DEPOIS NÃO ADIANTA CULPAR O “POBRE DE DIREITA”
Lula venceu Bolsonaro com o voto das camadas mais pobres da classe trabalhadora. A expectativa não era a de que Lula fizesse a revolução socialista, mas que tirasse o Brasil do abismo social em que foi jogado.
Algumas medidas atenuaram as consequências desse desastre, mas são minúsculas diante da tragédia enfrentada pelo povo. A insegurança alimentar grave teve redução insignificante, entre 2018 e 2023/2024, de 4,6% para 4,1%. O desemprego caiu, mas os empregos gerados são precários, com longas jornadas e pagam mal. O baixo crescimento do PIB em relação ao seu potencial é desanimador. A destruição do tecido social e a falta de perspectivas em relação ao futuro produz um mal-estar generalizado.
Diante dessa tragédia social, as medidas deveriam ser no sentido de fortalecer a produção, gerar empregos de qualidade, aumentar a renda salarial, elevar o investimento público, reduzir a jornada de trabalho, realizar um programa de obras públicas, reestatizar as empresas públicas privatizadas etc.
Mas a estratégia política do governo é outra. Sua meta se resume a gerir de maneira mais humana a agenda ultraliberal enquanto não mexe nos interesses do grande capital. O ministério da Fazenda, entregue a Fernando Haddad, um liberal convicto e homem de confiança do capital financeiro, impõe uma política de austeridade via Arcabouço Fiscal.
Para que ele funcione e ganhe a confiança do rentismo, anunciam-se vários cortes em direitos sociais. O alvo são os pisos constitucionais mínimos de investimento em educação, atualmente de 18% da receita líquida de impostos, e da saúde, atualmente de 15% da receita corrente líquida. Mas também está na mira o Benefício de Prestação Continuada, que assegura uma renda mensal de 1 salário mínimo para idosos acima de 65 anos e pessoas com deficiência em situação de extrema pobreza.
A política de austeridade não se aplica a todos. Os cortes profundos em direitos sociais são para compensar a permanência da política de desoneração da folha de pagamento para 17 setores econômicos, contidos no PL 1847/2024.
E agora, se não bastasse, Haddad e Tebet anunciam que o governo estuda mexer na multa de 40% do FGTS, reduzindo a parcela que cabe ao trabalhador demitido. Quer também alterar o valor e o número de parcelas do seguro-desemprego. E não acabou: quer ainda mexer no abono salarial, reduzindo o valor pago que é hoje de 1 salário mínimo para quem recebe até 2 salários mínimos médios mensais.
No atual momento histórico, muito se fala sobre as causas da perda de apoio popular da esquerda, demonstrada na fragorosa derrota nas eleições municipais. Ela tem várias causas. Mas um setor da esquerda, situada numa classe média progressista que ocupa postos de comando em estruturas partidárias e no interior do Estado, a culpa seria do “pobre de direita”, desprovido de consciência de classe.
O conceito “pobre de direita” é elitista e se tornou uma espécie de fuga da realidade desses setores da esquerda. Ele retira do governo as responsabilidades por sua opção em manter uma política agressiva de austeridade. E justifica a falta de coragem em peitar os interesses do rentismo, do agronegócio e do imperialismo.
Se o governo insistir na agenda de ataques contra o povo, o resultado será a decepção com a “esquerda” crescer. O que no senso comum reforçará a ideia de que entre esquerda e direita não existem diferenças.
Ainda há tempo para mudar esse destino. O movimento operário e popular precisa se mobilizar e promover ações com centralidade na defesa dos direitos sociais e do trabalho, do resgate da completa soberania nacional e da defesa das liberdades democráticas para o povo, em uma agenda que não dependa das iniciativas do governo.
Caso contrário, estará pavimentado o caminho para derrota eleitoral em 2026. E, depois, não adianta acusar o pobre de direita.
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O capitalismo está podre. Todos sabemos disso. Mas ele não cai sozinho