Greve nas Instituições Federais de Ensino
Desde o final de março deste ano, diversas instituições federais de ensino decretaram greve por tempo indeterminado. A situação atinge Colégios de Aplicação, Colégio Pedro II, CEFETs, Institutos e Universidades Federais em todo o país. A despeito de um reajuste para todos os servidores em 2023, é preciso compreender os fatos que levaram a essa situação na educação:
Os servidores Técnico Administrativos em Educação (TAEs) não receberam nenhum reajuste desde o acordo da greve de 2015. Na ocasião, a categoria firmou um acordo com o governo para uma reposição das perdas inflacionárias ocorridas entre 2013 e 2015. A reposição das perdas até 2015 foi parcelada para 2016 e 2017. Logo, apesar de toda a inflação acumulada desde 2015, os TAEs não tiveram qualquer reposição. E permaneceram sem qualquer mudança salarial entre 2017 e 2023, significando uma perda de poder de compra superior a 40%.
Os professores das Universidades (MS - Magistério Superior) e dos Colégios, Institutos e CEFETS (EBTT - Professores do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico) firmaram um acordo para repor as perdas salariais de 2013 a 2015 com uma reestruturação de carreira. O acordo foi parcelado entre 2016 e 2019. Não ocorreram mudanças salariais entre 2019 e 2023, significando perdas de poder de compra de aproximadamente 30%.
Para encerrar as pautas econômicas, a greve cobra a recomposição dos orçamentos das instituições federais de ensino, reduzidos desde 2014 e, principalmente, entre 2019 e 2022. A redução orçamentária afeta a qualidade do ensino, as condições de trabalho, os recursos para bolsas de projetos (extensão, ensino, iniciação, etc.), as diversas modalidades de auxílio permanência-êxito que permitem aos estudantes de famílias pobres estudar. Ademais, a falta de recursos tem colocado essas instituições em uma situação de dependência de emendas parlamentares, favorecendo a utilização dos recursos públicos para fins eleitorais por diversos parlamentares.
No caso dos CEFETs, Colégios e Institutos Federais, que é o nosso foco, há ainda pautas não econômicas, mas cruciais para a qualidade das instituições. A primeira delas é a cobrança pela revogação do chamado Novo Ensino Médio. A Reforma do Ensino Médio (Novo Ensino Médio) constitui uma ameaça pedagógica e pode afetar milhares de estudantes que encontraram nessas instituições uma opção de educação pública, gratuita e de qualidade. O espaço aqui não nos permite aprofundar o debate, por isso indico textos que explicam o risco à classe trabalhadora, os riscos aos estudantes e docentes e, ao contrário do que dizem as propagandas pagas para serem veiculadas como notícia, a maioria que vivenciou, vivencia e conhece o Novo Ensino Médio reprova o modelo (é só verificar as pesquisas da Rede de Escola Pública e Universidade e da UNESCO).
A segunda é a revogação da Portaria 983, de 18 de novembro de 2020. A proposta da portaria é tratada de modo simplista na imprensa, dizendo que os professores são contra a elevação da sua carga horária. É uma mentira, posto que professores dessas instituições são contratados por cargas horárias fixas: 20 horas, 40 horas ou 40 horas com dedicação exclusiva. O que a portaria faz é ampliar a carga horária em sala de aula em prejuízo das atividades administrativas e - mais grave - da pesquisa e da extensão. Posto que CEFETs, Institutos e Colégios federais são, por lei, vinculados à tríade Ensino-Pesquisa-Extensão a portaria fere de morte o formato bem-sucedido dessas instituições. Logo, haverá menor tempo para orientação de trabalhos de conclusão de cursos, orientação de projetos de ensino, de extensão e iniciação científica. As atividades administrativas referem-se às comissões de reformulação de cursos, Núcleos Docentes Estruturantes, Colegiados e, como a gestão é realizada por servidores de carreira, coordenadores e diretores são docentes e/ou técnicos administrativos. A portaria, portanto, não aumenta a carga horária de trabalho - fixada em lei e pelo regime de contratação -, ela piora as condições de trabalho e de oferta de uma educação articulada com a pesquisa científica, com as necessidades da comunidade e relacionada às demandas do arranjo produtivo local (como preconiza a lei de criação dos Institutos Federais).
Retornando à questão salarial, os servidores públicos federais não contam com uma data-base e nem com o direito ao dissídio coletivo. Portanto, toda reposição das perdas inflacionárias depende de negociação com o governo. É importante salientar que se trata de uma negociação assimétrica. Apenas uma das partes dispõe da “caneta” para assinar qualquer acordo. Isso quer dizer que a interrupção dos serviços não deve ser colocada na conta dos servidores - profissionais dependentes de remuneração para a sua subsistência -, que não contam com dispositivos legais para o dissídio anual. Ademais, a greve só foi deflagrada após meses - desde meados de 2023 até março de 2024 - sem propostas aos profissionais da educação para o ano de 2024. Tratamento muito diferente de outros servidores que receberam reajustes para este ano, como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal Penal.
Há, portanto, um tratamento discriminatório, pois o reajuste de 2023 foi igual para todas as categorias e algumas das carreiras que receberam reajuste também em 2024 já haviam sido contempladas por reajustes no governo anterior. Portanto, os profissionais de educação, preteridos no governo anterior, estão sendo preteridos em 2024 mesmo em situação de perda do poder de compra maior que as demais categorias do serviço público federal.
Existe no debate público uma mentira sobre a ausência de mobilizações durante os governos Temer e Bolsonaro. Como se a presença de um governo de esquerda fosse mais permissiva para greves. A mentira inventa uma suposta “autoridade” diferenciada dos presidentes anteriores. Mas, esses fatos não resistem à análise séria do contexto:
I) Com os acordos da greve de 2015 vigentes até 2017 (TAEs) e 2019 (docentes), legalmente uma nova greve não poderia ocorrer sem contestações jurídicas nesse período. Mas isso não significou ausência de mobilizações dos trabalhadores da educação no Governo Temer: em 2016 e 2017, ocorreram mobilizações e manifestações contrárias à Reforma do Ensino Médio (logo, o tema não veio à pauta agora em um governo de esquerda) e à Reforma Trabalhista; em 2018, houve greve de alguns dias em vários campi do Instituto Federal de São Paulo contra a divisão do IFSP, que seria feita sem critérios geográficos, econômicos e pedagógicos claros por meio do acordo entre a reitoria da época e o Ministério da Educação de Temer, encabeçado por Mendonça Filho. Isso, sem contar as ações estudantis em vários locais do Brasil - incluindo instituições federais - de ocupações de escolas no período - severamente estigmatizadas por mentiras disseminadas pelo MBL.
II) Em 2019, no governo Bolsonaro, ocorreram paralisações de alguns dias em diversas Universidades e Institutos Federais contra os cortes de até 30% do orçamento das instituições. Na ocasião, militantes bolsonaristas e o próprio ministro, Abraham Weintraub, participaram da divulgação de uma série de mentiras sobre as Universidades, os estudantes e professores. Ademais, diversas ações de oposição ao projeto do Future-se, do mesmo ministro. Em 2020 e 2021, vivemos a pandemia de Covid-19, obviamente os servidores públicos não fizeram greve e nem fariam em um cenário de emergência sanitária e de necessidade de direcionamento do orçamento público. Ao contrário, apesar da estrutura deficitária, agiram para oferecer aulas, plantões e atividades em formato remoto. Por fim, 2022 foi ano eleitoral e há algumas restrições para reajustes salariais em parte do ano, além da certeza de que uma paralisação dos servidores da educação seria tratada como ação político-partidária contra o governo Bolsonaro. Logo, mentem aqueles que omitem as articulações dos profissionais de educação.
Há partidários do próprio governo reproduzindo essa mentira para vender uma imagem republicana dos membros do governo. No entanto, a greve ocorre em reação à política econômica neoliberal de Haddad, à conversão do Ministério da Educação de Camilo Santana e Izolda Cela - exonerada em 30 de maio para as eleições municipais - em agência para as organizações empresariais interessadas na educação, como Fundação Lemann e Todos pela Educação. Longe de aproveitar a benevolência de Lula, os trabalhadores da educação querem ser tratados com isonomia em relação aos outros servidores federais e, como profissionais, terem seus direitos respeitados.
Há que se denunciar as manobras de José Lopez Feijóo, nomeado negociador pelo governo. Desde outubro de 2022, o processo n.° 1833-05.2012.5.10.0010 transitou em julgado impedindo o PROIFES Federação de realizar atividade sindical em relação às categorias representadas pelo SINASEFE. Ou seja, há quase dois anos, está pacificado que professores EBTT (CEFETs, Colégios e Institutos Federais) não estão entre os profissionais representados pelo PROIFES (vinculado à CUT). Apesar disso e da reduzida base entre os professores das Universidades Federais, o governo assinou com essa federação o acordo e alardeou que havia finalizado as negociações com os professores. Não foi por acaso que a Justiça Federal do Sergipe anulou o acordo em 29 de maio. Portanto, o governo sabia que a assinatura com o PROIFES/CUT não passava de mera estratégia para enfraquecer a greve e a decisão da Justiça Federal do Sergipe apenas reconheceu o que já estava pacificado.
As manobras para deslegitimar o movimento continuaram. Para dar ares de institucionalidade ao acordo que atacou o direito constitucional à greve, a Coordenação-Geral de Registro Sindical, vinculada ao Departamento de Relações de Trabalho, publicou um despacho deferindo registro sindical ao PROIFES. No despacho de 06 de junho de 2024, o governo insiste em incluir no rol de representados pelo PROIFES os professores universitários e os professores EBTT. No caso desta última categoria o despacho está em flagrante oposição à decisão judicial.
É fundamental ressaltar que nenhuma associação representativa dos TAEs assinou qualquer acordo, o que afeta também as Universidades. Isto é, não há acordo com representantes legítimos dos professores EBTT, não há acordo com nenhuma representação dos TAEs e o PROIFES/CUT possui uma base reduzida de professores das Universidades. Outro expediente de propaganda, beirando a desinformação, foram os cards sobre os valores dos salários dos docentes: o Ministério da Educação divulgou como salário inicial o valor de um professor doutor com carga horária de 40 horas com dedicação exclusiva. Ora, o salário para comparar com o Piso Nacional da Educação Básica deveria ser do docente ingressante com carga horária de 40 horas semanais sem dedicação exclusiva e apenas graduado.
Por fim, Lula realizou em 10 de junho uma reunião com os reitores das Universidades e Institutos Federais. A intenção foi realizar o anúncio de recursos às instituições federais e reiterar que não haverá proposta para reajuste aos trabalhadores da educação em 2024. O presidente utilizou o termo “reunião” para um anúncio de recursos, afirmação de que não há razões para a greve e para, indiretamente, cobrar ações dos gestores para finalizar a greve.
Quanto aos anúncios de recursos, o valor é insuficiente para retomar o valor de custeio que Bolsonaro herdou no primeiro ano de governo (PLDO de Temer). Isto é, sem correção monetária, os valores recompostos ainda são menores do que o aprovado para 2019. Claro, nos anos seguintes, o governo anterior realizou cortes sobre cortes, quase inviabilizando as instituições. Porém, o fato é que os recursos parcelados totalizando R$3,4 bilhões para obras incluem campi que já foram abertos e a estrutura não entregue. Desse dinheiro, R$800 milhões são para obras interrompidas ou reformas estruturais. Roberto Leher, ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que esses R$800 milhões significam apenas o que a UFRJ precisa para retomar obras e reformar instalações com problemas. Ou seja, longe de garantir devidamente a expansão dos Institutos Federais em cerca de 100 campi anunciada no início do ano, o valor precisa ainda dar conta, por exemplo, de campus prometidos em governos anteriores (ou com funcionamento iniciado precariamente). Além disso, esse valor deve servir para as 10 novas unidades de Universidades Federais anunciadas na reunião, como a de São José do Rio Preto (SP). Ironicamente, nesta cidade há um campus do Instituto Federal, aprovado no governo Temer, que funciona em uma estrutura doada pela prefeitura local e que ainda está sem professores suficientes para iniciar o Ensino Médio Integrado, que é prioridade segundo a Lei 11.892/2008 (criação dos Institutos Federais).
Em todo caso, se tais atos devem ser tomados como sinalização de boa-vontade, a assinatura com o PROIFES, a concessão de registro sindical (apesar de decisões judiciais) e as falas de Lula e Camilo classificando a greve como indevida (questionando até a coragem de sindicalistas para encerrar a greve) indicam o contrário. Para quem quiser saber mais, neste link há uma entrevista esclarecedora do professor Valter Pomar, da Universidade Federal do ABC. Além disso, não há menções às pautas não-econômicas, como a questão do Novo Ensino Médio e a Portaria 983/2020. O resumo é: o governo não realizou uma negociação efetiva sobre as pautas da greve dos profissionais da educação, não recompôs o orçamento das instituições federais de ensino e utilizou diversos expedientes para dar sequência à estigmatização das Universidades, Institutos Federais e dos profissionais da educação. Será preciso lembrar sempre esse tratamento. Está em curso uma traição às promessas feitas pelo próprio Lula de valorização da educação.
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