PATRÕES E DITADURAS I
"MONTADORA ITALIANA COLABOROU COM ÓRGÃOS DE REPRESSÃO E USOU PROXIMIDADE COM REGIME PARA IMPLANTAR FÁBRICA EM BETIM
Fiat tinha sistema de espionagem e sala exclusiva para interrogar funcionários na ditadura
A Fiat Automóveis S.A. consolidou-se no mercado automobilístico brasileiro nos anos 1980 recebendo benefícios financeiros e isenções fiscais sem precedentes da ditadura militar. Em contrapartida, ela abriu as portas para a espionagem, violação a direitos civis e repressão política no período mais agudo dos anos de chumbo.
A conclusão é da pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), obtida com exclusividade pela Agência Pública, que faz parte do projeto “A responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a ditadura”. O levantamento envolveu 55 pesquisadores e foi conduzido pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf/Unifesp), em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP).
De acordo com os documentos, a montadora italiana e suas consorciadas empregaram por muitos anos um ex-guerrilheiro infiltrado na esquerda cuja traição ajudou a ditadura a destruir a Ação Libertadora Nacional (ALN), uma organização de luta armada que enfrentava o regime. José Silva Tavares, conhecido como Severino ou Vitor, não era um militante qualquer: tinha feito treinamento em Cuba como quadro enviado pela ALN e conhecia por dentro a estrutura e os segredos da esquerda armada. Preso em setembro de 1970 em Belém (PA), foi cooptado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury e por agentes do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), com quem fez um acordo para delatar companheiros, que acabaram presos, torturados e assassinados.
Foi através das informações de Tavares que a equipe de Fleury prendeu e matou o jornalista Joaquim Câmara Ferreira, o “Toledo”, sucessor de Carlos Marighella no comando da ALN, numa emboscada executada em 23 de outubro de 1970 em Indianópolis, zona sul de São Paulo. A pesquisa da Unifesp mostra que a traição dele foi recompensada com alterações em seu perfil nos arquivos policiais, antes classificado como subversivo, o que permitiu, independentemente de suas qualificações profissionais, que a Fiat o contratasse. O caso confirma também, segundo a pesquisa, que a ditadura se utilizou de empresas amigas para “honrar” sua parte em pactos ilegais e sigilosos arrancados nos porões do regime, nos quais militantes da esquerda eram torturados e pressionados a mudar de lado, tornando-se delatores responsáveis por assassinatos e desaparecimentos.
O reaparecimento de Tavares entre os metalúrgicos mineiros, nos anos 1980, demonstra, de acordo com os pesquisadores, que a Fiat colaborou com o aparelho repressivo através de seu sistema de segurança comandado por agentes ligados aos órgãos de repressão. Reportagem da revista Exame, de 14 de outubro de 2010, anexada à pesquisa, noticia que Tavares tinha assumido o cargo de diretor financeiro de operações internacionais da Fiat mundial, na Itália. A matéria informa ainda que, desde 1983, ele ocupava o cargo de diretor administrativo e financeiro da Fiat Automóveis América Latina.
Indiretamente, a empresa deu apoio a acordos secretos e ilegais, segundo os quais os “virados”, como eram conhecidos os militantes que trocavam de lado, como Tavares, eram também protegidos do regime. Dados do relatório “Direito à memória e à verdade”, um documento oficial do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, revelam que, de um total de 434 mortos e desaparecidos no Brasil no período ditatorial, pelo menos 52 militantes pertenciam à ALN e foram eliminados entre 1969 e 1974 durante a guerrilha urbana, a maior parte sob tortura após as prisões. Pelo menos 33 deles foram mortos entre 1971 e 1973, quando as traições, infiltrações e execuções se transformaram em decisões envolvendo a cúpula militar para eliminar os focos de resistência urbana.
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PATRÕES E DITADURAS II
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