CNBB E PL 1904/2024
Todos sabem da minha simpatia e respeito histórico à CNBB, em outro momento posso até explanar a respeito, mas o fato é que no tocante ao PL-1904, a instituição se precipitou.
Emitir respostas rápidas à sociedade, nunca foi uma característica dessa grande instituição, dado sua elevada qualidade, respeito e sensibilidade social, tendo sempre prudência.
A verdade é que falhou na precipitação, e descrevo abaixo algumas razões por tal entendimento.
Não podemos mais aceitar que desde o pecado original de Eva, a mulher continue a pagar um preço social muito alto, bem diferente da punição de Adão.
Percebemos isso na prática, onde parece que nem a escolha de Maria por parte de Deus para ser a mãe de Jesus, aplacou o ódio fundamentalista de alguns líderes religiosos.
Nem mesmo a sublime saudação do Anjo Gabriel a Virgem Maria, "Ave Cheia de Graça" lhes colocou no devido lugar, pois se acham mais verdadeiros que os próprios anjos mensageiros.
Se uma mulher cristã compreendesse a profundidade do canto Magnificat de Maria, teria um olhar diferente sobre ela mesma, e se um homem entendesse a lógica de uma sociedade machista e misógina, agiria como José em sua proteção.
O Brasil insiste em querer debater a questão do aborto, legítima por sinal, mas completamente apartado da questão da mulher, de seus dramas, o que é inaceitável.
Somos o 4° país no mundo no ranking de mulheres casadas com idade inferior a 15 anos, e também o 4° nas que possuem idade entre 16 e 18 anos. Esse fato, por si só, já deveria ser um motivo de atenção especial das autoridades, e também daqueles que se dizem cristãos. Quem de fato se preocupa com seu semelhante, não aceitaria tal situação social.
Quase 80% (79,36%) dos casos de violência contra a mulher, diz respeito a jovens menores de 19 anos. Então, como debater o aborto sem levar em consideração a situação das mulheres, sobretudo, das jovens?
Nesses 80%, temos a seguinte distribuição:
- 10 a 14 anos :
79% estupro
21% outras violências
- 15 a 19 anos:
81% estupro
19% outras violências.
Desses crimes de estupro, 30% resultaram em gravidez, é o que se sabe oficialmente para a faixa dos 10 a 14 anos, e 17% para a faixa entre 15 e 19 anos. Imaginem a quantidade de casos que não chegam ao conhecimento do sistema de saúde?
Fazer discurso moralista contra o aborto é fácil? Difícil é propor saídas a essas jovens. Aliás, quem normalmente faz discurso radical contra o aborto, se coloca sempre contra as políticas públicas e de prevenção.
Os dados citados revelam a corrosão da estrutura social e a vulnerabilidade a que estão expostas a juventude feminina.
Se o criminoso PL- 1904 for de fato aprovado, estarão condenadas 1,2% de meninas indígenas, 64,5% de pretas/pardas e 34,3% de brancas que sofreram estupro.
Elas (as meninas) serão duplamente condenadas, primeiro pela própria violência, depois pela aplicação da lei, seja por medida educativa ou prisão. Cumprirão penas sem terem culpa.
A culpa e a pena, serão, portanto, imputadas a vítima que sofreu violência.
Não há psicologia e psiquiatra que possa salvar um Ser humilhado e desprezado a tal ponto.
Devemos aceitar que o grande responsável por essa tragédia é a estrutura político-econômica desigual, que precisa ser transformada com amplas políticas públicas voltadas especialmente à juventude feminina.
De modo particular, àquelas que estão em um alto nível de vulnerabilidade, e que representam a maioria.
A CNBB, por sua elevada credibilidade, deveria propor uma Campanha da Fraternidade sobre esse tema.
Esse é o caminho!
Um abraço fraterno
Bernardino Brito
Dados: Datasus; Fiocruz; UNFPA; Ministério da Saúde
***
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O capitalismo está podre. Todos sabemos disso. Mas ele não cai sozinho