sexta-feira, 11 de abril de 2025

O Limite da Conciliação de Classes: entre a ilusão e a ruptura necessária * Prof Aurelio Fernandes . RJ

O Limite da Conciliação de Classes: entre a ilusão e a ruptura necessária
Prof Aurelio Fernandes . RJ

 A conciliação de classes parte da ideia de que é possível harmonizar os interesses da burguesia e do proletariado dentro de um mesmo projeto de sociedade. No entanto, do ponto de vista marxista-leninista, essa premissa é uma ilusão perigosa. A luta de classes é o motor da história, e não há possibilidade real de equilíbrio duradouro entre exploradores e explorados.

Martha Harnecker apontava que “a política é a arte de tornar possível o impossível”. Mas para a esquerda revolucionária, o “impossível” não é a utopia pacificadora da conciliação, mas a superação do capitalismo por meio da construção do socialismo. Tornar possível o impossível significa criar, em meio à correlação de forças desfavorável, condições para o avanço do movimento de lutas da classe e a transformação radical da sociedade.

Lenin foi categórico ao rejeitar a conciliação com a burguesia. Para ele, os interesses de classe são irreconciliáveis. Qualquer tentativa de harmonização apenas fortalece a dominação da classe dominante, seja por meio do parlamentarismo burguês, do sindicalismo reformista ou da cooptação de lideranças populares.
A experiência da Revolução Russa deixa isso claro. Os mencheviques, que defendiam uma aliança com a burguesia liberal contra o czarismo, fracassaram. Apenas os bolcheviques, que apostaram na independência de classe e na organização dos sovietes, foram capazes de levar a revolução até o fim. A conciliação seria a rendição.

Na América Latina, as experiências de conciliação também mostraram seus limites. O governo de Salvador Allende, no Chile, tentou realizar transformações estruturais dentro da democracia burguesa, mantendo setores da burguesia nacional como aliados. O resultado foi o golpe militar de 1973, que esmagou o movimento popular e instaurou uma ditadura neoliberal.

Guardando as devidas proporções, outro exemplo emblemático é o Brasil. Os governos do PT apostaram em alianças com setores do capital, acreditando que poderiam governar para todos. Implementaram políticas sociais importantes, mas não tocaram nos pilares do poder econômico. O golpe parlamentar de 2016 mostrou os limites dessa estratégia: quando os interesses da classe dominante foram ameaçados, a conciliação ruiu.

O Estado, como ensinou Marx, é um instrumento de dominação de classe. Ele não é neutro. Em momentos de crise, revela sua verdadeira face: repressiva, autoritária, a serviço do capital. A conciliação serve, nesse contexto, para desmobilizar a classe trabalhadora e manter a aparência de estabilidade.

A política de alianças, do ponto de vista marxista-leninista, só é legítima se for tática, subordinada à estratégia da revolução. Ou seja, pode-se fazer acordos temporários, mas sem nunca perder a independência de classe e sem iludir o povo com promessas de reconciliação permanente com os opressores.

Harnecker nos lembra que o papel da política revolucionária é abrir caminhos onde só há bloqueios. Isso exige ousadia, criatividade e organização. Não se trata de negar a correlação de forças, mas de transformá-la. A política, nesse sentido, é uma luta consciente pelo avanço do poder popular que só se concretiza na tomada do poder pelas trabalhadoras e trabalhadores da cidade, do campo e das florestas.

Mesmo com muitas limitações, movimentos como o MST no Brasil expressam essa ideia na prática. Em vez de esperar pela reforma agrária via instituições burguesas, constroem assentamentos, escolas, cooperativas. É a política revolucionária que cria o possível em meio ao impossível, a partir da ação coletiva e organizada.

Na Venezuela, os governos de Chavez apostaram em ir além da conciliação ao criar as comunas como base do avanço poder popular rumo ao socialismo. Enfrentou a burguesia interna e o imperialismo, ainda que com contradições. Essa tentativa de ruptura revelou tanto o potencial quanto os limites da transformação dentro do Estado burguês que se hoje se acumulam nas atuais contradições do Governo de Maduro.

A experiência cubana é outra referência. Lá, a revolução não conciliou: expropriou a burguesia, rompeu com o imperialismo e construiu um novo tipo de Estado. Foi a única forma de garantir conquistas sociais duradouras. Mesmo com bloqueio e dificuldades, Cuba mostrou que é possível avançar sem se render à lógica do capital.
Na prática, a conciliação serve muitas vezes como freio. Ao invés de preparar o povo para a luta, gera desmobilização. Ao invés de formar consciência de classe, reforça ilusões. É uma armadilha que transforma partidos de esquerda em gerentes da crise capitalista.

A superação da conciliação exige clareza ideológica e compromisso estratégico com a revolução. Isso não significa sectarismo ou isolamento, mas firmeza de princípios. Significa construir uma política voltada para os interesses históricos da classe trabalhadora.

O papel dos revolucionários é disputar o poder, não apenas administrar a miséria. E para isso, precisam construir instrumentos próprios: partidos, sindicatos combativos, frentes populares e classistas. Instrumentos que não se confundam com os aparelhos da ordem burguesa.

É claro que a luta é desigual. O capital tem os meios de comunicação, o aparato do Estado, o poder econômico. Mas a força do povo organizado é transformadora. A história prova isso. O impossível só se torna possível quando há coragem para romper com o que parece inevitável.

Como dizia Harnecker, não basta denunciar o sistema: é preciso construir alternativas. Isso exige paciência estratégica, mas também determinação. Exige entender que concessões táticas não podem se tornar capitulações estratégicas.

A política revolucionária é, portanto, a arte de construir poder popular em meio ao caos do capitalismo. De educar, organizar e mobilizar. De avançar sem ilusões, com os pés no chão e os olhos no horizonte.

A conciliação de classes não é um caminho para o socialismo. É, na melhor das hipóteses, uma pausa breve antes da próxima ofensiva do capital. E na pior, uma armadilha que desarma o povo e fortalece os seus inimigos.

Se quisermos tornar possível o impossível — um mundo sem exploração — teremos que rejeitar a conciliação como estratégia. Só assim construiremos uma política à altura do desafio histórico que enfrentamos.

AURÉLIO FERNANDES . RJ

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