quinta-feira, 21 de novembro de 2024

QUEM FINANCIA O GENOCÍDIO PALESTINO * Ana Paula Rocha/SE

QUEM FINANCIA O GENOCÍDIO PALESTINO
Governo de Sergipe comprou quase R$ 3,7 milhões em armas de ex-estatal israelense ligada a massacres de palestinos.

Ao todo, 274 carabinas da empresa Israel Weapon Industries Ltd foram adquiridas entre 2022 e 2023. A empresa é uma das fornecedoras das forças armadas israelenses, envolvidas em uma guerra genocida contra os palestinos.

Em 2022, nos últimos meses do mandato de Belivaldo Chagas (à época no PSD, atualmente no Podemos) como governador de Sergipe, seu secretário de Segurança Pública, João Eloy de Menezes, acordou a compra de armas da empresa Israel Weapon Industries Ltd, também conhecida pela sigla IWI.

A edição do Diário Oficial de Sergipe de 31 de agosto daquele ano traz o extrato do contrato, no qual consta que as 85 unidades de carabinas calibre 556 – 10 delas com mira holográfica – custariam aos cofres públicos US$ 187.715,15, o equivalente a R$ 1,08 milhões na cotação atual.

Em março de 2023, sob novo governo estadual, porém mantendo João Eloy à frente da segurança pública sergipana, outra compra de carabinas da mesma empresa: o governo do então recém-eleito Fábio Mitidieri (PSD) adquiriu 50 unidades a um custo de pouco mais de R$ 884 mil (US$ 152.501,16).

Seis meses mais tarde e em sua segunda compra de armas da IWI, a gestão Mitidieri divulgava o extrato do contrato para a aquisição de 139 carabinas calibre 556 no valor total de US$300.245,56, pouco mais de R$ 1,7 milhões.

Menos de 30 dias após essa transação, Israel intensificaria seus ataques a Gaza, matando pelo menos 44 mil pessoas até o momento – 70% delas crianças e mulheres. A investida contra a faixa de terra do tamanho do município sergipano de Japaratuba e que abriga mais 2 milhões de habitantes cercados por terra, ar e mar desde 2006 é classificada como genocida pela relatora especial das Nações Unidas (ONU) para os territórios palestinos ocupados, Francesca Albanese. No rol de armamentos utilizados por Israel estão justamente armas da IWI.

A Mangue Jornalismo levantou os detalhes dos movimentos de aproximação do governo de Israel e da IWI com Sergipe. São gestos tímidos e concentrados nos últimos seis anos, mas que sugerem o interesse do país no menor estado nordestino, bem como a disposição das duas administrações estaduais sergipanas mais recentes em responder positivamente a estes acenos.

Para além de transações comerciais, as trocas incluem conversas – que não vingaram – para parcerias com a Universidade Federal de Sergipe (UFS), única instituição pública de ensino superior do estado.

“Esse é um armamento de guerra”

Atualmente empenhado em sucessivos bombardeios contra a população civil de seus vizinhos, o autodenominado Estado judeu é pioneiro na exportação de tecnologia de ocupação para dezenas de países – e a Israel Weapon Industries é parte importante desta história.

Privatizada em 2005, ano no qual foi também rebatizada, a IWI foi fundada em 1933 como uma divisão da Israel Military Industries Ltd (IMI). À época, o estado de Israel ainda não havia sido implantado na Palestina, fato que se deu na segunda metade da década de 1940 após ataques coordenados de sionistas (defensores da existência de um Estado só para judeus) majoritariamente europeus a vilas palestinas, com expulsões violentas de seus moradores.

Conhecida por suas armas de fogo portáteis, a criação mais famosa da IWI é a submetralhadora Uzi, concluída em 1950 e utilizada na ocupação de áreas palestinas desde 1954, ano de sua adoção oficial pelas Forças de Defesa de Israel (mais conhecidas pela sigla em inglês IDF). Já as armas do tipo carabina, cujo nome comercial dado pela empresa é “ACE”, são mais recentes e foram pensadas para “atender às necessidades do campo de batalha moderno”.

No final de agosto de 2023, o governador Fábio Mitidieri entregou as 75 carabinas sem mira holográfica compradas ainda na gestão de Belivaldo Chagas. A Polícia Militar sergipana recebeu 55 delas e à Polícia Civil do estado ficou com as 20 restantes.

Já as 139 carabinas da terceira compra foram entregues à Polícia Civil de Sergipe no dia 21 de agosto deste ano. O armamento foi pago com recurso de emenda parlamentar destinada pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que é delegado da Polícia Civil. O dinheiro faz parte de um repasse de 2022 no valor de R$ 3,5 milhões reservado para o “desenvolvimento de políticas de segurança pública, prevenção e enfrentamento à criminalidade”, como informado no Portal da Transparência.

BANCADA SIONISTA
A deputada federal Delegada Katarina (PSD); o senador Alessandro Vieira (MDB-SE); o secretário de Segurança Pública de Sergipe, João Eloy de Menezes; e o governador de Sergipe, Fábio Mitidieri (PSD), participaram de evento para entrega das 139 carabinas da empresa israelense IWI em agosto deste ano. Foto: André Moreira/Ascom governo de Sergipe.

Em seu agradecimento ao senador, o atual delegado-geral da Polícia Civil sergipana, Thiago Leandro, disse que “esse é um armamento de guerra” e explicou que a demora na entrega do armamento se deu por conta do conflito entre Israel e o braço armado do grupo palestino Hamas. “Agora vamos disponibilizá-lo para as equipes policiais civis para que possam combater o crime com mais eficácia”, afirmou o delegado-geral em notícia publicada no site do governo estadual.

Testado em combate

A deputada federal Delegada Katarina (PSD); o senador Alessandro Vieira (MDB-SE); o secretário de Segurança Pública de Sergipe, João Eloy de Menezes; e o governador de Sergipe, Fábio Mitidieri (PSD), participaram de evento para entrega das 139 carabinas da empresa israelense IWI em agosto deste ano. Foto: André Moreira/Ascom governo de Sergipe.

Em seu agradecimento ao senador, o atual delegado-geral da Polícia Civil sergipana, Thiago Leandro, disse que “esse é um armamento de guerra” e explicou que a demora na entrega do armamento se deu por conta do conflito entre Israel e o braço armado do grupo palestino Hamas. “Agora vamos disponibilizá-lo para as equipes policiais civis para que possam combater o crime com mais eficácia”, afirmou o delegado-geral em notícia publicada no site do governo estadual.

Os armamentos de guerra vendidos por fabricantes israelenses têm o selo de “testado em combate”, como explica o jornalista australiano Antony Loewenstein no livro Laboratório Palestina, lançado este ano no Brasil. Seu título faz referência ao uso dos mais variados tipos de armamentos contra a população palestina confinada em Gaza e nos territórios ocupados da Cisjordânia, onde estão, por exemplo, cidades como Ramallah, Belém, Jericó e Al Khalil (Hebron, em hebraico).

O site oficial da IWIinforma que “as armas da empresa são desenvolvidas em estreita colaboração com as Forças de Defesa de Israel [IDF]” e que “suas mais recentes configurações são o produto de interações contínuas, testes em campo e modificações resultantes de necessidades de combate e experiência”.

Questionado por e-mail pela Mangue Jornalismo se corrobora com a manutenção de laços comerciais com empresas diretamente envolvidas na morte de civis, o senador Alessandro Vieira disse que “a escolha do fornecedor é feita pelo Executivo, através de processo próprio. O parlamentar apenas atende a demanda orçamentária”.

Ele ressaltou que também destinou emendas parlamentares para áreas como saúde e assistência social, e concluiu sua resposta afirmando que “os resultados da segurança pública em Sergipe são positivos e com amplo reconhecimento nacional”.

Dentre esses resultados, a Mangue Jornalismo mostrou que Sergipe apresenta a maior taxa proporcional de mortes de crianças e adolescentes causadas por agentes da segurança pública, segundo estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Já a assessoria de comunicação da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) de Sergipe afirmou que, “assim como outras secretarias estaduais de segurança pública no Brasil, [a SSP-SE] realiza a compra de equipamentos de proteção individual, incluindo armas de fogo, exclusivamente com base na legalidade dos processos e na qualidade dos produtos adquiridos” e que “no caso das carabinas da Israel Weapon Industries (IWI), a escolha se baseia na combinação de características que tornam essas armas especialmente eficazes para o combate urbano e outras operações de alto risco”. Leia a nota completa ao final da reportagem.

Antes da primeira compra de armas da IWI, agentes de segurança em Sergipe já haviam tido contato com o modo israelense de usar a força. Em dezembro de 2017 e de 2018, o ex-IDF Michael “Mike” Milstein deu formação sobre proteção de autoridades para integrantes da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core), anteriormente conhecida como Grupo Especial de Repressão e Busca (GERB).

TREINAMENTO
Em dezembro de 2017 e de 2018, o ex-IDF Michael “Mike” Milstein deu formação para agentes de segurança em Sergipe. Imagem: Reprodução/Facebook.

Visita do embaixador israelense

Após ser eleito presidente da Frente Parlamentar de Amizade Brasil-Israel em 2015, o então deputado federal por Sergipe Pastor Jony Marcos (Republicanos) se movimentou para aproximar Sergipe de Israel. O ato mais expressivo nesse sentido foi a visita de Yossi Shelley, chefe da embaixada israelense no Brasil entre março de 2017 e março de 2021, à UFS. Na mesma passagem pelo estado, Shelley recebeu o título de cidadão sergipano.

A Mangue perguntou à reitoria da UFS se a universidade foi institucionalmente contatada pelo governo de Israel, instituições, grupos ou coletivos israelenses entre janeiro de 2023 e outubro de 2024 e se a reitoria está trabalhando em alguma atividade ou conversas com parceiros israelenses. Em resposta, a Coordenação de Relações Internacionais (CORI) da universidade respondeu negativamente às duas perguntas.

A coordenadoria, que é responsável pelas atividades com parceiros estrangeiros, ressaltou que “A avaliação da CORI é de que a UFS, como instituição pública, em respeito à Constituição Federal do Brasil, que reza sobre a ‘Prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais’, o ‘Direito à vida, à liberdade e à segurança’, e sobre o ‘Princípio da dignidade humana’, em solidariedade ao povo palestino, vítima de genocídio por parte de Israel, deve manter cautela e rigoroso escrutínio nas relações com aquele País [Israel].”

Apontado este mês como novo embaixador de Israel para os Emirados Árabes Unidos, Shelley foi acusado por uma mulher brasileira de ter cometido assédio sexual, segundo reportagem do jornal israelense Haaretz publicada no ano passado. A mulher afirmou que, em mensagens por aplicativo e em uma ligação de vídeo com Shelley, o embaixador teria tentado negociar a liberação de um visto de turismo para a brasileira em troca de favores sexuais. Cidadãos do Brasil são isentos da exigência de visto para viagens a Israel desde 2000.

Íntegra da nota enviada pela SSP-SE

A Secretaria da Segurança Pública de Sergipe (SSP), assim como outras secretarias estaduais de segurança pública no Brasil, realiza a compra de equipamentos de proteção individual, incluindo armas de fogo, exclusivamente com base na legalidade dos processos e na qualidade dos produtos adquiridos. Nessas aquisições, não entram em questão ideologias políticas ou preferências baseadas em aspectos específicos de outros países. As aquisições são feitas por meio de registros de preço de compras anteriores ou processos licitatórios, inclusive internacionais, sempre em conformidade com a legislação vigente.

Para a compra de armamentos, a SSP de Sergipe utiliza critérios rigorosos que priorizam a confiabilidade, precisão, durabilidade e adequação ao ambiente de atuação das polícias, levando em conta as necessidades operacionais das diversas unidades. Esses critérios asseguram que os equipamentos adquiridos respondam adequadamente às operações diárias e táticas, incluindo situações de alto risco.

No caso das carabinas da Israel Weapon Industries (IWI), a escolha se baseia na combinação de características que tornam essas armas especialmente eficazes para o combate urbano e outras operações de alto risco. As carabinas da IWI são amplamente reconhecidas por suas características técnicas e operacionais, sendo usadas por forças de segurança em diversos países, inclusive por unidades táticas no Brasil, como a Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) e outras equipes de operações especiais da Segurança Pública.

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