Ex-agente duplo lança livro para contar bastidores de projeto articulado pela CIA em Cuba
Raúl Capote passou por Porto Alegre para lançar o livro “Inimigo: A guerra da CIA contra a juventude cubana” e a Campanha Cuba Vive, Resiste!
Livro de Raúl Capote detalha Projeto Génesis, barrado pela contraespionagem cubana
Katia Marko
Brasil de Fato | Porto Alegre (RS)
Durante sete anos, o jornalista cubano Raúl Antonio Capote Fernández foi um agente duplo. Aconteceu entre 2004 e 2011. Nesta história real de contraespionagem, para a Central Intelligence Agency, a CIA, ele era um opositor do governo cubano. Na realidade, Capote agia para descobrir o que estava por trás do projeto Génesis, engendrado pela espionagem norte-americana e com os olhos postados na ilha do Caribe.
Sob o biombo de ONGs, o plano visava doutrinar jovens estudantes cubanos no exterior que, seduzidos pela ideia de “modernizar” Cuba, retornariam ao seu país para semear uma rebelião, usando primeiro as redes e depois as ruas, partindo para o confronto até o ponto de demandarem uma intervenção militar dos EUA. Uma primeira versão das “revoluções coloridas” que agitaram o Oriente Médio e parte do mundo no embalo das guerras híbridas para promover golpes de estado. Em Cuba, não deu certo porque Havana descobriu.
Agora, Capote está lançando o relato dessa aventura em português. É o livro “Inimigo: A guerra da CIA contra a juventude cubana”. Publicado em Cuba em 2012, já recebeu edições em italiano, alemão, turco e russo. Também será editado em inglês e vai virar série de TV. Editor do Granma Internacional, também professor e escritor, Capote passou por Porto Alegre para lançar o livro e a Campanha Cuba Vive, Resiste, e conversou com Brasil de Fato RS. Confira:
Brasil de Fato RS - O que podes contar dessa história que trazes no livro?
Raúl Capote - Escrevi o livro em 2012. É um testemunho baseado em histórias reais, mais do que baseado, é absolutamente real. É a história de um agente secreto cubano que trabalhou durante mais de sete anos dentro da CIA, a agência central de inteligência dos Estados Unidos. Sete anos trabalhando em um projeto da CIA dirigido à juventude, sobretudo aos jovens universitários cubanos, tratando de construir uma liderança contrarrevolucionária.
Em 2004, quando se começa a contar essa história, os EUA decidiram mudar a política em relação a Cuba. Reconhecem que tudo o que fizeram durante tantos anos fracassou. Necessitavam preparar-se para o que ocorreria na direção do país. Prepararam-se para 10 ou 15 anos, quando Fidel já não estivesse, para impedir a continuidade revolucionária. O projeto se chamou Génesis.
A CIA criou um plano destinado para estudantes cubanos a serem formados na Europa
BdF RS - Génesis...
Raúl Capote - Começa com um ponto essencial para o trabalho que era a formação de uma nova liderança. Cria-se um plano (direcionado) a jovens estudantes cubanos a serem formados na Europa e com um vínculo estreito com organizações não governamentais. Elas financiariam os projetos.
Após esses 10 ou 15 anos, depois de cursos de pós-graduação, mestrado, doutorado, iriam para os serviços, a economia, a política, as forças armadas, os meios de comunicação. E isso iria formando uma rede com vínculos de formação ao governo estadunidense e, sobretudo, com a CIA. Ainda que não soubessem, porque acreditavam que realmente estavam sendo patrocinados por uma ONG.
BdF RS - Essas ONGs estavam atuando dentro de Cuba?
Raúl Capote - Sim, era um plano interno contra a revolução. A outra parte do projeto implicava desenvolver uma intensa guerra no terreno das ideias, da cultura, usando a indústria do entretenimento. Uma guerra muito sutil…
BdF RS - Conhecemos bem ela...
Raúl Capote - Foi criado para esse projeto secreto um canal offline. Criou-se um público. Parecia algo sem consequências. Bem, que bom, as pessoas querem ver televisão. Eram programas elaborados especialmente para Cuba. Alguns eram conhecidos e outros elaborados unicamente para Cuba.
A ideia era criar em Cuba uma massa crítica de pessoas que não acreditavam na revolução. Nunca foram contrarrevolucionários. Eram pessoas a quem não interessava a revolução para nada. Utilizavam-se os manuais das revoluções coloridas e, sobretudo, a experiência dos iugoslavos do movimento OPOR.
BdF RS - Como é o nome?
Raúl Capote - OPOR. Atuou contrarrevoluções na (antiga) Iugoslávia. Aparentava ser um movimento estudantil, independente, mas estava sendo dirigido por esta mesma estratégia. Havia criado o Canvas (sigla em inglês para “centro para conflito e estratégias não-violentas”).
BdF RS - Não-violenta?
Raúl Capote - Uma nova estratégia desenhada pela CIA que busca (derrubar um governo) com o menor esforço possível, sem nenhum armamento.
Começariam a atuar esses jovens treinados nas 150 ações para acabar com o governo
BdF RS - Sim, através da ideologia...
Raúl Capote - Tinham um manual chamado “Manual para pôr fim a uma ditadura" com 150 ações a serem feitas. Diz que, eliminando-se os pilares que sustentam um governo, ele cai, em implosão. A ideia é provocar o caos. Não que o governo renuncie, mas que não possa governar. Esse é o sentido da estratégia.
Era previsto (em Cuba) que fosse em 2019. Antes disso, houve uma mudança na política para Cuba. Tudo teve sentido. Nada foi casual. Diziam que a estratégia de confrontação direta não dava resultado e que era preciso recorrer à sedução. Queriam ganhar o cubano e acabar com a revolução impedindo sua continuidade quando Fidel morresse.
"A ideia era criar em Cuba uma massa crítica de pessoas que não acreditavam na revolução" / Foto: Ricardo Haesbaert
Evitando qualquer choque com as autoridades, nos dizíamos uma agência literária que promovia a obra, o autor e nos permitia atuar dentro de Cuba. Foi se ampliando, criando grupos de pensamento, muito suave, sem chamar atenção.
Apresentava-se como uma organização nascida nas universidades, integrada por jovens cubanos, acadêmicos, artistas plásticos, pintores, músicos, líderes sociais. Que proporia à Cuba uma alternativa à via socialista. Queria “modernizar o socialismo”. Não se apresentava como um grupo de direita ou de centro, mas como esquerda cujo único objetivo seria “modernizar o socialismo”. A palavra da organização era mudança.
BdF RS - Que tipo de mudança?
Raúl Capote - Não sabíamos para onde. Era engenhoso. Dizia-se “Não vamos destruir a revolução, não vamos acabar com o socialismo. Queremos modernizar. Vamos mudar”. O que havia atrás disso era uma proposta de privatização. Era muito neoliberal o projeto. Eu pensava: “Vão gerar uma grande confusão”.
E é nesse ambiente que haveria eleição. Começariam a atuar esses jovens treinados nas 150 ações para acabar com o governo. Sairiam às ruas a manifestar-se, a tomar e destruir instituições, provocar as autoridades, chocar-se com a polícia. A missão era deixar o país absolutamente ingovernável.
BdF RS – E o objetivo era uma intervenção militar?
Raúl Capote - Exato. Nessa situação de caos, o líder dessa organização deveria solicitar intervenção militar ao governo dos Estados Unidos. Seria um pedido para “garantir a tranquilidade e evitar derramamento de sangue”. Planejavam que a ocupação militar se prolongaria por três ou quatro anos até se criarem condições para celebrar “eleições livres”.
E nisso aplicariam o que estabelece a lei Helms-Burton (aprovada no governo Clinton, em 1996, para ampliar o bloqueio contra Cuba) em seu capítulo 1º. A Helms-Burton converte o bloqueio em lei estadunidense. Nenhum presidente pode opinar. Tem que reunir o congresso dos EUA e eliminar essa legislação com maioria. E o presidente poderia vetar ou não.
Em meio ao caos, a organização pediria intervenção militar aos EUA
Uma das razões fundamentais para o bloqueio é a exigência dos EUA de indenização para os donos de propriedades nacionalizadas em Cuba em 1958, quando triunfou a revolução. Falam em 90 bilhões de dólares. Como um pequeno país pagaria essa dívida?
É uma lei que sanciona os bancos que utilizam o dinheiro cubano, os barcos que levam produtos a Cuba. Significa um fechamento quase total do acesso de Cuba ao sistema financeiro e ao comércio internacional. É um plano estadunidense de colonização, de anexação. O propósito do projeto Genesis era garantir que isso acontecesse. Mas acaba antes porque o governo de Cuba denuncia o projeto em 2011.
BdF RS - O governo cubano então já sabia do projeto.
Raúl Capote - Desde o princípio.
BdF RS - Já estavas como agente?
Raúl Capote - Prefiro dizer que trabalhava como agente do povo cubano. Para se entender que coisa é um serviço de segurança como o cubano, é preciso outra compreensão do que as pessoas entendem como serviço de segurança. Fazíamos um serviço de segurança popular com pessoas que trabalhavam por convicção.
Sempre existiu um projeto coletivo porque é o segredo da resistência de Cuba
BdF RS - Te oferecestes para ser?
Raúl Capote - Sim e, como eu, milhões de pessoas em Cuba. É a estratégia de se antecipar a qualquer ação estrangeira. De que maneira um país que está a 150 km dos Estados Unidos, praticamente desarmado, sem recursos para enfrentar uma potência como essa, pode sobreviver? A única forma é sabendo o que vai acontecer. Antecipando-se sempre. Foi uma estratégia que Fidel (Castro) desenhou muito bem. De ter sempre pessoas que eram fiéis. Não recebíamos um centavo do Estado. É um tipo de trabalho que se faz de maneira voluntária por muita gente.
BdF RS - Foi assim também com a Rede Vespa? (*)
Raúl Capote - Isso. Não eram profissionais de espionagem. Eram pessoas como quaisquer outras.
BdF RS - O próprio Tony (Guerrero) era engenheiro, não é?
Raúl Capote - Engenheiro, professor universitário, jornalista. Não tinha vínculo, nenhum tipo de preparação, inclusive, para fazer um enfrentamento como esse. O que acontece é que a CIA foi se acercando. Ou me convertia em traidor do meu povo e país ou defendia Cuba. Não havia terceira opção. Cuba é um projeto coletivo. Sempre existiu um projeto coletivo porque é o segredo da resistência de Cuba. Se tivesse uma ditadura não seria possível. Nenhuma ditadura dura 62 anos dessa maneira, a não ser que seja, absolutamente...
Não é uma guerra contra o socialismo. É uma guerra contra a independência, a insubmissão
BdF RS - Defendida pelo povo...
Raúl Capote - É um projeto de que participa a maioria dos cubanos. Sente-se parte do que se faz. Sente-se parte da defesa do país, do que se produz, do que o país faz. Da maneira como funciona a nação. Não somos um país perfeito e temos muito o que evoluir. Nos equivocamos também e fizemos coisas que não eram para o momento. E é a base que a converteu em um inimigo declarado dos EUA, que não admite, sob nenhum princípio, que a ilha sobreviva e seja independente.
Não se trata de socialismo. Não se trata de que Cuba construiu um sistema socialista, como as pessoas pensam. É porque a ilha é independente. É parecido com o que o império francês fez ao Haiti, no século 19. O plano aplicado contra o Haiti é o mesmo que os EUA fazem contra nós. A França bloqueou o Haiti, impondo-lhe uma indenização ao antigo colono francês. E o Haiti não teve remédio senão pagar à coroa francesa com o dinheiro que a França lhe emprestou. Não se trata de uma guerra contra o socialismo. É uma guerra contra a independência. Contra a insubmissão.
"A história aqui contada é real e faz parte da epopeia do povo cubano" / Divulgação
O Haiti seguiu seu próprio caminho e sofreu a consequência. Passou anos pagando a dívida da França depois de um embargo. E, depois, os EUA roubaram tudo que havia no Haiti que, até hoje, está pagando o preço de haver sido a primeira República livre da América.
Em Cuba, o governo (em 1958) não era socialista. O que cria conflito é a lei da reforma agrária. Mas a reforma agrária estava na Constituição cubana desde 1940! Ou seja, sequer é uma invenção da revolução.
Cuba era um estado narco-mafioso, subordinado aos interesses americanos. Foi isso que Fidel e os cubanos enfrentaram
BdF RS - Quando sofremos o golpe militar em 1964 também, o presidente Jango queria fazer a reforma agrária.
Raúl Capote - O grande tema foi esse: o bloqueio de guerra contra Cuba nasce da lei da reforma agrária. E a primeira medida foi "Não lhe compramos o açúcar”!
E o mercado do açúcar cubano eram os Estados Unidos.
Quando Cuba avisa que venderá o açúcar aos soviéticos, os EUA dizem que não lhes venderão petróleo. Então, os russos dizem “Bem, nós vendemos o petróleo”. Mas as refinarias em Cuba eram americanas. E, então os EUA dizem: “Não refinaremos o petróleo soviético”.
:: Cuba rejeita intervenção estrangeira no Haiti: comunidade internacional tem 'dívida moral' com país ::
Foi aí que tudo começou. O conflito começa antes de Cuba se declarar socialista. É simplesmente uma revolução democrático-burguesa e nacionalista que está a tentar recuperar a sua economia e fazer justiça.
Foi uma guerra contra a independência e um ato de vingança por ter tirado a riqueza dos antigos proprietários que possuíam 82% das melhores terras de Cuba.
A norte-americana United Fruit Company era dona das terras de um lado a outro do país. Estavam em mãos dos EUA as minas, refinarias e fábricas. Hotéis e cassinos pertenciam à máfia ítalo-americana. O ditador Fulgencio Batista morava nos EUA e tinha laços estreitos com o mafioso Lucky Luciano. Deu um golpe de estado e construiu o império de Havana, liderado por Meyer Lansky, nada mais nada menos do que o banqueiro da máfia. Era um estado narco-mafioso, totalmente subordinado aos interesses americanos. Foi isso que Fidel e os cubanos enfrentaram.
A estratégia seguida contra Kadhafi foi semelhante ao que queriam fazer em Cuba
BdF RS - Voltando à operação denunciada em 2011...
Raúl Capote - Muitas coisas estavam sendo preparadas e não só contra Cuba. Naquela época, ainda não se conhecia esse tipo de estratégia. Agora está se tornando muito popular com todo mundo falando em guerra híbrida...
BdF RS - O Brasil também viveu isso.
Raúl Capote - Agora temos 1 milhão de gurus especializados em como travar guerras não convencionais. Naquele tempo, ainda não se falava em revoluções coloridas e golpes suaves. Por isso é tão importante denunciar.
O que aconteceu na Líbia foi muito semelhante. A estratégia seguida contra (o líder líbio Muammar) Kadhafi foi semelhante ao que pretendiam em Cuba. Muito parecida com o que ocorreu no Oriente Médio com as revoluções árabes. O livro foi escrito para explicar do que se tratava. Foi traduzido para o italiano, alemão, turco, russo e agora português. E vai ser traduzido para o inglês. Tenho também um canal no YouTube onde tenho o livro narrado em espanhol. E está sendo produzida uma série de TV baseada nele.
BdF RS - Como será a série?
Raúl Capote - Planejamos fazer uma série que tenha muito mais alcance, seguindo o princípio de torná-lo (o livro) compreensível. Algo que comunique. Real, mas usando elementos de ficção. Copiando até um pouco os cânones de Hollywood, do cinema e das séries americanas: muita ação, velocidade, muitos cortes rápidos.
Cuba não pode solicitar empréstimo a nenhum banco do mundo
BdF RS - Em meio à pandemia, o governo Trump não apenas reforçou o bloqueio, mas também incluiu Cuba na Lista de Estados Patrocinadores do Terrorismo. O que isso significa?
Raúl Capote - Sim, estava na lista havia muito tempo, mas estar na listagem não significava o que representa hoje. Depois, Barack Obama retirou Cuba da relação de países patrocinadores do terrorismo. Mas Donald Trump mais uma vez nos incluiu, poucos dias antes de sair da presidência. Nem houve tempo para um debate no Congresso dos EUA sobre o assunto.
A inclusão de Cuba agora agrava muito a situação porque o alcance que a lista tem hoje é muito maior. O fato de sermos considerados um país terrorista, embora seja uma lista criada pelos EUA, impede os bancos de admitirem as transações comerciais cubanas. Ou seja, Cuba não pode comprar. Na China, sim. Mas não se pode ir à China com uma pasta de dinheiro e comprar um trator.
No mundo inteiro, para você comprar isso, faz através dos bancos. Faz uma transferência bancária e compra o que quiser. Bem, Cuba não pode. Não pode solicitar empréstimo a nenhum banco do mundo. Os bancos não podem te dar porque Cuba é um país terrorista, segundo a lista infame.
Pune as companhias de navegação. Se uma companhia marítima transporta um produto para Cuba, está transportando algo para um país que é acusado pelos EUA de ser terrorista. Portanto, essa transportadora pode ser sancionada. E não o fará.
Se um barco toca num porto cubano, tem que esperar seis meses para tocar num porto norte-americano
Complica muito o dia a dia dos cubanos porque aborda coisas essenciais. Por exemplo, se o combustível não entra, a eletricidade não pode ser gerada. Dependemos em grande medida dos combustíveis fósseis. Estamos tentando alcançar a independência nesta matéria, mas isso não acontece em dois anos. Exige anos e recursos e créditos que não temos. Paralisa o seu transporte.
Cria um problema sério em todos os sentidos e também visa dívidas. Por exemplo, Cuba tem uma dívida com um país por uma compra, algo normal em qualquer lugar. Mas você não pode pagar porque não tem como fazer chegar ao outro o dinheiro que deve. Por isso é tão importante que Cuba se livre disso. Não é nada justo porque aquilo de que está sendo acusada não faz o menor sentido.
BdF RS - Existem ainda mais sanções, não?
Raúl Capote - A lei Torricelli, que é outra das leis do bloqueio, diz que se um barco toca num porto cubano, tem que esperar seis meses para tocar num porto norte-americano. Então, a companhia marítima vai trazer uma carga para Cuba e perder o mercado norte-americano? Não vai. E sancionam também os capitães dos navios. Sancionam individualmente os proprietários dos navios ou das companhias marítimas num sistema de punições severas contra quem pensa negociar com Cuba.
Cuba é um dos poucos países do mundo onde uma bandeira americana nunca foi queimada
BdF RS - Uma ilha tão pequena e ameaça tanto os Estados Unidos...
Raúl Capote - Porque decidiu seguir seu próprio caminho. Nunca fomos inimigos dos EUA. Nunca declaramos guerra aos EUA, nunca cometemos um ato de agressão contra eles. É um dos poucos países do mundo onde uma bandeira americana nunca foi queimada. Em Cuba, é proibido queimar a bandeira americana. É um país com laços culturais estreitos, inclusive laços familiares sólidos, porque há cubanos que vivem do outro lado.
Muita gente mora nos EUA desde antes de 1959. Minha família morou lá na década de 1930. Esse fluxo sempre ocorreu porque eles são muito próximos. Porém, na medida em que Cuba resistiu, piorou. Ou seja, não aceitou nenhuma proposta desonrosa que vá contra os seus princípios.
Sempre estivemos dispostos a dialogar, mas em igualdade de condições. Eles sempre impuseram condições. Mas não têm o direito de nos impor condições e muito menos de nos pedir que renunciemos ao que a maioria dos cubanos escolhe. Não é decisão de um homem, nem de um grupo de pessoas. É a decisão de todo um povo.
BdF RS - O filme O Poderoso Chefão mostra bem a relação do (ditador Fulgencio) Batista com a máfia americana, não?
Raúl Capote - Tem um livro chamado O Império de Havana, do jornalista Enrique Cirules, que é maravilhoso, um trabalho investigativo fantástico. Todas as tardes um barco ligava Havana à Flórida. Fazia duas viagens por dia, uma de manhã e outra à tarde. O dinheiro da máfia saía na balsa para os EUA. Apenas do Riviera Hotel e do Riviera Casino, saia 1 milhão de dólares. Imagine 1 milhão de dólares na década de 1950. Batista também recebia sua parte. Foi um grande negócio.
Era um Estado mafioso onde se podia fazer o que quisesse. Luis Santos, traficante, membro da máfia italiana, foi senador da República em Cuba. Era um narco-estado. O plano de Batista era construir quilômetros de hotéis com cassinos, enquanto a maior parte do país passava fome. Foi a primeira ditadura que utilizou a tortura elétrica como método. Experiências que, depois, foram aplicadas nos regimes golpistas da América Latina.
(*) Rede de contraespionagem cubana presente em Miami nos anos 1990 para descobrir os responsáveis por atentados terroristas praticados contra Cuba. Cinco de seus integrantes – Tony Guerrero, Gerardo Hernández, Ramón Labañino, Fernando González e René González – foram presos e receberam sentenças de até 22 anos de prisão nos EUA. As condenações receberam críticas e oito Prêmios Nobel pediram a libertação dos cubanos. No governo Barack Obama foram libertados através de troca por espiões norte-americanos presos na ilha. O drama foi contado no livro Os Últimos Soldados da Guerra Fria, de Fernando Morais, e no filme Wasp Network: Rede de Espiões, de Olivier Assayas.
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