A QUEM SERVE A REPÚBLICA BRASILEIRA?
Pedro César Batista
Gabriela Gomes
Desde a chegada do primeiro colonizador no Brasil, a realização do que chamou “independência” ou da proclamação da República, os povos originários, os escravos, os pobres e explorados, cada um a seu tempo, nunca deixaram de fazer a resistência, travar suas lutas e enfrentar os que impuseram a ferro, fogo, chumbo e muito sangue o controle do poder. Assim foi em qualquer fase da história, o mesmo que se dá na atual fase da República, com suas normas, políticas e jurídicas, que tem a única função em preservar o sistema econômico, o capitalismo, garantir que as riquezas, as propriedades e os privilégios permaneçam com a minoria que detém o poder econômico. Estes, mesmo que cedam algumas migalhas, para aplacar possíveis revoltas e dizer que buscam reduzir as desigualdades, sempre foram implacáveis no uso da violência contra quem ousa enfrenta-los.
Será que a República brasileira serve à maioria do povo, os trabalhadores, os pobres, os miseráveis?
Repetindo a ação da Coroa portuguesa, quando o filho de D. João, Pedro, em 7 de setembro de 1822, decretou a independência do Brasil, antes que os movimentos independentistas que eclodiam por todo o país obtivessem a vitória, seguindo o exemplo do exército liderado por Simón Bolivar, que libertava os povos colonizados pela Espanha, as classes detentoras do poder, em 15 de novembro de 1889, comandada pelos marechais e liderado por Deodoro da Fonseca, fizeram um movimento armado e implantaram a República dos Estados Unidos do Brasil. Chegaram a definir uma bandeira provisória sendo a cópia fiel da bandeira estadunidense. Marcava-se assim um período de mudanças segundo os interesses das oligarquias enquanto o povo que lutava pela república era descartado.
Em 134 anos, desde a implantação da República, muitas mudanças ocorreram na história nacional, a grande maioria delas lideradas pelos próprios detentores das riquezas, com a clara intenção de que tudo permanecesse igual a antes, sem mudar nada da estrutura econômica ou das relações de poder político da sociedade, sempre preservando as grandes massas excluídas de seus mais legítimos direitos e, principalmente, do controle político do Estado, sendo-lhes, distribuído então as migalhas, assim “tudo volta a ser como dantes no quartel de Abrantes”, como disseram os portugueses após a invasão de Napoleão, em 1808, em Portugal.
Um ano antes da criação da República brasileira, em 13 de maio de 1888, a monarquia, pressionada a nível internacional e pelas lutas dos Quilombos, formalizou o fim da escravidão. Foram 358 anos com o povo negro sendo “mãos e pés dos senhores”, servindo a Casa Grande e atendendo os colonizadores. O Brasil foi o último país a acabar com essa chaga. Enquanto que o Haiti foi pioneiro, acabou com a escravidão em 1793 e conquistou sua independência em 1804 (certamente um dos motivos do ódio do imperialismo e das elites a esse povo). Importante destacar, também, que nos mais de cinco séculos de existência do Brasil, o tráfico de escravos foi o setor econômico que mais faturou em toda a história nacional. Mais que o agronegócio atualmente, aliás, este são os verdadeiros herdeiros dos senhores da Casa Grande, que iniciaram fortuna com o trabalho escravo. Não podemos esquecer o extermínio dos povos indígenas, que não se sujeitaram a serem escravos e foram dizimados. Em 1500 o Brasil possuía mais de 1000 etnias, atualmente existem pouco mais de 300.
Logo depois da criação da República, entre 1896 e 1987, o novo poder, preocupado com a sua sobrevivência, colocou milhares de homens do Exército, com as mais modernas armas da época, inclusive a “matadeira”, como os caboclos chamavam o fuzil automático, para dizimar a comunidade sob o comando de Antônio Conselheiro, que queria formar “rios de leite e mel” no sertão baiano. “Canudos não se rendeu”, afirmou Euclides da Cunha, em Os sertões, obra que permitiu conhecer a primeira grande obra da República e seu Exército, que deixou mais de 20 mil sertanejos mortos, homens, mulheres e crianças, todos pobres, assassinados com a perversidade histórica da Casa Grande.
A terra, então a principal fonte de produção de riquezas, sempre foi considerada um direito sagrado, legal e exclusivo dos senhores, repassado aos seus herdeiros ao longo dos séculos. Após a efetivação legal do fim da escravidão, a Lei de Terras foi um dos instrumentos jurídicos para impedir que o povo escravizado tivesse acesso à terra para viver, plantar e morar. O latifúndio segue conservado e imaculado desde a chegada do colonizador, com o sistema de sesmarias, as Capitanias Hereditárias e a Lei de Terras, mantido quando os governos se negam a fazer a reforma agrária.
A queda da velha república, com a chamada Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, levou ao governo uma nova oligarquia. Com Vargas se iniciou a criação do que é hoje o Estado brasileiro, mesmo com todas as campanhas e ações para desconstruí-lo. A partir da implantação do Estado Novo, criou-se uma estrutura jurídica e política que não existia. A ditadura do Estado Novo impôs censura, repressão, tortura e morte, desarticulou o PCB, entregou Olga Benário a Hitler e, ainda assim, ganhou o apoio das amplas massas. Seu fim veio com a Assembleia Nacional Constituinte, em 1946, eleita de forma ampla e participativa, com aparente liberdade, que durou pouco mais de um ano, com o General Eurico Gaspar Dutra cassando o PCB e a bancada de parlamentares do partido. Em 1950, após o retorno de Vargas, eleito presidente, tentaram dar outro golpe, impedido com o suicídio do presidente trabalhista.
Será que esta República serve à maioria do povo brasileiro, os trabalhadores, os pobres, os miseráveis?
Em 1964, outro golpe foi dado, durou 21 anos, que prendeu, torturou, exilou e matou que lhe fez oposição ou lhe enfrentou em todos os campos. A ditadura de 1964 manteve a estrutura econômica, reforçando principalmente os latifundiários e entregando as riquezas nacionais ao capital internacional. Este golpe foi pensado e organizado a partir da Casa Branca, a sede da Casa Grande a nível mundial, que continua comandando governos serviçais em vários países, independente de quem governe, impondo a política neoliberal, com privatizações e assegurando a preservação da concentração da riqueza, da violência institucionalizada contra os pobres, negros e marginalizados.
A esquerda que tem suas raízes nas lutas pela transformação radical da sociedade, com a destruição do sistema capitalista e a implantação do socialismo, em sua quase totalidade se institucionalizou e vestiu a camisa e a defesa da ordem sistêmica. Propagam sem nenhuma vergonha a defesa da democracia burguesa, que entrega seus anéis para manter seus dedos, levando a imensa maioria da população a acreditar que somente com o direito ao voto poderá mudar, ao mesmo tempo que permanece sem acesso ao conhecimento, à terra, à educação de qualidade e critica, sem falar de uma consciência histórica, que permita forjar a consciência de classe, unidade e organização para avançar na transformação da sociedade. Se estes setores defendem a ordem, a extrema direita, sustentando-se no anticomunismo, na defesa da propriedade, da família e de deus, velhos discursos ainda anteriores à Revolução francesa, propagam a desobediência, a negação de estruturas do estado e o retorno à práticas que aprofundem a exploração do trabalho, usando para isso concessão pública, como canais de televisão, e privilégios, como a isenção de impostos para igrejas. Uma inversão muito bem construída, especialmente a partir da negação da luta de classes e da destruição do sistema de exploração e apropriação do resultado do trabalho, imposto pela burguesia por meio do sistema capitalista. Inclusive há setores, que se autointitulam, mas, de fato estão preocupados em se adaptarem e usufruírem privilégios oferecidos pelo estado e tornaram-se correias de transmissão do sistema e defensores e incansáveis da ordem.
O Estado, sob a República, criado para impedir que um desposta pudesse usá-lo para atender seus interesses, manteve a estrutura que somente tem a finalidade de ser o garantidor da ordem vigente, como destacou Marx, atender aos interesses da classe que o controla. Para isso, mantém um “corpo de parasitas”, com uma poderosa estrutura burocrática, militar e jurídica, organizada para evitar mudanças estruturais e que qualquer mudança que possa ocorrer preserve a essência do sistema. Todo o aparato jurídico tem a finalidade de conservar a propriedade, considerada o maior de todos os bens, mais que a vida, principalmente a vida das massas miseráveis e empobrecidas.
Entretanto, isso nunca impediu que as classes trabalhadoras, as massas deserdadas e sem o direito às propriedades, sem deter o poder econômico, possuindo apenas o trabalho para vender e o direito a um voto sempre ousassem se organizar, lutar pelos seus direitos e combater as classes detentoras de propriedades e riquezas, com seus governantes que defendem a ordem e o sistema para que nada mude.
A história nos revela o poder dos povos perante todas as formas de opressão impostas desde a independência ou da proclamação da República. Permite-nos enxergar o que Machado de Assis destacou como o “Brasil real” e o Brasil oficial - o Brasil do povo, com os “melhores instintos” e o país “caricato e burlesco” forjado por nossas antigas oligarquias, pelos atuais donos do agronegócio ancorados na máquina estatal que somente serve aos interesses do capitalismo e da burguesia internacional, o imperialismo. O Brasil real é a vida de todos os brasileiros, que sofrem com a expropriação de suas riquezas naturais, que resistem pelos seus direitos perante as migalhas que lhe são oferecidas, que lutam dia após dia e que respiram o descaso e a violência daqueles que insistem em permanecer adormecidos no Brasil oficial, na terra do bel prazer do capital.
É a história de lutas de nossos povos, do verdadeiro povo brasileiro que clareia nossas necessidades, nossa materialidade e fortalece a luta pela transformação radical da sociedade. É a história que nos guia e guiará para a superação de todas as injustiças, de toda a opressão burguesa que tudo usa para impedir que a classe trabalhadora, as camadas populares se deem as mãos e avance na luta pela sua verdadeira libertação.
Será que esta República, em sua história, tem servido à maioria do povo brasileiro, aos trabalhadores, aos pobres, aos miseráveis?
Pedro César Batista, jornalista
Gabriela Gomes, geografa
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