Mostrando postagens com marcador o globo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador o globo. Mostrar todas as postagens

sábado, 10 de dezembro de 2022

O QUE O JN SEMPRE ESCONDE DE VOCÊ * Ângela Carrato - G1

O QUE O JN SEMPRE ESCONDE DE VOCÊ

Ângela Carrato / https://www.globo.com/


Roberto Marinho sempre disse que tão importante quanto o que os seus veículos de comunicação publicavam era o que deixavam de publicar.


Como o silenciamento seletivo do Jornal Nacional é historicamente um crime cometido contra o direito da população brasileira à informação, passo a fazer, a partir de hoje, a relação dos assuntos que não foram notícia ou foram abordados de forma superficial por este telejornal. 


Até porque ninguém com um mínimo de discernimento  pode acreditar que está tudo tranquilo e que as instituições funcionam plenamente. 


A edição desta noite do JN (5/12) dedicou 85% do seu tempo à  Copa do Mundo, com destaque para a vitória da seleção brasileira sobre a Coreia do Sul. 


Esse tempo absurdamente excessivo acaba encobrindo o que os irmãos Marinho preferem não abordar. A saber:


NO PLANO NACIONAL


1. A tramitação da PEC do Bolsa Família, que tem semana muito importante no Congresso Nacional. É  fundamental para o futuro governo Lula que ela seja aprovada, mas o jogo será bruto. Os Marinho não  querem desagradar o Arthur Lira, o Centrão e menos ainda facilitar a vida de Lula. O que está  em jogo é  o combate à  fome de 33 milhões de brasileiros e recursos para a saúde e educação. Mas para a Vênus Platinada, o povo que se dane. O importante é tentar manter o futuro governo em rédeas as mais curtas possíveis.


2.  A Justiça embargou a compra de 90 tanques de guerra por parte do governo Bolsonaro. O custo seria de R$ 5 bilhões. Em final de governo e Bolsonaro alegando falta de recursos até  para pagar os aposentados, esse assunto ganha a maior relevância. Mas os Marinho preferem não falar nada por causa das velhas amizades com os milicos. Ninguém pode se esquecer que a TV Globo cresceu servindo à ditadura e ainda tem um pé  nos quartéis.


Detalhe: os tanques seriam comprados da Itália, hoje governada pela extrema-direita.


3. O STF vota, na quarta-feira, uma importante ação envolvendo o orçamento secreto. Como se sabe, esse orçamento é  a grande arma de que dispõe Lira para controlar a maioria na Câmara dos Deputados e peitar o Executivo. Derrotar o orçamento secreto é  fundamental para a democracia no Brasil, mas a família Marinho não admite notícia que possa  criar qualquer embaraço para o "coronel" Lira. 


4. O trabalho da Equipe de Transição de Lula e a preparação para a posse do novo presidente. É  inaceitável que faltando 26 dias para a posse não haja nenhuma informação sobre o assunto. "Esquenta"  na Globo só vale para Copa do Mundo e Carnaval?


5. A ação do ministro Alexandre de Morais contra as fake news, em especial no caso da deputada Carla Zambelli. A fake news de Carlos Bolsonaro sobre a ferida na perna do pai. Mostrar isso para o público é  fundamental para desconstruir a narrativa golpista da extrema-direita. Mas a Globo se cala. E quem cala, consente.


6. Passou da hora do JN mostrar o golpismo dos "patriotários". O não mostrar não tem nada a ver com não dar espaço a eles. Tem a ver com não se indispor com a milicaiada golpista. Mas o papel da mídia não é  informar?


6. O governador eleito de São Paulo prepara a bolsonarização do seu secretariado. Vale dizer: o Palácio dos Bandeirantes vai ser transformado em trincheira para os derrotados no plano federal.


NO PLANO INTERNACIONAL


1. O presidente eleito recebeu hoje a visita do assessor de Relações Internacionais do governo Joe Biden, Jack Sullivan. Oficialmente, Sullivan veio convidar Lula para um encontro com Biden antes da posse. Isso foi dito. Faltou, no entanto, contextualizar a tal visita. Qual a situação do governo Biden? Qual a posição do governo Biden diante do mundo multipolar ? Qual a importância de Lula neste momento em relação a esse mundo multipolar? O que os Estados Unidos querem efetivamente de Lula?


2. A guerra na Ucrânia acabou? Claro que não. Apenas sumiu do JN, exatamente no momento em que Biden percebe que o feitiço voltou-se contra o feiticeiro. Os estadunidenses estão indignados com a inflação e querem colocar um ponto final em mais esta aventura belicista do Partido Democrata.


3. A extrema-direita e a direita peruana tentam, pela terceira vez, o impeachment do presidente de esquerda Pedro Castillo. No poder a menos de dois anos, ele vem enfrentando pressões e cerceamentos. As mobilizações internas levam todo o jeito de contarem com as digitais do Tio Sam. Aliás, foi o cúmulo da cara de pau do presidente da OEA, Luis Almagro, se oferecer como "mediador" para os problemas no Peru, logo ele que teve papel fundamental no golpe contra Evo Morales.

Por falar em Bolívia, o atual presidente, Lucio Arce, enfrenta movimento separatista na região de Santa Cruz de la Sierra. Já Evo Morales tem denunciado o apoio aos golpistas pelos Estados Unidos.


4. Na vizinha Argentina estoura um escândalo super parecido com algo recente no Brasil. Lá, a ex-presidenta e atual vice, Cristina Kirchner, vem sendo vítima de lawfare. A Justiça investe contra ela da mesma forma que aqui Lula foi vítima da Operação Lava Jato. Se aqui foi preciso um hacker para mostrar o conluio de setores da Justiça com apoio até do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, lá as armações contra Cristina foram divulgadas pelo jornal Tiempo Argentino e envolvem juízes e o maior conglomerado de mídia local, o Grupo Clarin. Qualquer semelhança entre a Operação Lava Jato e a parceria da Globo com Sérgio Moro não é mera coincidência.

Por tudo isso, o JN está longe de fazer jornalismo. 


O que a família Marinho fez e continua fazendo é a defesa dos próprios interesses, associado ao apoio à  direita da qual é parte integrante.


Que se dane a informação para o seu respeitável público.

*

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Toffoli viu o filme errado * Bernardo Mello Franco /O Globo

Toffoli viu o filme errado

Bernardo Mello Franco /O Globo  


Depois de chamar o golpe de 1964 de “movimento”, Dias Toffoli resolveu criticar a Argentina por julgar e punir os carrascos da ditadura militar. 


Na segunda-feira, o ministro do Supremo disse que o país vizinho “ficou preso no passado, na vingança, no ódio e olhando para trás, no retrovisor, sem conseguir se superar”. 


“Nós não podemos nos deixar levar pelo que aconteceu na Argentina”, pontificou, em palestra a empresários brasileiros em Nova York. “Não vamos cair nessa situação em que infelizmente alguns vizinhos nossos caíram”, prosseguiu. 


Para além da ofensa aos argentinos, que já condenaram 1.088 responsáveis por crimes contra a humanidade, as declarações revelam desconhecimento sobre a História e o papel da justiça de transição.


“O passado não precisa ser superado. Precisa ser conhecido para que não se repita”, ensina a procuradora Eugênia Gonzaga, ex-presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. 


Ela foi afastada no início do governo Jair Bolsonaro, quando Toffoli comandava o Supremo e se empenhava em agradar o capitão.


Indicado por Lula, o ministro começou a se aproximar do bolsonarismo na campanha de 2018. 


Antes de assumir a chefia da Corte, foi ao Quartel-General do Exército pedir a bênção do general Villas Bôas. 


Segundo a revista piauí, Toffoli prometeu que a Corte manteria o petista preso até a eleição. 


Ao questioná-lo sobre o episódio, as repórteres ouviram uma resposta lacônica: “Nunca tratei de pauta com ele, nem ele comigo”. 


Na mesma época, o ministro surpreendeu os colegas ao nomear dois generais como assessores: Fernando de Azevedo e Silva, que viraria ministro de Bolsonaro, e Ajax Pinheiro, que havia pedido votos para o capitão. 


A atitude foi interpretada como mais um gesto de subserviência aos militares. 


Toffoli tinha um motivo adicional para não dizer o que disse. Ele é relator da ação que questiona a validade da Lei da Anistia para agentes que mataram e torturaram na ditadura. 


“A fala foi inadequada e extemporânea”, resume o historiador Rogério Sottilli, diretor do Instituto Vladimir Herzog.


Ao emitir o palpite infeliz, o ministro citou o thriller “O segredo dos seus olhos”, estrelado por Ricardo Darín. 


Na volta de Nova York, ele deveria assistir ao recém-lançado “Argentina, 1985”, com o mesmo ator. O filme conta a história de procuradores e juízes que não se acovardaram diante de criminosos que usavam farda.


Colaboração: Eduardo Homem Da Costa

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

BOLSONARO QUER IMITAR DONALD TRUMP * Míriam Leitão / Globo Online

 BOLSONARO QUER IMITAR DONALD TRUMP

Por Míriam Leitão / Globo Online

Nos últimos dias, Bolsonaro renovou ameaças e provocações. Impede as Forças Armadas de divulgar relatório e convoca seguidores a cercar seções 


É vergonhoso para as Forças Armadas a não divulgação do relatório da fiscalização da votação, pelo qual tanto se empenharam. Desta forma, elas perdem a credibilidade. Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro convoca seus seguidores a permanecerem nas seções eleitorais após votar. Isso é intimidação do eleitor e pode caracterizar cerceamento do voto. Isso tudo numa semana em que o presidente, o vice-presidente e o líder do governo na Câmara ameaçam interferência no Supremo, com aumento do número de ministros, após as eleições.


As ameaças institucionais continuam diariamente. O filho do presidente, Flávio, e coordenador da campanha, disse ao GLOBO: “Vocês estão vendo o presidente muito mais calmo, a cada dia mais preparado, com a inteligência emocional cada vez melhor.” Evidentemente, ninguém está vendo isso. A campanha quer passar a ideia para afastar os temores que o candidato propaga.

Num esforço dos jornalistas, eles conseguiram ouvir de três generais, dois deles do Alto Comando, que o relatório está pronto e não mostra qualquer problema com as urnas eletrônicas. Mas o presidente da República determinou que não fosse divulgado. O TCU está em cima, felizmente. É vergonhoso, e essa palavra ouvi de alta autoridade brasileira, que as Forças Armadas se deixem usar dessa maneira para atender aos propósitos eleitorais de um candidato. Sim, candidato. Bolsonaro é comandante em chefe das Forças Armadas apenas para as questões do Estado brasileiro. Como um dos que disputam o próximo mandato, não tem essa autoridade. Elas ficarem submissas e subservientes a ele só aumentou o nível da vergonha e a dimensão da perda de credibilidade. 


A ameaça de mudar o número de ministros do Supremo foi feita pelo presidente em entrevista à “Veja”, depois repetida por ele em falas sequenciais. O vice-presidente Hamilton Mourão respaldou a ameaça, em entrevista a Julia Duailibi e Tiago Eltz, da Globonews, acrescentando outros detalhes a serem alterados no STF como o mandato dos ministros e as decisões monocráticas. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, explicou em entrevista a Andréia Sadi, no Estudio i, que era necessário “enquadrar” o Supremo. Pois, apesar dessas abundantes declarações, Bolsonaro, durante campanha em Pelotas, disse para os jornalistas “vocês inventaram isso. Eu falei que isso não estava no plano do governo e botaram na minha conta”. Antes que alguém afirme que ele “recuou” da proposta, quero repetir: Bolsonaro mentiu quando disse que a imprensa inventou. Ele afirmou, repetiu e seu entorno também disse. Mas, seu aliado Arthur Lira alertou: “Não é o momento adequado”. É preciso não se deixar enganar. O plano é esse, e apenas Lira avisa que não é a hora certa de falar isso, antes das eleições de segundo turno. Porém, foi o presidente que iniciou essa conversa. 


O professor de Direito da FGV Oscar Vilhena, em esclarecedor artigo ontem na “Folha de S.Paulo”, historiou o assunto. Foi defendida por Hitler em 1930 na escalada nazista. Foi praticada no Brasil pelas ditaduras de Getúlio e dos militares. Foi aplicada por Hugo Chávez. “O general Mourão, que serviu como adido militar brasileiro na Venezuela, certamente conhece o desfecho dessa história”, escreveu o articulista. Foi adotada também por Viktor Orbán, na Hungria, por Recep Erdogan, na Turquia, que, em seguida, determinou a prisão de 2.745 juízes turcos. Esse é o caminho de se destruir a democracia. E foi o que Bolsonaro disse que deixou para depois das eleições. Enquanto isso, e com efeito imediato, o presidente convoca seus seguidores a ameaçarem as seções eleitorais. “No próximo dia 30, vamos votar, e mais do que isso, vamos permanecer na região da seção eleitoral até a apuração do resultado”, afirmou Bolsonaro e mais uma vez disse que desconfia do resultado das urnas. Os partidos precisam fazer uma representação contra isso, o mais rápido possível. Isso é uma forma de intimidação e pode resultar num cerceamento do direito de voto. Bolsonaro nunca moderou-se, nunca recuou de seu projeto. Ele quer tumultuar o país se não for reeleito. E se o for, ele seguirá com o seu plano de desmanche das instituições. Como tenho dito aqui, não ver esse risco é o maior dos riscos. 


Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

*

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

PODER PARALELO RIO DE JANEIRO * Anna Virginia Balloussier / José Lucena / FSP

PODER PARALELO RIO DE JANEIRO
Anna Virginia Balloussier


Milícias crescem quase 400% em 16 anos e já ocupam 10% do Grande Rio
Estudo mapeia presença de grupos armados na região metropolitana; Comando Vermelho ainda controla territórios mais populosos
13.set.2022 à 0h05

As milícias chegaram com atraso à leva de grupos armados que agem como se fossem Estados paralelos no Rio de Janeiro, mas ganharam terreno rápido. As áreas sob seu domínio cresceram 387% num período de 16 anos, pulando de 52,6 km² para 256,3 km² na região metropolitana. É como se mandassem num espaço equivalente a 64 Copacabanas, o bairro cartão-postal dos cariocas.

Os milicianos, claro, não se concentram na turística zona sul, mas sobretudo na zona oeste da capital e na Baixada Fluminense. Hoje, 10% de toda a extensão do Grande Rio está sob controle desse poder ilegal, metade de todo o território submetido ao crime.

O levantamento é fruto de uma parceria do Instituto Fogo Cruzado com o Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos), da UFF (Universidade Federal Fluminense). O apanhado histórico dos grupos armados foi feito a partir do cruzamento de quase 700 mil denúncias obtidas via Disque Denúncia, sobre milícia e tráfico de drogas, com um mapa construído especificamente para esse projeto, que retrata mais de 13 mil sub-bairros, conjuntos habitacionais e favelas em toda a região.

Policial conduz homem algemado para fora de viatura

Suspeito é preso durante operação contra milícia comandada por Zinho em 25 de agosto - José Lucena -
25.ago.2022/TheNews2/Agência O Globo

O ritmo da expansão miliciana superou o de qualquer concorrente de criminalidade. São três, a saber: CV (Comando Vermelho), TCP (Terceiro Comando Puro) e ADA (Amigos dos Amigos), facções associadas ao tráfico de drogas.

A fatia geográfica dominada pelo quarteto subiu 131% desde 2008 e hoje corresponde a 20% da região metropolitana. Divide-se assim: milícias detêm 50% desse naco, CV fica com 40%, TCP subjuga 9% e à ADA resta 1%.

O pioneiro dos quatro tem mais gente sob seu controle. São 2 milhões morando em áreas sob o jugo do CV, como a Rocinha e Complexo do Alemão, com favelas de alta densidade demográfica, e a quase onipresença nas populosas Niterói e São Gonçalo.

Sua hegemonia, porém, vem murchando, enquanto a competição paramilitar dilata. Entre 2012 e 2018, a facção comandava áreas maiores e mais populosas do que todos os outros grupos (TCP, ADA e milícias) somados.

Nesse "Game of Thrones" do poder paralelo, a presença miliciana afeta territórios ocupados por 1,7 milhão de habitantes. No começo da série histórica, eram 600 mil. O aumento, portanto, foi de 185%. O CV também espichou no mesmo intervalo, mas em velocidade menor: 42%.

O próprio estudo antevê problemas no recorte populacional, por usar dados do Censo de 2010, muito desatualizados. O novo levantamento do IBGE sofreu atrasos e está sendo feito só neste ano.

Também há chances de distorção ao considerar apenas quem reside nesses locais, já que o poder paralelo também tem impacto, por exemplo, na vida de trabalhadores. Acontece se eles se locomovem em transportes clandestinos, importante filão da milícia, ou param na farmácia perto do trabalho —segundo a Polícia Civil, milicianos já controlam mais de 1.200 drogarias no Rio.

O movimento paramilitar arrefeceu um pouco após a CPI das Milícias, realizada em 2008 na Assembleia Legislativa fluminense. A comissão pediu o indiciamento de 7 políticos e outras 259 pessoas. Os milicianos voltaram a se fortalecer nos últimos anos, beneficiados por um combo de más notícias para o estado, como explica a socióloga Maria Isabel Couto (Instituto Fogo Cruzado), coordenadora do estudo junto com Daniel Hirata (Geni/UFF).

Entre 2016 e 2018, o país acompanhou traficantes se engalfinharem em violentas batalhas por controle territorial, com reflexo no Rio. "Aqui, a disputa entre PCC e CV se materializou com o investimento da facção paulista em grupos rivais do Comando e foi potencializada porque a crise fiscal, econômica e de gestão que o estado enfrentou fragilizou a capacidade de respostas do poder público", afirma Couto. "Essas mesmas condições facilitaram o crescimento explosivo das milícias."

Os anos 1960 pariram esquadrões da morte que serviram de embriões às milícias como hoje as conhecemos. O mais famoso deles, a Scuderie Le Cocq, homenageia no nome um detetive morto pelo bandido Cara de Cavalo, depois executado ao arrepio do devido processo legal.

Grupos de extermínio estiveram por trás de várias chacinas ao longo desses anos, mas o modelo miliciano clássico se fortaleceria só nos anos 2000, com policiais e ex-policiais em seu esqueleto.

Milicianos não são menos tirânicos do que traficantes, mas "se vendem como fiadores de mercadorias valiosíssimas", aponta Bruno Paes Manso no livro "A República das Milícias" (Todavia). Eles prometem ordem e parceria com a polícia, o que diminui o risco de operações policiais e tiroteios nas comunidades.

"Você tem o envolvimento direto dos agentes de segurança pública, então é por dentro do Estado que a milícia cresce, com toda a proteção e a informação privilegiada", afirma o sociólogo José Cláudio Souza Alves, pesquisador do fenômeno.

No começo, havia uma aura justiceira associada à milícia, como se ela tivesse autorização para combater a qualquer custo traficantes que inundavam as comunidades com drogas. Hoje isso é balela. "Milicianos também têm relação com o tráfico, apesar do discurso de que impediriam bandidos de crescer", diz Alves.

"O discurso ‘legitimador’ das milícias faz parte do passado", segundo Couto, do Instituto Fogo Cruzado. "Agora, milícias e traficantes atuam em parceria e fizeram um ‘intercâmbio’. A milícia vende drogas e o tráfico cobra taxas de moradores. A milícia hoje é uma grande holding, já que tem em seu modelo a detenção de ‘participação acionária’ nas atividades do tráfico."

Milicianos já se uniram ao TCP para tomar espaços da ADA e também arrendaram áreas inteiras para traficantes explorarem economicamente uma região. "Como as milícias são compostas também por servidores da administração pública, elas têm acesso a informações que valem muito", diz a socióloga.

Têm também ascendência sobre boa parte de serviços e comércio. Controlam a venda do gás de cozinha, a segurança local, a cobrança de aluguel das casas, o acesso a consultas médicas, a circulação das vans, entre outras frentes de negócio clandestino.

A atuação é quase sempre imposta na base da força. Alguém que se recuse a pagar pela proteção oferecida por milicianos, por exemplo, pode ser coibido a mudar de ideia após sofrer atentados.

Suspeita-se que algo assim aconteceu no latrocínio de um advogado de 27 anos que saía de uma roda de samba no centro do Rio. A Polícia Civil prendeu em agosto um segurança acusado de encomendar o roubo por R$ 400 para o homem que acabou esfaqueando Victor Stephen Pereira.

"Ao ampliar seu domínio territorial, a milícia amplia também sua ‘cartela compulsória de clientes’", diz Couto. "Ela atua fortemente no setor de construção civil, grilando terras, drenando e roubando areia, construindo empreendimentos imobiliários."

A cada dois anos, esse batalhão de criminosos tenta intervir no processo eleitoral, muitas vezes com êxito. Uma das táticas é permitir que apenas candidatos chancelados pela milícia façam campanha nos territórios dominados. Em última instância, chegam a matar potenciais concorrentes.

MAIS PODER PARALELO RIO DE JANEIRO
&
&
INSTITUTO FOGO CRUZADO
***