A RECEITA DE ROBERTO CAMPOS NETO
O compromisso de enterrar a economia brasileira numa recessão sem precedentes está no DNA de Roberto Campos Neto. Seu avô, Roberto Campos, ministro do Planejamento do primeiro mandatário da ditadura militar, Castello Branco, uniu-se ao ministro da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões - figura de proa na ortodoxia burra da Fundação Getúlio Vargas, o berço do nosso fiscal-monetarismo -, para afundar o país, a partir de 1966, naquela que foi a pior crise econômica de nossa história.
Milhões de trabalhadores perderam os empregos num intervalo de três anos, com o aumento da taxa de juros a níveis extremos e quebras sucessivas de empresas industriais e comerciais. Quem ganhou, como sempre, em condições semelhantes às de hoje, foram os financistas, banqueiros e alguns grandes empresários. Estes depois de juntaram para dar a Campos um presente de gratidão por seu exemplar desempenho no governo: o conglomerado financeiro BUC, em torno do Banco União Comercial.
Como era muito bom de lábia, mas completamente incompetente como banqueiro, Campos, para desespero de seus patrocinadores, quebrou o BUC, naquele que foi o segundo maior escândalo financeiro da ditadura militar, depois do colapso do banco Halles. O mercado, naturalmente, entrou em pânico, pois o presidente do BUC havia desenvolvido uma ideia muito peculiar quanto à gerência de instituições financeiras. Sua ideia era concentrar os empréstimos em poucas grandes empresas. Essas estavam ligadas financeiramente a uma rede de outras centenas delas, e, ao final, a outros grandes bancos e praticamente a toda economia.
O ambicioso objetivo de Campos era copiar no Brasil o modelo japonês que havia dado suporte ao desenvolvimento econômico desse país tendo por esteio grandes conglomerados financeiros-industriais-comerciais. Ele se esqueceu, porém, de que os empresários industriais e comerciais brasileiros não queriam distribuir com aplicadores os lucros de suas empresas individuais, preferindo os clássicos empréstimos bancários à distribuição de dividendos nas sociedades anônimas. Na verdade, naquela época (início dos anos 1970), nem mesmo havia um marco legal bem estabelecido para isso.
Seguindo sua inspiração bancária, Campos concentrou os empréstimos do conglomerado que dirigia – banco comercial, banco de investimento e financeira, além de corretora e distribuidora de valores – em não mais que 16 grandes grupos, à frente dos quais estavam o Lume, a Servix e a Metropolitana. Era uma tremenda irresponsabilidade. Quando a economia passou da fase de expansão acelerada dos anos 68-73 para uma terrível contração, devida a fatores externos, esses três grupos sofreram tremendo abalo e entraram em regime concordatário ou falimentar, sem condições de realizar seus empréstimos.
O medo de quebras em cadeia com a crise de liquidez gerou pânico. O próprio governo, assustado, despachou para o Rio o presidente do BC, Paulo Lira, para contornar a situação. Houve uma negociação penosa com os controladores e uma investigação criteriosa da situação do conglomerado pela autoridade monetária, ao fim da qual ficou evidente que o passivo administrado por Campos era muitíssimo superior ao ativo. Em qualquer país, sua credibilidade estaria liquidada. Além disso, alguém teria de pagar essa conta.
As negociações para resgatar os estragos deixados pela quebra foram penosas. Era preciso arranjar de qualquer forma um meio para acalmar o mercado, mas, acima de tudo, era necessário um expediente para salvar a reputação de Campos. A fórmula encontrada foi entregar a administração da massa falida do BUC ao Itaú, um banco com credibilidade; e dar a Embaixada de Londres para o próprio Campos. Porém, mesmo a absorção pelo Itaú não foi simples. A ideia era que, para dar um recado exemplar aos banqueiros irresponsáveis, os antigos controladores teriam de ter algum prejuízo.
Acontece que Soares Sampaio, um dos acionistas do BUC, era odiado pelo presidente Geisel, porque, como um dos principais donos de uma refinaria privada, concorria com a Petrobrás na área petroquímica. Ele era um negociador duro e fez o máximo para reduzir suas perdas pessoais. De sua parte, os negociadores do BC tentaram omitir o fato de que o presidente queria cobrar dele alto preço por sua aventura bancária. Em determinado momento, porém, Lira perdeu a paciência, e lhe passou o recado de Geisel: “O presidente mandou lhe dizer que ou faz o negócio nos nossos termos, ou não terá nem pão nem água no governo dele”. Naturalmente, ele cedeu.
Fugindo da posição constrangedora que lhe deixou a quebra do BUC, o ex-ministro Roberto Campos, alegando que havia se esgotado “o prazo máximo previsto em lei” para que diplomatas ficassem fora do Itamarati, avisou que voltaria à carreira para assumir o honroso posto de embaixador brasileiro em Londres. Entretanto, mesmo lá as consequências da quebra o perseguiram. O BC descobriu que o último balanço do banco tinha sido fraudado, e a seu presidente havia sido destinada uma expressiva quantia em dinheiro. Um diretor do BC foi então despachado para Londres a fim de cobrar de Campos o dinheiro que recebeu. Ele pagou sem discutir.
Curiosamente, o jornal que anunciara sua saída do banco e a ida para a Embaixada disse que, no intervalo entre as duas funções, o antigo ministro do Planejamento se dedicaria a escrever, junto com Mário Henrique Simonsen, o livro A Modernização da Economia Brasileira. De que exatamente deveria tratar essa modernização? Do extremismo monetário e fiscal do governo Castello, que gerou milhões de desempregados e quebras de empresas, ou da irresponsabilidade bancária de Campos na direção do BUC? Seria isso a modernização da economia? Como disse uma vez Delfim Neto, quem sabe faz, quem não sabe ensina!
O neto de Campos que está na presidência do BC aprendeu muito bem com o avô a lição para destruir a economia brasileira. Com sua taxa de juros básica de 13,75%, ele superou as travas colocadas por Temer, Guedes e Bolsonaro no caminho de nossa recuperação industrial e tecnológica. Teto de gastos, equilíbrio fiscal, superávit primário são expedientes legais impostos pelos governos anteriores para impedir que, se um governo progressista como o de Lula viesse no futuro a ganhar as eleições, ele não poderia fazer nada para impulsionar o crescimento sustentável do país.
O mais terrível, porém, é o mandato de autonomia de quatro anos dado à diretoria do BC para conduzir, já na segunda metade do governo Bolsonaro, a política de juros que está sendo estabelecida para a primeira metade do mandato de Lula. Quando manipulada com má fé, como agora, ela tem reflexos diretos e negativos no câmbio e no comportamento geral da economia. Para escapar dessa restrição constitucional, só mesmo uma mobilização gigantesca da cidadania brasileira para exigir do Congresso uma reforma constitucional e restabelecer condições de governabilidade que imponham uma nova política fiscal-monetária ao país.
Se isso, tendo em vista a composição reacionária do Congresso, não for possível, poderia ser feito novo apelo ao Supremo Tribunal Federal para derrubar a autonomia do presidente do BC. Agora já não seria uma discussão em tese, como já foi feita e se tornou causa perdida, mas a busca de uma decisão nova sobre um fato concreto: ou a autonomia acaba, ou o Brasil quebra sob o comando do neto, como o BUC quebrou sob o comando do avô!
Uma última tentativa seria convocar no Brasil uma grande convenção internacional de economistas de renome, para fazer uma análise da política monetária em curso. A recente palestra do prêmio Nobel Joseph Stiglitz em seminário promovido pelo BNDES foi um bom exemplo de como personalidades de destaque no mundo da economia consideram os juros reais brasileiros, os mais elevados do mundo, como capazes de “matar a economia”. Diante disso, justifica-se inclusive apelar para a Lei de Segurança Nacional para proteger contra a morte o país e a sociedade brasileira.
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O capitalismo está podre. Todos sabemos disso. Mas ele não cai sozinho