terça-feira, 25 de abril de 2023

A MORTE DE BOLSONARO * Jornalista Alceu Castilho - SP

 A MORTE DE BOLSONARO

Jornalista  Alceu Castilho - SP


"Há sete anos eu saía do Anhangabaú com uma amiga, Adriana Bezerra, rumo ao Metrô. Cabisbaixos. Lembro-me que pouco mais que resmungávamos.


A votação do golpe na Câmara ainda não tinha acabado. Os deputados faziam suas pedaladas políticas e performances eufóricas, em nome de Deus e da Família.


Fomos parar, sintomaticamente, em um bar chamado Pau Brasil, a rigor sua extensão atrás do cemitério em Pinheiros. Ela ligou o celular. Bebíamos a cerveja como se fosse a última.


Eu não reagia a nada. Fazia os movimentos mínimos em direção ao copo, à garrafa. Parecia-me um minimalismo necessário, uma postura digna diante de uma tragédia coletiva. Um luto.


*

De repente um daqueles deputados exprimiu seu voto de forma diferente. O cinismo na História Brasileira da Infâmia chegava a outro patamar. Não era só um deboche, ainda que fosse também um deboche.


Era uma violência, uma proclamação de uma violência maior. Em cena, após cumprimentar Eduardo Cunha, Jair Bolsonaro.


— Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o terror de Dilma Rouseff...


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Eu mal pude ouvir tudo aquilo. Não dava para ver a cena completa, aquelas cabeças calvas atrás do político, Eduardo Bolsonaro atrás dele, a reproduzir com os lábios o nome do torturador, nome pronunciado de forma pausada, para que o deputado tivesse um prazer especial naquele momento, um gozo diante da sevícia.


— Filho da puta.


Adriana deve se lembrar, eu repeti essas palavras umas 15 vezes, e batia na mesa, meu imobilismo se transformou imediatamente numa indignação expansiva, salvo engano eu pronunciava muitas vezes também a palavra "caralho", enquanto já teorizávamos o significado maior daquele nome, daquele voto.


***

E não podemos nos esquecer.


Sete anos atrás a violência política no Brasil foi autorizada sete vezes sete vezes, naquele voto e nos lábios do 03 e na cabecinha de cada deputado que rondava Bolsonaro e na anuência psicopata de Eduardo Cunha estavam já as destruições posteriores, as implosões de direitos trabalhistas e a limitação de gastos sociais e ambientais, estavam as 700 mil mortes por Covid-19 e o deboche dessas mortes, estava tudo ali, naquela pausa,


naquele momento estava permitido o sadismo.


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Eu jamais perdi a noção, naquele dia, que estávamos diante do aniversário de 20 anos do massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará. E não posso deixar de pensar que, sete anos depois, a nova criminalização do MST em curso, pela extrema-direita fascista a que se dá o nome de oposição, bebe naquelas mesmas águas, naqueles mesmos perdigotos.


Bolsonaro já espalhava o ódio muito antes do dia 17 de abril de 2016, mas naquele dia esta nossa República remota enviou suas embalagens realmente públicas às favas. Estava autorizada a matança.


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Faço o paralelo com 2023, diante da iminência de uma CPI do MST, porque é preciso entender o pêndulo da violência, é preciso entender aquele momento histórico, em 2016, como expressão de um terror que...


.... de um terror que era apenas traduzido por aquele deputado.


Jair Bolsonaro não cometeu aquele crime, não fez aquela homenagem a um torturador, a um criminoso em série, apenas em nome de si mesmo e de seus aliados explicitamente mais raivosos.


Ele pronunciou aquilo e daquela forma porque ele tinha o apoio das elites econômicas deste país, ele e Temer e Eduardo Cunha tinham esse apoio, aquelas palavras criminosas foram financiadas.


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Essa aristocracia que novamente posa hoje de republicana financiou diretamente aquele golpe e aquele sujeito, em 2018, em 2022. 


E é a mesma aristocracia que matou os camponeses em 1996 e não deixou o país ter uma reforma agrária efetiva e que aterroriza os defensores de reformas inclusivas — observem que nem estamos a falar de revolução, mas de reformas.


O mais triste daquele momento infame em 2016 é que não somente Eduardo Bolsonaro mexia os lábios, a concordar com a homenagem do pai a um torturador.


O mais triste é que muito mais gente pronunciou aquelas palavras, ecoou aquela violência, não somente naturalizando-a, mas assumindo-a como senha para políticas públicas destruidoras.


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A gente precisa bater na mesa e dizer, sete anos depois: não, aquela frase não é aceitável e aquele sujeito precisa ser punido especificamente por causa daquele crime, sem prejuízo do julgamento por todos seus crimes posteriores.


Ele precisa ser punido por ter pronunciado daquela forma o nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra.


Aquele asco ainda ecoa e quem quer que seja que minimize o fato precisa ser interditado, a sociedade brasileira precisa passar a limpo aqueles perdigotos."

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*A MORTE DE JAIR BOLSONARO.*


Pelo Twitter, Carlos Bolsonaro disse que deixará as redes sociais de seu pai. O desligamento já vinha ocorrendo. Agora, ele anunciou isso formalmente: "não acredito mais no que me trouxe até aqui". Disse que sairá sem avisar, isto é, sem o chamado "adeus". Ou seja, um dia Jair Bolsonaro terá seu corpo desligado das máquinas, e então perecerá de vez. O Jair zumbi irá embora.


Carlos já terá optado por outro caminho.


Sem Carlos, Jair Bolsonaro é um babaca sem identidade. Voltará a ser o adolescente que ainda não enfrentou o pai. Será aquilo que sempre foi, um tosco comandado por suas mulheres. Estará extinta, de vez, a imagem que de fato já havia se apagado desde o último debate com Lula na Rede Globo. Tal imagem foi criada por Carlos: o homem antissistema, de direita, capaz de inflamar de ódio os ressentidos, o povo necessário para levar adiante um projeto de mudança radical da sociedade. Tratava-se da ideia de fazer a sociedade acreditar que ela própria não existia, que só o indivíduo e a família importam. Era o projeto de implantação daquilo que não poderia ser implantado, uma utopia. Ou melhor: uma distopia: o anarcocapitalismo. 


Carlos sai na hora certa. Ou melhor: sai na hora que não há mais o que fazer. Jair Bolsonaro se deixou destruir por marqueteiros, pelo PL e, principalmente, por Michelle Bolsonaro, conhecida agora como Piricrente. Mas ele não podia fazer diferente! 


Carlos lutou como leão para que o pai continuasse o projeto da campanha que levou Jair a se eleger presidente. Mas, Jair Bolsonaro não podia seguir adiante. Ele jamais foi um homem de rupturas. Carlos confundiu as coisas. Viu no modo às vezes estabanado do pai, um agente de mudanças para a viabilização da selvageria de Steve Bannon. Mas, um tal Jair, nunca foi outra coisa senão o fruto do autoengano de Carlos. Ao perceber agora que não se trata mais disso, Carlos se afasta acusando outros, não propriamente o pai. Ele não tem coragem para tanto. 


O projeto de Carlos ruiu porque Bannon é de fato um enganador. E a morte de Olavo de Carvalho desarticulou o mundo de ódio, intrigas e do destrambelho teórico das redes sociais no Brasil. Além do mais, a direita foi levada a uma atitude politicamente suicida durante a Covid. E, de fato, ela administra mal o país. A esquerda tem condições de tocar o neoliberalismo vigente melhor. 


Ora, de fato, Carlos queria levar o pai para um aventura de "revolução permanente". Uma mobilização contra tudo e todos o tempo todo. Carlos fez da loucura da distopia um horizonte, e achou mesmo que o pai iria acompanhar esse script que um dia lhe disseram que caberia a Jair. Mas Jair sempre foi apenas um medíocre. Nunca foi golpista ou capaz de ser de fato terrorista. Carlos está decepcionado. Está perdido. Está sozinho. Muitos estão órfãos como Carlos. Alguns estão na prisão. Outros vagando por aí esperando mais um líder de direita prometer a eles a volta ao mundo sem civilização. 


Jair seguirá seu caminho de marido traído, de cabo eleitoral de santa do pau oco. Aos poucos, voltará às pescarias, interrompidas por alguma ida a alguma delegacia ou fórum. 


CORUJA PATRIOTICA.99.9103.3899

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O capitalismo está podre. Todos sabemos disso. Mas ele não cai sozinho