sexta-feira, 14 de abril de 2023

O Novo Arcabouço Fiscal (Reforma Tributária) e a Urgente Necessidade da Organização Autônoma e Independente pela Base * Júlio Santos/RJ

 O Novo Arcabouço Fiscal

(Reforma Tributária)

e a Urgente Necessidade da Organização Autônoma e Independente pela Base

A ideia apresentada na proposta do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) / Reforma Tributária (RT) representa um bom plano de gestão do Estado burguês brasileiro (e não se poderia esperar nada  mais de Lula do que a gestão do Estado burguês brasileiro): permite previsibilidade dos gastos  públicos, preconiza um crescimento real de gastos em todo orçamento, estabelece uma meta de  déficit primário de um exercício linkado com as metas de gastos do exercício seguinte (o que  obriga um esforço adicional do governo de plantão para contenção de despesas, pois se gasto  muito em um exercício, no próximo não terei para gastar) e, a cereja de bolo do plano, mantém  o pagamento dos juros da dívida pública garantido. 

Pela ideia do NAF apresentada, a área da educação e a área da saúde têm marcadas as suas  destinações de recursos do orçamente: 18% e 15% respectivamente da receita líquida do  exercício anterior, ou seja, no caso de crescimento da receita em um exercício, essas áreas são  beneficiadas, no exercício seguinte, não só no percentual obrigatório (marcado em 18% e 15%),  mas também porque esse percentual incidirá sobre o crescimento cheio da receita, não ficando  sujeito ao limitador que varia de 50% a 70% do crescimento da receita primária

Quais os problemas centrais do plano de Haddad? São dois, dos quais ele não tem como escapar: 

1. A crise recessiva mundial que bate à porta do velho e decrépito capitalismo em sua fase  de crise estrutural, acompanhada do aumento da inflação em todos os continentes do  planeta. Isso faz, como em qualquer velho decrépito adoecido, com que os remédios  aplicados para o mal imediato afetem o funcionamento de outros órgãos importantes  do sistema – vide o aumento da taxa de juros mundial e seu efeito na instabilidade do  sistema financeiro com já três importantes quebras: Silicon Valley Bank, First Republic  Bank e o gigante Credit Suisse – ainda que as causas diretas apontadas desse último  sejam outras. Vale registrar que todos esses são epifenômenos da longa (e por vezes  incisiva) curva descendente da queda da taxa de lucro mundial desde a década de 60, como o demonstra o excelente trabalho de pesquisa apresentado por MICHAEL  ROBERTS* em artigo publicado originalmente no The Next Recession Blog. A conclusão  fundamental a que se chega é que a crítica situação mundial aponta para que não haja  o volume de fluxo de recursos financeiros (grande liquidez internacional) dos países  cêntricos do capitalismo mundial para o Brasil, como ocorreu nos primeiros mandatos  de Lula, procurando, os recursos existentes, portos mais seguros, como os títulos do  tesouro americano, para ancorar. 

2. A esse limitador externo, soma-se um limitador interno de natureza política, qual seja, a  falta de vocação política do PT para enfrentar os ricos, a grande burguesia capitalista  brasileira. Isso se expressa na ideia de proposta de reforma tributária propagada por  Haddad que, segundo ele, pretende arrecadar de 110 a 150 bilhões de reais. Parece  brincadeira, mas é verdade. O governo pretende fazer um colchão social para combater  a miséria, a desigualdade e investir em infraestrutura para o desenvolvimento com...  (pasmem!!!) R$ 150 bilhões. Para se ter uma ideia, só o Bolsa Família custará R$ 175  bilhões em 2023. Ou seja, sem mexer com os ricos, sem uma reforma tributária que  

* Michael Roberts: marxista britânico, é economista. Autor, entre outros livros, de The Great Recession: a Marxist  View.

realmente taxe desigualmente os desiguais e, acima de tudo, sem meter a mão no  vespeiro da dívida interna, não há condições de se constituir um capital primitivo do qual  se parta para as reformas, ainda dentro das fronteiras do capitalismo, que possam  vencer minimamente a desigualdade e preparar o país para um crescimento sustentável. 

O NAF sozinho é um programa de disciplinação à burguesia e ao grande capital. Agrada ao capital  financeiro pois um de seus objetivos centrais é garantir o pagamento dos juros da dívida pública;  agrada ao grande capital produtivo urbano e agrário pois diz: agora, com previsibilidade, os juros  baixarão e vocês poderão investir na economia real com vossa margem de lucro garantida. 

Poderia ganhar contornos sociais com a reforma tributária, mas a proposta de Haddad é  extremamente tímida. De todas as formas, pode ter reflexos positivos na redução dos juros e,  com isso, no investimento em setores da economia e, dessa forma, na geração de emprego.

De onde então sairão os recursos para financiar o crescimento da economia e estabilidade social  que impeça a insurreição das hordas de miseráveis que crescem no país? Como já vimos, as  fontes primárias estão fora de questão:  

1. Fluxo externo de capitais: a conjuntura política e econômica internacional aponta para a  inviabilidade dessa fonte de recursos; 

2. Reforma tributária com taxação forte e progressiva dos ricos e auditoria da dívida  pública, nem pensar; 

3. A outra fonte de recursos possível seria a privatização massiva das estatais, o que, Lula,  por ora, por motivos políticos, já disse que não ocorrerá (já tirou da lista de privatizações,  as mais importantes); 

4. Lula também não pode se financiar aumentando a dívida pública porque desancoraria  todo esforço feito por Haddad para dar previsibilidade macroeconômica e garantir  sustentação política para o governo; 

5. Por fim, restaria a tentativa de associação com o capital privado para parcerias na área  de infraestrutura. Parece muito difícil, nesse momento da conjuntura econômica e  política nacional e internacional, que se encontre capitalistas dispostos a investimentos produtivos de grande monta com retorno de longo prazo, como são os das obras em infraestrutura, e com uma taxa de lucro proporcionalmente pequena. 

A alternativa que resta para a obtenção desses recursos é a manutenção e o aprofundamento  das medidas de hiper exploração do proletariado e da classe média trazidas dos governos  anteriores (como a reforma da previdência e trabalhista). Que novas formas poderão adotar essas medidas é preciso acompanhar e ver. 

O governo Lula goza ainda de muita credibilidade nas amplas massas e em um setor majoritário  da vanguarda lutadora organizada. O desastre que representou o governo Bolsonaro tem  permitido que Lula faça pequenas reformas, pequenos acertos que representam importantes  avanços para segmentos específicos como a recomposição da fiscalização e da pauta ambiental; a retirada da lista de privatização de setores importantes como os Correios, Dataprev, Serpro,  Telebras; a prática de uma nova relação com negros, mulheres e povos originários, que se  materializou em uma série de medidas já tomadas; o cumprimento da promessa do valor do Bolsa Família e de algum aumento real, ainda que pequeno, no salário mínimo; a retomada do  Minha Casa, Minha Vida; a localização, exposição, e cobrança de multa e indenizações de várias  empresas que praticam trabalho análogo a escravidão e outras pequenas mudanças, porém significativas para os setores afetados, nos desastres implantados (ou que estavam em processo  de implantação) pelo governo Bolsonaro. O constante atendimento à imprensa, o retorno da 

presença do Brasil no cenário internacional e o diálogo institucional mais leve, dão novos ares  ao cenário político e alenta uma parcela significativa dos lutadores a depositar expectativas no  governo Lula 3. 

Isso torna mais difícil a tarefa dos revolucionários na conjuntura, haja vista que a organização e  a luta contra a exploração capitalista passam necessariamente pelo gestor plantonista no Estado burguês, mas é necessário que, sem sectarismo e sem professoralismo, dialoguemos com os  setores organizados e a vanguarda emergente dos trabalhadores e oprimidos, principalmente  naqueles setores que estiverem em processos de mobilização e lutas, como a juventude secundaristas contra o Novo Ensino Médio, nesse momento. 

Explicar a necessidade da luta e da organização autônoma e independente de governos, de  burgueses e de partidos patronais e governamentais, é fundamental para podermos dar uma  alternativa às lutas que, sem dúvida explodirão em breve, pois, como vimos, as propostas da NAF  / RT não têm o condão de alterar significativamente a exploração e a desigualdade, ao contrário tendem a aprofundá-las.  

Explicar suscintamente o funcionamento da economia capitalista e a fase de crise estrutural que  vivemos, que impede novas concessões significativas aos trabalhadores e que inevitavelmente  eles, junto com todo o povo pobre, explorado e oprimido, terão que lutar unificadamente para  obter conquistas, ainda que mínimas, e estar organizado para esse momento é determinante  não só para o sucesso das lutas que se darão, mas, fundamentalmente, para que essas lutas  tomem o caminho da luta por uma nova sociedade que se construa sobre a ruptura sistêmica  com o capitalismo. 

Essa é a principal tarefa: ajudar as mobilizações pela base, como no Metrô de São Paulo, colar  nos lutadores e na nova vanguarda emergente dessas lutas e explicar pacientemente a  necessidade da organização autônoma e independente para a luta unificada que atenda as  reivindicações imediatas, mas, principalmente, que aponte para a construção da sociedade do  futuro. 

Dada a situação de miséria, opressão e violência cotidiana, uma atenção especial deve ser dada às periferias. Assim como tem sido a tônica na América Latina nos últimos anos, há, nesses locais, um potencial de lutas explosivas que podem ser o estopim para uma virada na conjuntura e para  o surgimento de uma vanguarda aguerrida que muito pouco tenha a perder. Se esse processo se  

der e os revolucionários conseguirem estar colados nele, ajudando em sua organização, é  possível, a partir daí, ter alguma influência no norte dos desdobramentos dessas lutas. Há  algumas contradições com os quais é preciso lidar: além da presença desorganizadora do tráfico  e das milícias, as igrejas evangélicas (principalmente as neopetencostais) garantem uma forte  presença do pensamento reacionário bolsonarista nesses territórios. 

Júlio C V Santos – 04/2023  

Membro do Conselho Diretivo do Centro Cultural Octavio Brandão (CCOB) e partícipe das  reuniões do Coletivo de Coletivos 

(As ideias e conclusões aqui expostas representam minhas posições individuais)

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