ELETROBRAS E A FARSA DA PRIVATIZAÇÃO
Um fiasco indisfarçável. Eletrobras e refinarias mostram-se inconfiáveis e praticam preços astronômicos ao consumidor
Não dá mais para esconder o enorme fracasso da iniciativa privada na gestão de empresas desestatizadas, a exemplo da Eletrobras e das refinarias que pertenciam à Petrobras. O apagão da terça-feira 15 e os recordes de preços dos combustíveis alcançados por refinarias como a Clara Camarão, do Rio Grande do Norte, com a gasolina mais cara do País em julho, deixam claro que, se não é sensato condenar toda e qualquer privatização, adotar a posição oposta, isto é, defender essa solução como fórmula geral a ser aplicada à economia, pode ser uma temeridade, ainda mais se as desestatizações afetam a segurança energética.
Neste mês, o topo do pódio da gasolina mais cara do País foi ocupado por outra refinaria privada, a Acelen, da Bahia, segundo o Observatório Social do Petróleo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, a conta de luz no Brasil é a segunda mais cara do mundo.
O insucesso de várias alienações do patrimônio público abrandou o mantra pró-privatização da mídia e reforçou o clamor pela necessidade de reestatização entre sindicatos de trabalhadores. O Economia governo parece ter entendido a mudança de clima, como indicam a decisão de excluir ações remanescentes na Eletrobras do programa de desestatização e a assinatura, com a 3R Petroleum, de um acordo de preferência, e precedência, na recompra de 22 campos de produção de petróleo e da refinaria Clara Camarão. Trata- -se, ao que tudo indica, de uma tentativa de reverter, ou ao menos minimizar, os estragos do desinvestimento de ativos estatais estratégicos para o Brasil, apresentado como condição para o aumento da eficiência, mas que se mostrou, na prática, uma operação para maximização de resultados para os novos proprietários das empresas privatizadas.
O governo brasileiro não tem mais nenhuma ascendência sobre a maior companhia de energia elétrica do País, que não considera necessário nem mesmo responder a um ofício da autoridade à qual está subordinada, o Ministério de Minas e Energia. O pedido, em julho, do ministro substituto Efrain Pereira da Cruz ao então presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, de suspensão do plano de demissão voluntária de funcionários, ficou sem resposta. A empresa não se dignou nem mesmo a acusar o recebimento desta e de outras solicitações semelhantes encaminhadas pelo órgão regulador, a Aneel, por entidades de trabalhadores e pelo atual vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, durante o governo de transição.
Na direção oposta do cuidado necessário a uma operação de importância fundamental para a economia e a sociedade, a empresa, sob comando do capital financeiro especulativo, personificado no grupo 3G, o mesmo acusado de provocar a crise da Lojas Americanas, integrado pelos empresários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, atingiu um recorde de redução de pessoal. De 15.658 funcionários em 2018, a Eletrobras passou para 8.118 em 2022, segundo res- salta o memorial encaminhado, em junho, por sete entidades de trabalhadores ao Ministério do Trabalho. Para este ano, estão programados mais 1.551 desligamentos na companhia, de acordo com o relatório de administração do ano passado.
Segundo a Associação dos Empregados da Eletrobras, a identificação das causas do apagão poderá demorar mais que antes da venda da empresa ao setor privado, devido à falta de quadro técnico experiente e capacitado até mesmo para diagnosticar os motivos do colapso. "A Eletrobras demitiu e continuará demitindo. Ela não se preocupou, em nenhum momento, em repor as vagas de forma técnica, de modo que o trabalhador tenha noção clara de onde é que estão entrando, que se trata de um sistema bem complexo e que requer experiência e treinamento. A empresa não está preocupada com isso", alertou Francisco Ferreira da Silva, diretor do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria e Comércio de Energia no Estado de Mato Grosso do Sul, representante da Federação dos Urbanitários do Centro-Oeste e Norte, em audiência pública sobre o impacto das demissões na Eletrobras, realizada na Câmara dos Deputados.
A Eletrobras e outras companhias do setor "passam batidas" em relação às normas regulamentadoras 10, 35, 6 e 1, do Ministério do Trabalho e Emprego, a estabelecer condições mínimas de segurança e saúde para os trabalhadores, normas de segurança para trabalho em locais elevados como torres de transmissão, execução de trabalho com equipamentos de proteção individual e medidas de prevenção em segurança e saúde do trabalho. "Entre as distribuidoras, só as estatais Cemig e a Copel - a última acaba de ser privatizada - asseguram um bom treinamento", disse o sindicalista.
A Cemig dedica mais de seis meses para formar um técnico. Empresas terceirizadas formam o mesmo tipo de profissional em apenas 40 dias, e gastam somente um mês para formar um eletricista.
"Nessas condições, o trabalhador vai a campo sem nenhuma condição de trabalho", chama atenção Ferreira da Silva.
Para piorar, houve mudança nas normas, com a reforma trabalhista de 2017, no governo Temer, e agora é permitido que as próprias terceirizadas façam o treinamento dos empregados. O resultado, em alguns casos, são treinamentos que ocorrem só no papel. "Fui conversar com alguns trabalhadores que não receberam treinamento algum, mas tinham certificado.
Isso é muito sério, pode provocar mortes. Há muitos mutilados, com as famílias à míngua, por conta de treinamento precário", dispara Ferreira da Silva. É preciso, acrescenta o sindicalista, que o novo governo traga de volta o Ministério do Trabalho com força de fiscalização.
Segundo o dirigente, nenhuma empresa privada se preocupa com o cliente. Há estados com distribuidoras que passaram por cinco grupos. Quando falta energia em uma casa, se não tem um hospital ou outro grande consumidor por perto, a população fica cinco ou seis dias sem energia elétrica.
Nas periferias, o povo pobre fica desatendido.
Para Wellington Soares, diretor do Sindurb-PE e integrante do Coletivo Nacional dos Eletricitários, há enorme preocupação dos trabalhadores com o aumento dos acidentes de trabalho, principalmente após a privatização da Eletrobras. O número de terceirizados na Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, controlada da Eletrobras, chegou a 3.455 em 2022 e o quadro próprio tem apenas 2.200 empregados. A Chesf tem só oito engenheiros e 20 técnicos de segurança para os oito estados do Nordeste, estando Rio Grande do Norte, Alagoas e Sergipe sem nenhum engenheiro nem técnico para dar conta das linhas de transmissão, usinas e subestações.
Um dos principais impactos da privatização é a demissão com fechamento de postos de trabalho e sem a transmissão de conhecimento indispensável para manter a qualidade dos serviços. Além disso, há terceirização crescente, precarização e redução da qualidade dos serviços, aumento de acidentes, inexistência ou baixa qualidade dos equipamentos de segurança, deficiência na fiscalização dos serviços, desconhecimento dos procedimentos, baixa remuneração, baixa qualidade dos alojamentos e alimentação inadequada, falta ou falha na supervisão dos trabalhos. "O número de empregados da Chesf caiu de 4.547 em 2016 para 2.694 em 2022", observa Soares. "Neste ano, 2023, há 400 demissões programadas." As consequências são trágicas. "No ano passado, a Chesf teve acidentes fatais.
Dois trabalhadores, Fabiano Januário dos Santos e Tenisson de Jesus, caíram de torres de 45 metros de altura. Houve a opção de não fazer a manutenção de forma adequada, adiando sempre. Os funcionários das terceirizadas foram surpreendidos e pagaram com suas vidas", dispara Soares.
Há muitos acidentes, acrescenta o sindicalista, em deslocamentos com veículos velhos, sem condições de trafegar com segurança.
Os acidentes com afastamento, em 2022, romperam o limite de tolerância de 106 e explodiram para 2.995.
O deputado Bohn Gass, do PT do Rio Grande do Sul, chamou atenção para a calamidade das privatizações com o exemplo da LMTE Linhas de Macapá Transmissora de Energia, empresa privada encarregada do suprimento de energia na região e responsável pelo apagão de 2020. "A empresa foi multada em 3 milhões de reais.
Nós votamos uma Medida Provisória para apoiar o povo do Amapá. O Brasil pagou 80 milhões de reais", diz o deputado. "Isso é crime. É preciso reestatizar a Eletrobras." Há duas semanas, a Procuradoria- -Geral da República defendeu no Supremo Tribunal Federal a procedência de uma ação da Advocacia-Geral da União em defesa de maior poder de voto do governo na Eletrobras. Por conta de manobras consideradas indefensáveis na preparação da privatização, o Estado brasileiro tem 43% das ações, mas apenas 8% dos votos. Se o governo quiser reestatizar a companhia, terá de pagar três vezes o maior preço oferecido por outro comprador.
Os diretores aumentaram seus salários de 60 mil para 360 mil reais por mês, e cada conselheiro recebe 200 mil reais por participação em reunião, denunciou o presidente Lula em rede social do PT.
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