OS AFAZERES DOMÉSTICOS SÃO "COISAS DE MULHER?"
N. Krupskaia: os afazeres domésticos são “coisas de mulher”?
Nadezhda Konstantínovna Krúpskaia (1869-1939) foi uma revolucionária, escritora e educadora, tendo sido destacada personalidade do Partido Comunista e do Estado Soviético. Foi esposa de Lênin, com quem se casou em 1898.
Em seu texto “Deve-se ensinar ‘Coisas de Mulher’ aos meninos?”, de 1910, ela defende que os meninos devem começar a se familiarizar com as tarefas domésticas desde cedo, da mesma forma como ocorre com as meninas. A autora entende que a escola tem um papel fundamental a realizar neste sentido.
Na análise de Krupskaia, nas famílias mais abastadas os trabalhos domésticos cabem a uma empregada contratada (cozinheira, faxineira, babá). De forma que “a mulher de posses liberta-se de tais tarefas, encarregando outra mulher que não tem, ela mesma, chance de se libertar. De uma forma ou de outra, todo o trabalho doméstico recai exclusivamente sobre a mulher. No meio operário, o marido às vezes contribui com a esposa nos afazeres. A necessidade o obriga. Ao retornar do trabalho, nos feriados, nos dias de folga, o trabalhador por vezes vai até a mercearia, varre o chão e cuida das crianças. É claro, nem sempre e nem todos fazem isso; além do mais, muitos nem sequer sabem fazê-lo (costurar, lavar), e a esposa, que às vezes também passa o dia trabalhando fora de casa, quando volta, põe-se a lavar roupa, a limpar o chão e fica até tarde da noite costurando, quando o marido há muito está dormindo. Mas se entre os trabalhadores às vezes ocorre de o marido ajudar a esposa com o trabalho doméstico, nas assim chamadas famílias da intelligentsia, por mais desprovidas que sejam, o homem nunca participa desse serviço, deixando que a esposa faça suas ‘coisas de mulher’ da maneira como ela sabe. Um ‘intelligent’ limpando o chão ou remendando a roupa branca seria alvo de gozação de todos à sua volta”.¹
A autora denuncia a hipocrisia presente no discurso de homens que anunciam “seu grande respeito pelo trabalho doméstico”, mas que jamais se rebaixam a efetivamente realizá-lo. Para Krupskaia, estes hipócritas “no fundo de sua alma, desprezam essa tarefa, consideram-na coisa de seres menos evoluídos, possuidores de necessidades mais simplórias”.¹
A revolucionária reconhece que “certos trabalhos que exigem grande força física estão acima da capacidade das mulheres”; entretanto, não há justificativa para que os homens não dividam o trabalho em casa pois “à medida que a mulher é cada vez mais forçada a também se dedicar a assegurar seu ganha-pão, os afazeres domésticos tomam um tempo adicional, e não é justo que os homens não contribuam para a sua realização. Da mesma forma, se a profissão do marido permite que ele tenha muito tempo livre, não é justo que ele considere indigno se dedicar ao trabalho doméstico em pé de igualdade com a esposa”.¹
A autora descreve o papel da “escola livre” na luta contra preconceitos e na superação do princípio da desigualdade entre homens e mulheres: “A escola livre é uma ardente defensora da educação conjunta, uma vez que considera que o trabalho coletivo e as condições iguais de desenvolvimento favorecem a compreensão mútua e a aproximação espiritual dos jovens de ambos os sexos e, assim, servem de garantia para relações saudáveis entre homens e mulheres. A partir desse ponto de vista, a escola livre, ao ensinar trabalhos manuais, não deve diferenciar crianças de sexos distintos. É preciso que meninos e meninas aprendam da mesma forma a fazer todo o necessário no trabalho doméstico e não se considerem indignos de realizá-lo”.¹
A autora descreve como, desde cedo, a desigualdade é reforçada, de maneira que “as meninas recebem a incumbência de lavar as xícaras, de arrumar a mesa”, e são presenteadas com bonecas e louças. Enquanto isso, os meninos, brincam com trens e soldadinhos. Desta forma, embora Krupskaia soubesse da necessidade de mudanças mais profundas, estruturais, na sociedade, ela não deixava de vislumbrar possibilidades de se combater certas ideias e preconceitos, e o espaço escolar tinha, em sua visão, um papel importante.
Finalizando, é interessante notar como Krupskaia estava, em muitos aspectos, à frente de seu tempo. Por outro lado, é assustador notar como muitos preconceitos do início do século XX ainda estão presentes em nossa sociedade, sendo que ideias defendidas por ela em 1910 sejam, ainda hoje, consideradas “progressistas” ou até mesmo “revolucionárias”.
Referências:
¹.KRUPSKAIA, Nadezhda. Deve-se ensinar “Coisas de Mulher” aos meninos? Disponível em: https://www.marxists.org/.../krupskaia/1910/mes/ensinar.htm
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