domingo, 8 de janeiro de 2023

A cara do novo Brasil * Brasil de Fato

A cara do novo Brasil

_Olá! Passada uma semana da posse, entenda quais são os desafios e o que se pode esperar do governo Lula_.

*.É tudo pra ontem*

O nível de desmonte dos últimos quatro anos dá tons de emergência e salvação nacional ao governo Lula. A Piauí traz alguns dados deste quadro alarmante: nos últimos anos houve aumento da população de rua, de crianças vivendo abaixo da linha da pobreza, de pessoas endividadas e de trabalhadores informais, e redução da renda média da população, especialmente dos mais pobres. 

É claro que um quadro desses é paradoxal para o novo governo. Por um lado, qualquer coisa que se faça é muito, a começar pelos ministérios voltando a funcionar como devem. Neste sentido, o básico ganha ares de revolução, como o Ministério dos Direitos Humanos defendendo os direitos humanos e o Ministério da Saúde retomando o Programa Mais Médicos, por exemplo. 

A contrapartida é a necessidade de elencar prioridades onde tudo é pra ontem, evitando a dispersão de forças, e fazer funcionar uma máquina pública enferrujada. Tudo isso com poucos recursos. Ou seja, não está claro como tudo isso vai funcionar.

 Além disso, a orquestra de 31 ministérios controlados por 9 partidos diferentes ainda não está bem afinada e dará trabalho ao maestro. É o que indicam os pequenos atritos em torno de temas como a reforma da previdência, a lei de injúria racial, sem contar as já esperadas cotoveladas na área econômica entre o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a do Planejamento, Simone Tebet. 

Mas os discursos na posse mostram que Lula pretende ser mais do que o poder moderador de uma frente ampla. Talvez ele assuma, de fato, a liderança da ala esquerda do governo, como aposta Breno Altman, o que aumentaria as insatisfações da centro-direita que participa de um governo já considerado excessivamente petista. 

Já para Antônio Augusto de Queiroz, o mais provável é que o governo tenha cara de centro, facilitando o diálogo com um Congresso mais conservador do que o anterior. Mas ainda há questões nevrálgicas sem resposta: como o novo Congresso se relacionará com o governo? Como Lula e a equipe econômica enfrentarão uma possível piora do cenário econômico? E, ainda, qual será o futuro do bolsonarismo depois que o dono do cercadinho fugiu para Miami?

Os últimos bolsonaristas

Entre os setores que sustentaram o bolsonarismo, as Forças Armadas e a bancada evangélica não foram mencionados diretamente nos discursos de posse de Lula. Mas, o mercado financeiro teve que ouvir que “parasitas rentistas” não serão prioridade, que o teto de gastos é um equívoco e que parem de mimimi porque os petistas sempre foram responsáveis na área fiscal com sucessivos superávits. 

Mais resilientes que os acampados nos quartéis, a Faria Lima não arreda um centímetro e mantém os ataques ao novo governo pela imprensa e pela especulação na bolsa, derrubando o valor das estatais diante dos anúncios de suspensão de privatizações da Petrobras, Correios e parques. 

Se nota que a opção é puramente ideológica quando integrantes do próprio mercado reconhecem que o Brasil agora é um bom investimento. Nem a sinalização de Fernando Haddad com amargos cortes de gastos acalma a bílis financeira. Aliás, a postura de meninos mimados beira o irônico quando o mesmo Haddad, rejeitado pelo mercado até semana passada, agora é pintado como um “novo neoliberal”, “derrotado” por uma suposta ala petista na economia. 

O caso é muito simples: há uma recessão global a caminho e o governo vai precisar optar entre manter a doce vida da Faria Lima ou atender milhões de pobres. E os sinais do governo apontam tanto para a retomada de investimentos sociais, quanto da industrialização, em prejuízo de banqueiros e rentistas. 

Além disso, sai de cena a figura pinochetista do posto Ipiranga de Paulo Guedes e, em seu lugar, a política econômica é distribuída entre Haddad, Simone Tebet, Esther Dweck e Geraldo Alckmin, além do BNDES, onde Aloizio Mercadante montou um verdadeiro ministério no seu entorno. Tudo isso significa também que a palavra final da economia será sempre de Lula.

O capitólio pariu um rato

O bolsonarismo ainda não é uma página virada de nossa história. Os dias de silêncio entre o fim do segundo turno e a fuga para os Estados Unidos ainda precisarão ser preenchidos por jornalistas e historiadores. 

Afinal, Bolsonaro era o golpista que não encontrou o apoio que esperava dos generais Augusto Heleno e Braga Netto e do presidente do PL, Valdemar da Costa Neto? 

Ou era apenas uma marionete nas mãos dos generais? Fato é que, independente de quem fosse mais golpista nesta história, o capitão não encontrou apoio popular ou institucional para suas aventuras. O esvaziamento das redes bolsonaristas e dos acampamentos, reduzidos nos últimos dias à meia dúzia de fanáticos vivendo num universo paralelo, além da fuga covarde para Miami, colocam em xeque os planos do capitão e família de voltar ao Planalto em 2026.

 Afinal, com este saldo negativo, Jair conseguirá se firmar como líder da oposição ou da extrema-direita? É bom lembrar que seu primeiro obstáculo é permanecer livre. Passadas as eleições e com o aval dos novos ocupantes do Palácio do Planalto, Alexandre de Moraes deve pisar no acelerador da caça aos bolsonaristas envolvidos em fake news e em atos golpistas.

 E sem a proteção de Augusto Aras, o relatório da CPI do Covid poderá, agora, atingir em cheio o capitão, além de futuros processos decorrentes da quebra dos “sigilos de 100 anos”. Porém, apesar do coro de “sem anistia” na posse de Lula, a possibilidade de prisão de Bolsonaro é remota, como explica o jurista Pedro Serrano. Mas mesmo que não seja preso, sem financiamento, sem as redes de TV e programas caça-níqueis, sem foro privilegiado e nenhum mandato, Bolsonaro não terá as mesmas condições de 2018 para continuar em evidência.

 Tampouco pode repetir a trajetória de seu ídolo Donald Trump, já que está longe de controlar o PL como o magnata controla o Partido Republicano. Além disso, a antiga coalizão bolsonarista segue em rápida fragmentação, como se vê na disputa pela liderança da bancada evangélica. 

O posto de líder da direita é cobiçado também pelos governadores reeleitos Eduardo Leite e Romeu Zema, mirando o Planalto em 2026. Isso sem contar que o espaço ocupado pelo PSDB até a década passada continua vago e sob olhar atento do PSD. Por enquanto, oposição mesmo ao governo Lula só nas sombras das casernas, com uma pauta de reivindicação bem precisa: que o governo não mexa em privilégios e nem em cargos comissionados da Defesa. 

*fonte: Brasil de Fato*
Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile

ANEXOS
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O capitalismo está podre. Todos sabemos disso. Mas ele não cai sozinho