CHACINAS DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA
Vera Sílvia Araújo de Magalhães
Vera levou um tiro na cabeça e mesmo ferida foi torturada por três meses!
Pendurada no pau-de-arara, respondeu: "Minha profissão é ser guerrilheira."
Nas mãos do exército e da polícia por três meses, passou por choques elétricos, espancamento, simulação de execução, queimaduras, isolamento completo em ambientes gelados e muita tortura psicológica.
A tortura lhe valeu uma hemorragia renal, o que a fez ser transferida para o Hospital Central do Exército, pesando 37 quilos e sem mais conseguir se locomover.
Vera Sílvia Araújo de Magalhães, Bisneta do líder republicano Augusto Pestana, nasceu em uma família de classe média gaúcha radicada no Rio de Janeiro.
Ainda criança, estudando na tradicional escola carioca Chapéuzinho Vermelho, em Ipanema, Vera brigava com as professoras porque a escola queria que os alunos fizessem exercícios em inglês. Ganhou de seu tio Carlos Manoel, aos onze anos, o livro "Manifesto do Partido Comunista", de Marx e Engels, e começou a militar na política com apenas quinze anos de idade, na Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas (Ames).
Ainda no início da adolescência, influenciada pelo que lia e como o pai dava algumas roupas a parentes e companheiros comunistas que viviam na clandestinidade e tinham dificuldade de trabalhar, saiu dando suas bicicletas e bonecas às vizinhas e amigas, acreditando ser isso o "socialismo". Adolescente, estudando no Colégio Andrews e participando do grêmio estudantil, comandou uma greve contra o aumento das mensalidades colocando cimento no portão, o que impediu a entrada de todos na escola, professores e alunos.
Aos 16 anos, participou do comício de João Goulart na Central do Brasil e ao prestar vestibular para Economia, em 1966, passou a integrar a Dissidência Comunista da Guanabara, na ala da Economia, para a qual cooptava estudantes amigos da mesma área, entre eles Franklin Martins e José Roberto Spigner, com quem passou a viver maritalmente.
Aos vinte, em 1968 e já na universidade, organizava passeatas e passou à clandestinidade, integrando a luta armada contra a ditadura militar.
Ela passaria para a história como uma das mais famosas guerrilheiras do Brasil da ditadura militar, quando foi a única mulher a participar do seqüestro do embaixador norte-americano no país, Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969.
Ela foi presa em março de 1970, numa casa do bairro do Jacarezinho, junto com outros companheiros denunciados por uma vizinha e levando um tiro que lhe trespassou a cabeça.
Depois de retirada do hospital com um ferimento à bala na cabeça, Vera Sílvia foi torturada nas dependências do DOI-CODI do Rio de Janeiro, baseado num quartel da Polícia do Exército na Rua Barão de Mesquita, bairro da Tijuca, zona norte da cidade.
Pendurada no pau-de-arara, respondeu aos torturadores quando lhe perguntaram sua profissão: "Minha profissão é ser guerrilheira." Nas mãos do exército e da polícia por três meses, passou por choques elétricos, espancamento, simulação de execução, queimaduras, isolamento completo em ambientes gelados e muita tortura psicológica – tentativa de destruição da personalidade e da dignidade do indivíduo e suas crenças – causadas por remédios psiquiátricos ministrados pelo Dr. Amílcar Lobo, seu principal algoz.
Lobo, codinome Dr. Cordeiro, depois denunciado também por envolvimentos com tortura na famosa Casa da Morte, em Petrópolis, teve seu registro como médico cassado em 1989. Chegou a sair ensanguentada direto de uma sessão de torturas para uma audiência no Supremo Tribunal Militar.
A tortura lhe valeu uma hemorragia renal, o que a fez ser transferida para o Hospital Central do Exército, pesando 37 quilos e sem mais conseguir se locomover. Do HCE ela acabou sendo libertada junto com outros 39 presos políticos, em 15 de junho do mesmo ano, em troca do embaixador alemão no Brasil, Ehrenfried von Holleben, sequestrado por outro grupo guerrilheiro, do qual fazia parte Alfredo Sirkis.
Banida do país para a Argélia, retornou ao Brasil em 1979 após a aprovação da Lei da Anistia, e depois de quatro anos vivendo em Recife com o companheiro, voltou ao Rio de Janeiro e trabalhou no governo estadual como planejadora urbana, até se aposentar por invalidez.
Vera, musa dos integrantes da guerrilha carioca, foi presa após levar um tiro na cabeça e, mesmo ferida, foi torturada por três meses e após dias em estado de coma; entre outras sequelas, sofreu o resto da vida de surtos psicóticos, sangramento da gengiva e crises renais, combateu um linfoma nos últimos anos de vida e morreu de infarto em 2007.
Por causa de seus problemas permanentes de saúde causados pela tortura, em 2002 ela foi a primeira mulher a receber reparação financeira do Estado, através da 23ª Vara Federal do Rio, com uma pensão mensal vitalícia garantida por lei.
JACINTA PASSOS
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PARA NÃO ESQUECER - 29 DE MARÇO DE 1972
A CHACINA DE QUINTINO
(Ernesto Germano Parés)
Você lembra desse fato? Ao menos já ouviu falar? Não! Pois é, os mesmos que comandaram o
abertamente os seus opositores são os que fazem todo o possível para você não tomar
conhecimento da nossa história e de como age o fascismo em nosso país, há muito tempo.
Para quem não conhece, a “Chacina de Quintino”, escondida pela nossa imprensa “tão livre”,
foi uma ação policial (fascista) realizada na época mais escura da ditadura militar no Brasil. A ação
dos “agentes da ordem pública” terminou com a morte de três lutadores brasileiros que faziam parte
da resistência armada contra o regime imposto ao país.
No dia 29 de março de 1972, no bairro carioca de Quintino, na Av. Dom Helder Câmara n°
8988, casa 72, mais alguns lutadores tombaram diante da força mais retrógrada que já tivemos.
Lígia Maria Salgado Nóbrega, Antônio Marcos Pinto de Oliveira e Maria Regina Lobo Leite Figueiredo
foram assassinados pelos agentes do DOI/CODI do Rio de Janeiro.
Precisamos esperar 41 anos e apenas em 2013 a história da “Chacina de Quintino” foi
contada com base em provas reais, derrubando a versão oficial da ditadura. Depois de realizar
pesquisas e coleta de testemunhos, como entrevistas com os vizinhos da vila 8985, em Quintino, e
com o médico-legista Valdecir Tagliare, responsável por assinar a declaração de óbito das vítimas da
chacina, a Comissão da Verdade do Rio realizou um Testemunho da Verdade, em parceria com a
Comissão Nacional da Verdade. A audiência, realizada no auditório da Caarj (Caixa de Assistência da
Advocacia do Estado do Rio de Janeiro), ouviu familiares e amigos de Antônio Marcos Pinto de
Oliveira, Maria Regina Lobo Leite de Figueiredo e Lígia Maria Salgado Nóbrega, mortos na ocasião.
Os três companheiros eram membros da VAR-Palmares, movimento de resistência armada
que denunciava a entrega do país ao grande capital internacional.
“Neste episódio, conseguimos desmontar uma farsa da ditadura. Esse aparelho, de acordo
com a versão oficial, foi estourado num suposto confronto entre os militantes que estavam lá dentro
e agentes de segurança do DOI-Codi. Ou seja, segundo a Ditadura houve uma troca de tiros, mas
essa foi a verdade montada pela Ditadura e que vai parar de vigorar a partir de hoje”, destacou o
presidente da CEV-Rio, Wadih Damous.
Os laudos cadavéricos foram escondidos do público, na época, mas agora sabemos que
mostravam não haver qualquer resquício de pólvora nas mãos dos militantes mortos, jogando por
terra a versão de que tenha havido um confronto armado.
Uma das provas mais contundentes de que as mortes foram resultado de execução
extrajudicial e não de troca de tiros em “legítima defesa”, como divulgado à época, foi a entrevista
com o médico-legista Valdecir Tagliare. Ele revela que os corpos apresentavam esmagamento total
das mãos e parte dos braços o que comprovaria os golpes causados por “armamento pesado”. Ele
contou ainda que o laudo enviado para a direção, como era o procedimento, foi adulterado. “Só tive
acesso ao microfilme anos mais tarde”.
Testemunhas ouvidas muito depois dizem que tudo foi uma execução, com os militantes
sendo mortos depois de rendidos na lateral da casa com tiros na cabeça e que nenhum tiro foi
escutado como saindo da casa.
A isso se somam documentos e depoimentos de vizinhos que afirmam que os militantes não
ofereceram resistência. Eles declararam à comissão que os tiros não partiam de dentro da casa e
que os policiais, ao entrarem na vila, pediram aos moradores que fizessem silêncio e se
escondessem embaixo da cama.
Naquele dia, apenas James Allen da Luz, um dos comandantes da VAR-Palmares, e que ali
morava com a mulher Lígia Maria, grávida de dois meses, conseguiu escapar vivo do cerco, fugindo
pelos fundos da casa em direção à linha de trem que corta o bairro.
Vale registrar que ele “desapareceu” em 1973 em Porto Alegre. Seu corpo nunca foi
encontrado.
Toda a documentação sobre a Chacina de Quintino está com a Comissão Nacional da Verdade
e pode ser facilmente obtida pelos interessados, inclusive pela Internet.
Quando vivemos em um país que foi dirigido por um insano que elogiava o fascismo e as torturas
ocorridas durante o regime militar, mas agora vai para a cadeia; quando vivemos em um país onde um demente e seus filhos
apoiavam e defendiam a existência de milícias que exterminavam abertamente os opositores e a população; ... Então é hora de lembrar da “chacina de Quintino”.
EM MEMÓRIA DE LÍGIA MARIA SALGADO NÓBREGA, ANTÔNIO MARCOS PINTO DE OLIVEIRA E MARIA REGINA LOBO LEITE FIGUEIREDO!
PELO RESTABELECIMENTO DA VERDADE E DO DIREITO À VIDA NO PAÍS!
UM VIVA A TODOS OS QUE LUTARAM, LUTAM E LUTARÃO!
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