. O que Jair Bolsonaro propunha era questionar o sistema eleitoral e incentivar violência por parte de seus apoiadores.
10. Na mesma live, o ex-Presidente Bolsonaro arremata: “As mesmas pessoas que tiraram o Lula da cadeia vão contar os votos”. Mais uma evidente fake news5. O ex-Presidente Bolsonaro continua: “Hoje a maioria da população já é favorável à mudança do processo eleitoral". Outra inverdade. Pesquisa do Datafolha divulgada em 4 de janeiro de 2021 apontava que 73% dos entrevistados preferiam que o país siga usando o sistema atual. A volta ao modelo anterior, com votação em papel, foi defendida por 23% dos entrevistados; 4% não opinaram6. No dia 13 de julho, uma pesquisa encomendada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) ao Instituto de Pesquisa MDA apontou que 63,7% da população acredita que o modelo das urnas eletrônicas é transparente e seguro. Além disso, apontou que 45,5% dos
4 Disponível em:
https://docs.google.com/spreadsheets/d/1eXsqgLsnNfjj5JHh_PViHO4GWoq7BGADyQDOzjTZQOs/edit#gi d=0
5 Disponível em: https://dev2-piaui.folha.uol.com.br/lupa/2021/07/30/live-bolsonaro-votos/ 6 Disponível em: https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2021/01/1989199-73-defendem urnas-eletronicas-e-23-querem-volta-do-voto-impresso.shtml
entrevistados já tiveram a experiência de votar com cédulas de papel, e 76,2% dessas pessoas demonstraram que o antigo modelo gerava desconfiança ou nenhuma confiança na apuração dos resultados. 7
11. Bolsonaro não parou por aí. No fim da live, falou: “Outros também de pessoas que, no dia das eleições, foram votar e o nome do seu candidato não apareceu na tela. Por incrível que pareça, as reclamações só tinham uma mão, queria votar no 17 e aparecia nulo ou automaticamente o 13. Quem queria votar no 13, não aparecia 17 e nem nulo.” A Justiça Eleitoral analisou diversas alegações similares aos exemplos de Bolsonaro e não encontrou nenhuma irregularidade. Em 7 de outubro de 2018, a Agência Lupa publicou verificação sobre uma suposta urna que completava automaticamente o número 13, do candidato Fernando Haddad (PT), quando o número “1” era digitado. Contudo, o vídeo havia sido editado. O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) analisou o vídeo e constatou que havia um corte entre o momento em que o número é digitado e o que o número “3” aparece8.
12. O Tribunal Superior Eleitoral, em nota à imprensa, reforçou que, desde a implantação das urnas eletrônicas em 1996, jamais se documentou qualquer episódio de fraude. “Desde a implantação das urnas eletrônicas em 1996, jamais se documentou qualquer episódio de fraude. Nesse sistema, foram eleitos os Presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. Como se constata singelamente, o sistema não só é íntegro como permitiu a alternância no poder”, afirma em nota. 9
13. A nota vai além e adverte: “A realização de eleições, na data prevista na Constituição, é pressuposto do regime democrático. Qualquer atuação no sentido
7 Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Julho/pesquisa-cnt-revela-que-63-7- dos-brasileiros-confiam-na-urna-eletronica
8 Disponível em: https://dev2-piaui.folha.uol.com.br/lupa/2018/10/07/verificamos-video-urna autocompleta/
9 Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Julho/nota-a-imprensa
de impedir a sua ocorrência viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade”.
14. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também se manifestou duramente sobre as declarações do Ex-Presidente da República. Em nota de repúdio, assinalou: “Desde a implantação da urna eletrônica nenhum episódio de fraude restou comprovado, o sistema eletrônico de votação trouxe celeridade e segurança ao eleitor, candidatos e partidos políticos. É inadmissível que um homem público, que jurou respeitar a Constituição e leis, ataque ministros da Suprema Corte e desfira ameaças ao regime democrático, caso não haja o retorno do voto impresso. A delituosa declaração afronta os demais Poderes, o Estado democrático de direito e, principalmente, desrespeita o povo brasileiro”. 10
15. O Grupo Prerrogativas, em nota com o título “As urnas e a democracia: o que revela a demanda bolsonarista pelo voto impresso”, também aborda as fake news do ex-Presidente Bolsonaro – e suas ramificações. Parte de sua nota busca pontuar as contradições do discurso bolsonarista: “Ainda que, por livre suposição, houvesse motivos para desconfiar da lisura do processo de votação, a simples impressão do voto não garantiria que as eleições brasileiras sejam auditáveis, pois o voto é impresso pelo mesmo software que atualmente conta digitalmente os votos colhidos nas urnas eletrônicas brasileiras. Mesmo que possua apoio em poucos setores políticos de boa-fé, a proposta de voto impresso defendida por Bolsonaro e seus asseclas possui o objetivo único de tumultuar o processo eleitoral de 2022, a partir da promoção de uma desconfiança infundada, e diante do evidente temor de ser democraticamente derrotado”. 11
10 Disponível em: https://oabsma.org.br/oab-rs/nota-de-repudio-declaracao-do-presidente-da-republica sobre-sistema-eleitoral/
11 Disponível em: https://www.prerro.com.br/as-urnas-e-a-democracia-o-que-revela-a-demanda bolsonarista-pelo-voto-impresso/
16. Para além da nota do TSE supracitada, nota conjunta, assinada por todos os presidentes do Tribunal Superior Eleitoral desde 1988, juntamente com o então Presidente, Ministro Barroso, e seu vice, Ministro Fachin, defende o modelo atual de eleições no Brasil. A nota é firme na defesa do atual sistema, conforme pode ser visto:
“O Presidente, Vice-Presidente, futuro Presidente e todos os ex
Presidentes do Tribunal Superior Eleitoral desde a Constituição de
1988 vêm perante a sociedade brasileira afirmar o que se segue:
Eleições livres, seguras e limpas são da essência da democracia. No
Brasil, o Congresso Nacional, por meio de legislação própria, e o
Tribunal Superior Eleitoral, como organizador das eleições,
conseguiram eliminar um passado de fraudes eleitorais que
marcaram a história do Brasil, no Império e na República.
Desde 1996, quando da implantação do sistema de votação
eletrônica, jamais se documentou qualquer episódio de fraude nas
eleições. Nesse período, o TSE já foi presidido por 15 ministros do
Supremo Tribunal Federal. Ao longo dos seus 25 anos de
existência, a urna eletrônica passou por sucessivos processos de
modernização e aprimoramento, contando com diversas camadas
de segurança.
As urnas eletrônicas são auditáveis em todas as etapas do
processo, antes, durante e depois das eleições. Todos os passos,
da elaboração do programa à divulgação dos resultados, podem
ser acompanhados pelos partidos políticos, Procuradoria-Geral da
República, Ordem dos Advogados do Brasil, Polícia Federal,
universidades e outros que são especialmente convidados. É
importante observar, ainda, que as urnas eletrônicas não entram
em rede e não são passíveis de acesso remoto, por não estarem
conectadas à internet.
O voto impresso não é um mecanismo adequado de auditoria a se
somar aos já existentes por ser menos seguro do que o voto
eletrônico, em razão dos riscos decorrentes da manipulação
humana e da quebra de sigilo. Muitos países que optaram por não
adotar o voto puramente eletrônico tiveram experiências
históricas diferentes das nossas, sem os problemas de fraude
ocorridos no Brasil com o voto em papel. Em muitos outros, a
existência de voto em papel não impediu as constantes alegações
de fraude, como revelam episódios recentes.
A contagem pública manual de cerca de 150 milhões de votos
significará a volta ao tempo das mesas apuradoras, cenário das
fraudes generalizadas que marcaram a história do Brasil.
A Justiça Eleitoral, por seus representantes de ontem, de hoje e do
futuro, garante à sociedade brasileira a segurança, transparência e
auditabilidade do sistema. Todos os ministros, juízes e servidores
que a compõem continuam comprometidos com a democracia
brasileira, com integridade, dedicação e responsabilidade”. 12
17. Durante a votação do voto impresso na Câmara dos Deputados, Bolsonaro foi abertamente golpista, conforme se depreende da da fala do Ex-Presidente: “Sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição. Nós mais que exigimos, podem ter certeza, juntos, porque vocês são, de fato o meu exército, o nosso exército, fazer com que a vontade popular seja expressada na contagem pública do voto. Nós temos que ter a certeza de que quem você porventura votar, o seu voto vai ser computado para aquela pessoa. As eleições últimas estão recheadas de indício fortíssimo de manipulação. Isso não pode ser admitido por mim e nem por vocês. Nós, juntos, somos a expansão da democracia no Brasil. O nosso entendimento, a minha lealdade ao povo brasileiro, o meu temor a Deus, a nossa união nos libertará da sombra do comunismo e do socialismo”.
18. Essa breve retrospectiva sobre o questionamento de Jair Bolsonaro sobre o sistema eleitoral é fundamental para entender os atuais atos antidemocráticos e terroristas que estão sendo preparados e executados pelos apoiadores do Presidente Jair Bolsonaro. O Representado preparou, articulou e incentivou tais atos.
19. Isto é, ao atacar o sistema eleitoral tecendo críticas desde uma suposta vulnerabilidade das urnas eletrônicas até sustentar a existência de conchavos na cúpula do Poder Judiciário para impedir sua vitória no pleito eleitoral de 2022, Jair Messias Bolsonaro mobilizou deliberadamente suas bases sociais para não aceitar
12 Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/08/02/em-nota-ex-presidentes-do-tse desde-1988-defendem-modelo-de-eleicoes-do-brasil-veja-integra.ghtml
qualquer resultado que não fosse vitorioso, sendo muitas as suas falas no sentido de instigar e incentivar seus aliados criminosos, a saber:
“Pelas minhas andanças pelo Brasil, em especial nos últimos dois
meses, se nós não ganharmos no primeiro turno, algo de anormal
aconteceu dentro do TSE”13.
"Pessoal, presta atenção. É sério o que vou falar aqui. Tem muita
gente filmando, então tem repercussão. Lá atrás, no passado (tô
com 66 anos), sempre se buscava fraudar de uma forma ou outra
as eleições, papel, botando mesário para contar voto favorável a
ele, anulando votos de quem não interessava. Porque é a luta do
poder. Hoje em dia, mudou. É de cima para baixo. A fraude está
no TSE, para não ter dúvidas. Isso foi feito em 2014. Em 2014, se
mostrou a apuração minuto a minuto"14.
"Eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, estar
morto ou a vitória. Pode ter certeza que a primeira alternativa não
existe. Estou fazendo a coisa certa e não devo nada a ninguém.
Sempre onde o povo esteve, eu estive"15.
“Não podemos admitir um sistema eleitoral que não oferece
qualquer segurança por ocasião das eleições. E dizer que não é
uma pessoa do TSE que vai nos dizer que esse processo é seguro
e confiável16”.
20. Tal postura de atacar as instituições responsáveis pelo processo eleitoral somada a completa ausência de uma declaração dirigida a seus apoiadores reconhecendo sua derrota no pleito demonstram de maneira inconteste que Jair Messias Bolsonaro está deliberadamente mantendo sua base radicalizada ativa, o que culminou em diversos atos criminosos e terroristas ao redor do Brasil, configurando uma verdadeira organização criminosa contra a democracia.
13 Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/09/5037776-bolsonaro-se nao-ganharmos-no-1-turno-algo-de-anormal-aconteceu-no-tse.html.
14 Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/07/4936558-bolsonaro volta-a-atacar-elelcoes-a-fraude-esta-no-tse.html.
15 Disponível em: https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2021/08/28/bolsonaro-diz-durante evento-em-igreja-que-tem-tres-alternativas-de-futuro-estar-preso-ser-morto-ou-a-vitoria.ghtml 16 Disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2021/09/07/bolsonaro-diz-que-so sai-preso-morto-ou-com-vitoria-e-desafia-jamais-serei-preso.html
21. Neste sentido, destacam-se os já mencionados fechamentos de rodovias nos mais diversos Estados da Federação com uso de violência e com reinvindicações golpistas17; os acampamentos em frente a quartéis pleiteando uma ação violenta das Forças Armadas contra o Presidente democrática e legitimamente eleito; bem como o protesto ocorrido em Brasília em 12/12/2022, ocasião em que bolsonaristas praticaram atos de terrorismo em protesto à diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva18.
22. Em nenhuma ocasião houve pronunciamento do então Presidente da República na tentativa de arrefecer os ânimos de sua base, o que denota que tal atitude dos terroristas da organização criminosa é liderada por Jair Messias Bolsonaro, que é a única pessoa verdadeiramente interessada no caos social na tentativa de desconsiderar o resultado das eleições.
23. Assim, cumpre destacar que, ao silenciar acerca das condutas de células fascistas de seus apoiadores, Jair Messias Bolsonaro mantém seus asseclas constantemente mobilizados, fazendo do seu “silêncio eloquente” a mensagem para que não esmoreçam em seu intento golpista.
24. Neste sentido foi a entrevista concedida por James Martin, professor de teoria política na Goldsmiths, em Londres, ao Jornal O Globo19, a saber:
Há uma retórica da dúvida sobre o que vai acontecer. E isso cria um
espaço no qual as pessoas fazem perguntas. O ponto é todos se
perguntarem para que, assim, ele possa dar as respostas. Ao ficar
17 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/manifestantes-na-br-163-impedem-pai de-levar-crianca-a-cirurgia-oftalmologica-em-mt/;
https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/11/03/interna_politica,1416995/bolsonaristas invadem-onibus-escolar-e-agridem-estudantes-em-sp.shtml ; https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/11/03/interna_politica,1416995/bolsonaristas invadem-onibus-escolar-e-agridem-estudantes-em-sp.shtml
18 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/manifestantes-tentam-invadir-predio-da policia-federal-em-brasilia-diz-a-pm/
19 Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2022/12/entrevista-mesmo-calado bolsonaro-usa-retorica-da-duvida-como-truque-analisa-cientista-politico-britanico.ghtml.
calado, Bolsonaro constrói uma sede, um anseio por explicações. Ele
estabelece um tipo de confusão, uma retórica na qual não está
exatamente clara sua posição. Se você usa o tempo pós-eleitoral para
criar dúvida, as pessoas vão se perguntar: o que ele vai fazer? O que
vem na sequência? Vimos isso com Trump, mas é clássico. Mussolini
também fez isso. Quando as respostas vêm, as pessoas as recebem
porque aguardaram o sinal gerado pelo silêncio. É, de certo modo,
brincar junto com o público.
25. Tal postura de Jair Messias Bolsonaro, somada ao seu amplo histórico de discurso de ódio e violência contra seus opositores, portanto, passou a mover seus aliados para a prática de terrorismo, como o caso de George Washington de Oliveira Sousa, que foi preso após tentar explodir um caminhão de combustível em via próxima ao Aeroporto Internacional de Brasília20.
26. O referido criminoso foi categórico em seu depoimento policial: "O que me motivou a adquirir as armas foram as palavras do presidente Bolsonaro, que sempre enfatizava a importância do armamento civil dizendo o seguinte: 'Um povo armado jamais será escravizado'".
27. Neste ponto, merece atenção à lógica implantada por Jair Messias Bolsonaro durante seu malfadado governo: a radicalização como método de mobilização de suas bases e a ampliação do armamento nas mãos de seus asseclas como objetivo de se perpetuar no poder.
28. Conforme levantamento elaborado pelo o Instituto Igarapé21, o “armamento em poder de civis aumentou em 65% em dois anos”, chegando a mais de 1,151 milhão de armas nas mãos de cidadãos. Em 2020, a média diária do registro de armas feito por pessoas físicas na Polícia Federal foi de 378, quando em 2017 essa
20 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/12/suspeito-de-terrorismo-no-df-diz que-fala-de-bolsonaro-o-incentivou-a-ter
armas.shtml?utm_source=app&utm_medium=push&utm_campaign=pushmultiplo&utm_content= pushfolha+pushpoder&id=1671999992
21 https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2021/09/2021-09-17-v2-boletim-1-Descontrole-no alvo.pdf
média era de 43 armas; ao passo que Em 2020, 2.121 militares atuaram em operações de fiscalização, número 28% menor que em 2018 e 54% menor que em 2019”; como resultado, apenas 2,3% do total de acervos privados foram fiscalizados pelo Exército em 202022.
29. Nota-se, assim, que a Gestão Bolsonaro criou, deliberadamente, uma enorme massa de pessoas fortemente armadas que não aceitam o resultado das últimas eleições, tudo isso sob uma fragilizada política de fiscalização que desconhece o destino e o paradeiro de armas e munições. O objetivo de Jair Bolsonaro sempre foi armar suas milícias para atuarem contra o resultado eleitoral.
30. Pois bem, retomando ao episódio do terrorista que tentou explodir um caminhão tanque nas imediações do Aeroporto Internacional de Brasília, é importante destacar que o criminoso, que trabalha como gerente de um posto de gasolina no interior do Estado do Pará, informou que obteve a licença de CAC em outubro de 2021 e, até dezembro de 2022, havia comprado o equivalente a 160 mil reais em armamentos e munições.
31. O ato, ao que tudo indica, foi financiado por terceiros não identificados, considerando que uma pessoa que trabalha como gerente de um posto de gasolina no interior do Estado do Pará não teria mais de R$ 10.000,00 sobrando todos os meses para gastar com armas e munições.
32. Ademais, imperioso colacionar as informações apuradas pela imprensa acerca do caso:
Preso na noite de sábado (24), George Washington afirmou em
depoimento à Polícia Civil que planejou com manifestantes do QG
(Quartel General) no Exército a instalação de explosivos em pelo
menos dois locais da capital federal para "dar início ao caos" que
22 https://soudapaz.org/noticias/folha-de-s-paulo-exercito-admite-nao-conseguir-detalhar-armas nas-maos-de-atiradores-e-cacadores/
levaria à "decretação do estado de sítio no país", o que poderia
"provocar a intervenção das Forças Armadas".
Na versão dada por ele aos policiais, ele mencionou o artefato
localizado no sábado nas imediações do aeroporto de Brasília e
também planos da instalação de explosivos em postes próximos a
uma subestação de energia em Taguatinga, cidade do Distrito Federal.
George Washington disse que, após o segundo turno das eleições,
passou a participar de protestos no Pará em apoio a Bolsonaro e
contra o resultado das eleições, vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), e que no dia 12 de novembro foi para Brasília.
Narrou que fez o trajeto de carro, uma caminhonete, e colocou no
bagageiro "duas escopetas calibre 12, dois revólveres calibre .357, três
pistolas, sendo duas Glocks e uma CZ Shadow, um fuzil Springfield
calibre .308, mais de mil munições de diversos calibres e cinco
bananas de dinamite".
De acordo com a versão dele, o único item que não tinha licença para
"possuir" eram as dinamites que teria adquirido por R$ 600 de um
"um homem do Pará", entregues na capital do país. (Grifamos).
33. Todos esses fatos trazidos à baila na presente Petição deixam claro de que existe um modus operandi articulado pela extrema-direita – liderado pelo ex Presidente da República: atacar o processo democrático, incitar a violência e manter um clima constante de guerra e violência com o objetivo de desestabilizar a democracia brasileira.
DO DIREITO
34. A conduta do representado, como já denunciado por estes signatários inúmeraz vezes, traz ofensivas à democracia e à Constituição Federal de 1988. O discurso do ódio é construído como ferramenta de disseminação e incitação da violência trabalha flagrante e criminosamente em detrimento de ideias e posturas defendidas pela Constituição Federal de 1988.
35. A Constituição consagrou a República Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direito, baseado na soberania popular e com eleições livres e periódicas. Por sua vez, a aplicação do princípio democrático não se resume às
eleições periódicas, mas rege o exercício de todo poder, o qual, segundo texto constitucional, emana do povo (art. 1º, parágrafo único). O texto constitucional é claro no sentido de que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político e se rege em suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 1º, I, III e IV, e 4º, II).
36. Este rol de direitos fundamentais, construído pelo Constituinte de 88 é fruto de um processo social e político profundo e atravessado pela historicidade do contexto em que foi formulado, isto é, a superação da Ditadura Civil-Militar e a construção do regime democrático - que vemos hoje ameaçado cotidianamente. A Ditadura Civil-Militar marcou a história brasileira pelo seu caráter profundamente violento e autoritário; pela prisão, tortura, assassinato e desaparecimento forçado de opositores políticos, entre outras atrocidades, todas reconhecidas pela sociedade e pelo Estado Brasileiro.
37. O período inaugurado pelo Golpe Militar de 1964, e tantas vezes enaltecido pelo Representado, também é marcado pela disseminação da prática da tortura por agentes de Estado nos mais diversos órgãos, prática repudiada pela Constituição Federal e considerada crime inafiançável e imprescritível (art. 5º, XLIII). A Constituição de 1988 reconheceu os horrores do período que o Deputado condenado e seus aliados buscaram enaltecer. Importante mencionar que incitando o ódio e encorajando atos de violência, o ex-Presidente atenta contra princípios fundamentais ao Estado de Direito e contra o próprio regime democrático.
38. A Constituição Federal de 1988 foi promulgada como o marco da superação da Ditadura empresarial-militar que maculou nosso pais por mais de duas décadas, prevendo em seu texto elementos concretos que refundaram o Estado Social e Democrático de Direito, como limitação do Poder, estrutura do Estado e de suas Instituições, um amplo rol não exaustivo de direitos fundamentais individuais e sociais; a determinação de que a ação de grupos armados, civis ou militares, contra
a ordem constitucional e o Estado Democrático; constitui crime inafiançável e imprescritível; etc.
39. É de rigor destacar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos possui diversos entendimentos acerca da necessidade de se investigar e punir os crimes cometidos pelos agentes públicos em nome das sanguinárias ditaduras que vigoraram durante a segunda metade do Século XX, como se observa nos casos Velásquez Rodríguez vs. Honduras; Blake vs. Guatemala; Barrios Alto vs. Peru;
Gómez Palomino vs. Peru; Goiburú e outros vs. Paraguai; Almonacid Arellano e outros vs. Chile; Gomes Lund e outros (Caso “Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil; Gelman vs. Uruguai; Rodríguez Vera e outros (Caso “Desaparecidos do Palácio de Justiça”) vs. Colômbia; Vladimir Herzog vs. Brasil; dentre outros.
40. Feitas tais considerações, é imperioso que o Estado brasileiro, a fim de reafirmar os princípios constitucionais sensíveis e a defesa intransigente do Estado Democrático de Direito, não opte novamente pelo perdão seletivo dos crimes cometidos contra a Democracia, sendo necessárias a firme apuração pelos crimes e a efetiva responsabilização de seus agentes.
41. Justamente no contexto de superação da lógica autoritária imposta pela ditadura militar, foi promulgada a Lei 14.197/2021, que incluiu diversos tipos no Código Penal a fim de proteger o Estado de Direito e suas instituições.
42. Acerca da referida alteração legislativa, é necessário trazer ao debate as considerações de Lilian Assumpção em artigo para o Le Monde Diplomatique:
“A revogação da LSN e criação de um novo conjunto de normas
incriminadoras pautadas por um paradigma democrático é um avanço
civilizatório importantíssimo à jovem democracia brasileira. A
proteção penal da higidez do Estado Democrático de Direito é
essencial para garantir a preservação dos direitos fundamentais do
povo.
A história recente da humanidade tem demonstrado que as rupturas
institucionais e as ruínas das democracias contemporâneas ocorrem
não mais com golpes violentos, mas de forma insidiosa, dissimulada e
gradual.
Potenciais autocratas utilizam-se das próprias leis e do próprio
processo eleitoral para corroer a firmeza das instituições e, com isso,
enfim, subverter toda a lógica da estrutura democrática, centralizando
o poder e reprimindo liberdades individuais”. 23
43. Pois bem, é possível verificar que diversas condutas praticadas por Jair Messias Bolsonaro se amoldam, em tese, aos tipos penais inseridos pela Lei 14.197/2021 no Código Penal, a saber:
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir
o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o
exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena
correspondente à violência.
Interrupção do processo eleitoral
Art. 359-N. Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu
resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança
do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Golpe de Estado
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o
governo legitimamente constituído:
23 Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-revogacao-da-lei-de-seguranca-nacional-e-os novos-crimes-contra-o-estado-democratico-de-direito/
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena
correspondente à violência.
44. É evidente que Jair Bolsonaro – e seu golpismo, mais do que provado nesta petição – causa concreto risco à ordem pública, posto que seus atos e omissões estrategicamente pensadas insuflam seus asseclas cada vez mais radicalizados, conforme a já mencionada tentativa de explosão de um caminhão tanque nas imediações do Aeroporto Internacional de Brasília com o escopo de criar pânico social e supostamente “autorizar” que as Forças Armadas ignorem o resultado de eleições livres e justas.
45. Conforme informado pelo próprio terrorista que tentou efetuar a referida explosão, ele não agiu de maneira isolada, demonstrando a existência de uma coordenação das ações terroristas praticadas por pessoas muito bem armadas e com fidelidade ao ex-Presidente, configurando verdadeira organização criminosa,
o que denota o risco da permanência de Jair Messias Bolsonaro em liberdade.
46. É certo que a ato de insuflar multidões ao golpismo ao deslegitimar o processo eleitoral (entre outras, a mais recente tentativa de atentado à bomba) também deve acarretar a segregação cautelar de Jair Messias Bolsonaro, sob pena de se confessar que o sistema de justiça penal serve apenas para massacrar pessoas negras e pobres.
47. A presença dos requisitos autorizativos da prisão preventiva estão absolutamente demonstrados e foram objetos de ampla cobertura da imprensa ao longo do últimos quatro anos: em relação ao fumus comissi delicti, não há qualquer dúvida de que Jair Messias Bolsonaro estimula os atos golpistas, dando declarações de que não seria possível aceitar os resultados da eleição em que não se sagrasse vencedor a fim de justificar o armamento de seus seguidores; por sua vez, o periculum libertatis está demonstrado com a cada vez maior radicalização de sua
base a partir do silêncio insidioso e estratégico do ex-Presidente, caracterizando verdadeiro risco à ordem pública.
48. Neste sentido, em que pese o esgarçamento do conceito de ordem pública a fim de justificar o elevado número de prisões preventivas ilegais no nosso país, se existe algum caso que demonstre concretamente tal dado é a permanência em liberdade de Jair Bolsonaro, que, repise-se, mantém mobilizada sua base de apoiadores com consequências imprevisíveis no campo de atentados terroristas e homicídios com o espoco de trazer pânico e caos à sociedade e “justificar” uma ação das Forçar Armadas contra o resultado das eleições de 2022.
49. Ademais, o fato de Jair Messias Bolsonaro ter viajado aos Estados Unidos da América ainda enquanto Presidente da República sem qualquer justificativa oficial a fim de evitar estar no território brasileiro a partir do final de seu mandato também se revela como um elemento que evidencia o periculum libertatis, posto se consubstanciar em risco à aplicação da lei penal, devendo, ao menos, ter seu passaporte apreendido a fim de que não volte a fugir caso volte ao território brasileiro.
50. Isto é, Jair Messias Bolsonaro, sabendo que não estaria mais protegido pela imunidade prisional prevista no artigo 86, § 3º, da Constituição Federal de 1988 (imunidade penal temporária), deliberadamente fugiu a fim de evitar a decretação de eventual prisão preventiva em decorrência da prática de algum de seus inúmeros crimes, motivo pelo qual tal conduta, obviamente, põe em risco a aplicação da própria lei penal, autorizando decretação de sua prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
51. Por fim, mas de maneira não menos importante, substanciado no permissivo do inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal, nos termos da Lei 9.296/96 e preenchidos os requisitos legais dos art. 1º a 4º da lei, pugna-se de
decretação de ofício de quebra de sigilo telefônico e telemático de Jair Messias Bolsonaro, sendo tal medida imprescindível para se apurar de maneira concreta a existência de relação entre o ex-Presidente da República e os organizadores das manifestações antidemocráticas que foram realizadas previamente às eleições com o escopo de ameaçar as instituições sobre o resultado do pleito, bem como às posteriores às eleições, ainda mais radicalizadas e que pugnam pela ação das Forças Armadas contra a soberana manifestação do povo.
52. Neste sentido, é urgente que tais episódios sejam investigados pelas instâncias competentes, não só para elucidação do caso, mas também para punição do ex-Presidente Jair Bolsonaro, que vem enfraquecendo, profunda e sistematicamente, a democracia brasileira. É fundamental que os poderes constituídos tomem as providencias cabíveis para punir Jair Bolsonaro pelos atentados recorrentes contra o Estado Democrático de Direito.
DOS PEDIDOS
Pelo exposto, em defesa da Constituição Federal da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito, requeremos a V. Exa:
a. Que V. Exa. determine a efetiva e competente investigação e apuração das responsabilidades do EX-PRESIDENTE JAIR MESSIAS BOLSONARO, pelos meios legais disponíveis, no âmbito do Inquéritos nº 4.874, com o objeto de apurar discursos golpistas semelhantes aos que já foram identificados no Inquérito nº 4781/DF, com a possível finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito, diante de todas as circunstâncias dos fatos e crimes aqui noticiados;
b. Com a urgência que se faz necessária, que Vossa Excelência determine a
imediata tomada de depoimento do Sr. JAIR MESSIAS BOLSONARO;
c. Que seja determinada por Vossa Excelência, de ofício, as eventuais quebras de sigilo telefônico e telemático do Sr. JAIR MESSIAS BOLSONARO, com o objetivo de averiguar a participação nos atos antidemocráticos e nos ataques com o objetivo de propagar discurso de ódio e de ruptura ao Estado de Direito e da Democracia;
d. Que seja determinada por Vossa Excelência a apreensão do Passaporte do ex-Presidente Jair Bolsonaro, considerando o iminente risco de fuga e de não retorno ao país;
e. Que seja determinada por Vossa Excelência mandado de busca e apreensão de todo e qualquer documento, vídeo, pen-drive e ou qualquer outro meio comprobatório relacionado aos ataques ao sistema eleitoral, determinando se para o acautelamento provisório das referidas provas para evitar a sua destruição, considerando os crimes elencados nessa petição;
f. Considerando a reincidência em crimes já anteriormente cometidos e o reiterados ataques ao processo eleitoral e ao Estado Democrático de Direito, que seja determinada a prisão preventiva do Sr. Jair Messias Bolsonaro, considerando o cumprimento dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, e a perda, na condição de ex-Presidente, da prerrogativa de foro e da chamada imunidade penal temporária.
g. Seja aberta a vista à Procuradoria-Geral da República para ciência e manifestação, no prazo legal.
h. Nos termos do art. 5º, § 1º, do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, Lei Federal n. 8.906/1994, bem como do art. 104 do CPC, requer-se a juntada posterior de instrumento de mandato.
Nestes termos, pede o deferimento.
Brasília, 02 de janeiro de 2023
PEDRO BRANDÃO OAB/PE 31.352
CAIO CESAR BARBOSA DA SILVA OAB/SP 375.589
ANDRÉ MAIMONI OAB/DF 29.498
ROBERTO DANTAS OAB/PE 47.334
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