quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Toffoli viu o filme errado * Bernardo Mello Franco /O Globo

Toffoli viu o filme errado

Bernardo Mello Franco /O Globo  


Depois de chamar o golpe de 1964 de “movimento”, Dias Toffoli resolveu criticar a Argentina por julgar e punir os carrascos da ditadura militar. 


Na segunda-feira, o ministro do Supremo disse que o país vizinho “ficou preso no passado, na vingança, no ódio e olhando para trás, no retrovisor, sem conseguir se superar”. 


“Nós não podemos nos deixar levar pelo que aconteceu na Argentina”, pontificou, em palestra a empresários brasileiros em Nova York. “Não vamos cair nessa situação em que infelizmente alguns vizinhos nossos caíram”, prosseguiu. 


Para além da ofensa aos argentinos, que já condenaram 1.088 responsáveis por crimes contra a humanidade, as declarações revelam desconhecimento sobre a História e o papel da justiça de transição.


“O passado não precisa ser superado. Precisa ser conhecido para que não se repita”, ensina a procuradora Eugênia Gonzaga, ex-presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. 


Ela foi afastada no início do governo Jair Bolsonaro, quando Toffoli comandava o Supremo e se empenhava em agradar o capitão.


Indicado por Lula, o ministro começou a se aproximar do bolsonarismo na campanha de 2018. 


Antes de assumir a chefia da Corte, foi ao Quartel-General do Exército pedir a bênção do general Villas Bôas. 


Segundo a revista piauí, Toffoli prometeu que a Corte manteria o petista preso até a eleição. 


Ao questioná-lo sobre o episódio, as repórteres ouviram uma resposta lacônica: “Nunca tratei de pauta com ele, nem ele comigo”. 


Na mesma época, o ministro surpreendeu os colegas ao nomear dois generais como assessores: Fernando de Azevedo e Silva, que viraria ministro de Bolsonaro, e Ajax Pinheiro, que havia pedido votos para o capitão. 


A atitude foi interpretada como mais um gesto de subserviência aos militares. 


Toffoli tinha um motivo adicional para não dizer o que disse. Ele é relator da ação que questiona a validade da Lei da Anistia para agentes que mataram e torturaram na ditadura. 


“A fala foi inadequada e extemporânea”, resume o historiador Rogério Sottilli, diretor do Instituto Vladimir Herzog.


Ao emitir o palpite infeliz, o ministro citou o thriller “O segredo dos seus olhos”, estrelado por Ricardo Darín. 


Na volta de Nova York, ele deveria assistir ao recém-lançado “Argentina, 1985”, com o mesmo ator. O filme conta a história de procuradores e juízes que não se acovardaram diante de criminosos que usavam farda.


Colaboração: Eduardo Homem Da Costa

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