segunda-feira, 24 de abril de 2023

SAUDAÇÃO AO PRÊMIO CAMÕES * Frente Revolucionária dos Trabalhadores/FRT

CHICO BUARQUE RECEBE PRÊMIO CAMÕES DAS MÃOS DE LULA
SAUDAÇÃO AO PRÊMIO CAMÕES

*Discurso de Chico Buarque - Prêmio Camões 2019*

 

Cerimônia de entrega - dia 24 de abril de 2023, Palácio Nacional de Queluz, às 16.00 horas.

 

Ao receber este prêmio penso no meu pai, o historiador e sociólogo Sergio Buarque de Holanda, de quem herdei alguns livros e o amor pela língua portuguesa. Relembro quantas vezes interrompi seus estudos para lhe submeter meus escritos juvenis, que ele julgava sem complacência nem excessiva severidade, para em seguida me indicar leituras que poderiam me valer numa eventual carreira literária. Mais tarde, quando me bandeei para a música popular, não se aborreceu, longe disso, pois gostava de samba, tocava um pouco de piano e era amigo próximo de Vinicius de Moraes, para quem a palavra cantada talvez fosse simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa língua. Posso imaginar meu pai coruja ao me ver hoje aqui, se bem que, caso fosse possível nos encontrarmos neste salão, eu estaria na assistência e ele cá no meu posto, a receber o Prêmio Camões com muito mais propriedade. Meu pai também contribuiu para a minha formação política, ele que durante a ditadura do Estado Novo militou na Esquerda Democrática, futuro Partido Socialista Brasileiro. No fim dos anos sessenta, retirou-se da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em solidariedade a colegas cassados pela ditadura militar. Mais para o fim da vida, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, sem chegar a ver a restauração democrática no nosso país, nem muito menos pressupor que um dia cairíamos num fosso sob muitos aspectos mais profundo.


O meu pai era paulista, meu avô, pernambucano, o meu bisavô, mineiro, meu tataravô, baiano. Tenho antepassados negros e indígenas, cujos nomes meus antepassados brancos trataram de suprimir da história familiar. Como a imensa maioria do povo brasileiro, trago nas veias sangue do açoitado e do açoitador, o que ajuda a nos explicar um pouco. Recuando no tempo em busca das minhas origens, recentemente vim a saber que tive por duodecavós paternos o casal Shemtov ben Abraham, batizado como Diogo Pires, e Orovida Fidalgo, oriundos da comunidade barcelense. A exemplo de  tantos cristãos-novos portugueses, sua prole exilou-se no Nordeste brasileiro do século XVI. Assim, enquanto descendente de judeus sefarditas perseguidos pela Inquisição, pode ser que algum dia eu também alcance o direito à cidadania portuguesa a modo de reparação histórica. Já morei fora do Brasil e não pretendo repetir a experiência, mas é sempre bom saber que tenho uma porta entreaberta em Portugal, onde mais ou menos sinto-me em casa e esmero-me nas colocações pronominais. Conheci Lisboa, Coimbra e Porto em 1966, ao lado de João Cabral de Melo Neto, quando aqui foi encenado seu poema Morte e Vida Severina com músicas minhas, ele, um poeta consagrado e eu, um atrevido estudante de arquitetura. O grande João Cabral, primeiro brasileiro a receber o Prêmio Camões, sabidamente não gostava de música, e não sei se chegou a folhear algum livro meu.


Escrevi um primeiro romance, Estorvo, em 1990, e publicá-lo foi para mim como me arriscar novamente no escritório do meu pai em busca de sua aprovação. Contei dessa vez com padrinhos como Rubem Fonseca, Raduan Nassar e José Saramago, hoje meus colegas de prêmio Camões. De vários autores aqui premiados fui amigo, e de outras e outros – do Brasil, de Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde - sou leitor e admirador. Mas por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular e, em Portugal, como o gajo que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim. 


Valeu a pena esperar por esta cerimônia, marcada não por acaso para a véspera do dia em os portugueses descem a Avenida da Liberdade a festejar a Revolução dos Cravos. Lá se vão quatro anos que meu prêmio foi anunciado e eu já me perguntava se me haviam esquecido, ou, quem sabe, se prêmios também são perecíveis, têm prazo de validade. Quatro anos, com uma pandemia no meio, davam às vezes a impressão de que um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça fascista persiste, no Brasil como um pouco por toda parte. Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula. Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo.

 

Muito obrigado


"O presidente Lula ao lado de seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa (c.) e do compositor Chico Buarque Foto: RODRIGO ANTUNES/REUTERS

JANJA APRESENTA O PRÊMIO CAMÕES

Ele disse ter a impressão de que "um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foram um tempo em que o tempo parecia andar para trás", disse o artista.

Chico agradeceu ao presidente Rebelo de Souza por ter deixado em branco no o diploma do prêmio o espaço para a assinatura do presidente do Brasil, que ficou a cargo de Lula, e não de seu antecessor.

"Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados, ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo", concluiu Chico.

Ele disse também ter herdado de seu pai, o escritor e historiador Sergio Buarque de Holanda, o amor pela língua portuguesa.

Além de Chico Buarque e dos presidentes do Brasil e de Portugal, estiveram presentes na cerimônia cidade de Sintra a ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, e autoridades dos dois países.
"Formação cultural de diferentes gerações"

Um dos maiores nomes da MPB, Francisco Buarque de Holanda nasceu em 19 de junho de 1944, no Rio de Janeiro. Começou sua carreira musical na década de 1960 e se tornou um dos maiores compositores brasileiros. Entre os sucessos musicais de Chico, que tem cerca de 80 álbuns em sua discografia, estão A banda (1966), Apesar de você (1970), Cotidiano (1971), Construção (1971) e Amor barato (1981).

Em 1967, escreveu sua primeira peça de teatro, Roda Viva. No total, foram quatro incursões nesse gênero, sendo a última delas a Ópera do malandro, de 1978.

Em 1974, escreveu a novela Fazenda modelo, e em 1979, o livro infantil Chapeuzinho amarelo. Em 1991, publicou seu primeiro romance, Estorvo. O sucesso como escritor lhe rendeu três prêmios Jabuti, a premiação literária mais importante do Brasil, por Estorvo, melhor romance e livro do ano de ficção de 1992; Budapeste, livro do ano de ficção de 2004; e Leite derramado, melhor livro de ficção de 2010. Seu último livro, O irmão alemão, foi publicado em 2014.

Essa foi a primeira vez que um músico foi agraciado com o Prêmio Camões, que é um reconhecimento pela obra completa do artista. Ele foi eleito por unanimidade por um júri composto por representantes de Portugal, Brasil, Angola e Moçambique.

O júri justificou sua escolha pela "qualidade e transversalidade" da obra de Chico Buarque, "tanto através de gêneros e formas, quanto pela sua contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa".

O peso literário das composições de Chico também foi destacado à época do anúncio do prêmio. "Evidente que esse prêmio é um reconhecimento pela poesia dele nas letras de música, que também são literárias, não só pelos livros. São poemas. Grandes poemas. A música Construção, por exemplo, é um poema até raro de se fazer", afirmou o escritor Antonio Cícero, um dos brasileiros que compôs o júri, ao lado de Antonio Hohlfeldt, ao jornal Folha de S.Paulo.

Brasil e Portugal criaram "Nobel da língua portuguesa"

O Prêmio Camões foi criado em 1988 por Brasil e Portugal e contempla anualmente autores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O objetivo é distinguir "um escritor que, pela sua obra, contribua para o enriquecimento e projeção do patrimônio literário e cultural de língua portuguesa".

O nome da premiação é uma homenagem ao poeta português Luís Vaz de Camões (1524-1580), autor da epopeia nacionalista Os Lusíadas e considerado um dos maiores nomes da literatura lusófona.

Ao longo de sua história, 14 escritores brasileiros já foram agraciados com o prêmio, entre eles Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Rubem Fonseca e Lygia Fagundes Telles.

Nos termos do regulamento do Prêmio Camões, Portugal e Brasil organizam de forma alternada as reuniões e as cerimônias de entrega da distinção. O júri é composto por seis membros com mandato de dois anos. Os governos de Portugal e do Brasil designam dois membros cada, sendo os dois membros restantes designados de comum acordo de entre personalidades dos restantes países lusófonos – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Os agraciados com o prêmio recebem atualmente a quantia de 100 mil euros (cerca de R$ 559 mil). Metade desse valor é subsidiado pela Fundação Biblioteca Nacional, entidade vinculada ao Ministério da Cultura do Brasil.

"O Prêmio Camões é uma das grandes conquistas do diálogo entre os países da língua portuguesa”, destacou o presidente da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi, afirmando que a distinção representa "uma espécie de Nobel" do idioma."

FONTE

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O capitalismo está podre. Todos sabemos disso. Mas ele não cai sozinho