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sexta-feira, 16 de setembro de 2022

PODER PARALELO RIO DE JANEIRO * Anna Virginia Balloussier / José Lucena / FSP

PODER PARALELO RIO DE JANEIRO
Anna Virginia Balloussier


Milícias crescem quase 400% em 16 anos e já ocupam 10% do Grande Rio
Estudo mapeia presença de grupos armados na região metropolitana; Comando Vermelho ainda controla territórios mais populosos
13.set.2022 à 0h05

As milícias chegaram com atraso à leva de grupos armados que agem como se fossem Estados paralelos no Rio de Janeiro, mas ganharam terreno rápido. As áreas sob seu domínio cresceram 387% num período de 16 anos, pulando de 52,6 km² para 256,3 km² na região metropolitana. É como se mandassem num espaço equivalente a 64 Copacabanas, o bairro cartão-postal dos cariocas.

Os milicianos, claro, não se concentram na turística zona sul, mas sobretudo na zona oeste da capital e na Baixada Fluminense. Hoje, 10% de toda a extensão do Grande Rio está sob controle desse poder ilegal, metade de todo o território submetido ao crime.

O levantamento é fruto de uma parceria do Instituto Fogo Cruzado com o Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos), da UFF (Universidade Federal Fluminense). O apanhado histórico dos grupos armados foi feito a partir do cruzamento de quase 700 mil denúncias obtidas via Disque Denúncia, sobre milícia e tráfico de drogas, com um mapa construído especificamente para esse projeto, que retrata mais de 13 mil sub-bairros, conjuntos habitacionais e favelas em toda a região.

Policial conduz homem algemado para fora de viatura

Suspeito é preso durante operação contra milícia comandada por Zinho em 25 de agosto - José Lucena -
25.ago.2022/TheNews2/Agência O Globo

O ritmo da expansão miliciana superou o de qualquer concorrente de criminalidade. São três, a saber: CV (Comando Vermelho), TCP (Terceiro Comando Puro) e ADA (Amigos dos Amigos), facções associadas ao tráfico de drogas.

A fatia geográfica dominada pelo quarteto subiu 131% desde 2008 e hoje corresponde a 20% da região metropolitana. Divide-se assim: milícias detêm 50% desse naco, CV fica com 40%, TCP subjuga 9% e à ADA resta 1%.

O pioneiro dos quatro tem mais gente sob seu controle. São 2 milhões morando em áreas sob o jugo do CV, como a Rocinha e Complexo do Alemão, com favelas de alta densidade demográfica, e a quase onipresença nas populosas Niterói e São Gonçalo.

Sua hegemonia, porém, vem murchando, enquanto a competição paramilitar dilata. Entre 2012 e 2018, a facção comandava áreas maiores e mais populosas do que todos os outros grupos (TCP, ADA e milícias) somados.

Nesse "Game of Thrones" do poder paralelo, a presença miliciana afeta territórios ocupados por 1,7 milhão de habitantes. No começo da série histórica, eram 600 mil. O aumento, portanto, foi de 185%. O CV também espichou no mesmo intervalo, mas em velocidade menor: 42%.

O próprio estudo antevê problemas no recorte populacional, por usar dados do Censo de 2010, muito desatualizados. O novo levantamento do IBGE sofreu atrasos e está sendo feito só neste ano.

Também há chances de distorção ao considerar apenas quem reside nesses locais, já que o poder paralelo também tem impacto, por exemplo, na vida de trabalhadores. Acontece se eles se locomovem em transportes clandestinos, importante filão da milícia, ou param na farmácia perto do trabalho —segundo a Polícia Civil, milicianos já controlam mais de 1.200 drogarias no Rio.

O movimento paramilitar arrefeceu um pouco após a CPI das Milícias, realizada em 2008 na Assembleia Legislativa fluminense. A comissão pediu o indiciamento de 7 políticos e outras 259 pessoas. Os milicianos voltaram a se fortalecer nos últimos anos, beneficiados por um combo de más notícias para o estado, como explica a socióloga Maria Isabel Couto (Instituto Fogo Cruzado), coordenadora do estudo junto com Daniel Hirata (Geni/UFF).

Entre 2016 e 2018, o país acompanhou traficantes se engalfinharem em violentas batalhas por controle territorial, com reflexo no Rio. "Aqui, a disputa entre PCC e CV se materializou com o investimento da facção paulista em grupos rivais do Comando e foi potencializada porque a crise fiscal, econômica e de gestão que o estado enfrentou fragilizou a capacidade de respostas do poder público", afirma Couto. "Essas mesmas condições facilitaram o crescimento explosivo das milícias."

Os anos 1960 pariram esquadrões da morte que serviram de embriões às milícias como hoje as conhecemos. O mais famoso deles, a Scuderie Le Cocq, homenageia no nome um detetive morto pelo bandido Cara de Cavalo, depois executado ao arrepio do devido processo legal.

Grupos de extermínio estiveram por trás de várias chacinas ao longo desses anos, mas o modelo miliciano clássico se fortaleceria só nos anos 2000, com policiais e ex-policiais em seu esqueleto.

Milicianos não são menos tirânicos do que traficantes, mas "se vendem como fiadores de mercadorias valiosíssimas", aponta Bruno Paes Manso no livro "A República das Milícias" (Todavia). Eles prometem ordem e parceria com a polícia, o que diminui o risco de operações policiais e tiroteios nas comunidades.

"Você tem o envolvimento direto dos agentes de segurança pública, então é por dentro do Estado que a milícia cresce, com toda a proteção e a informação privilegiada", afirma o sociólogo José Cláudio Souza Alves, pesquisador do fenômeno.

No começo, havia uma aura justiceira associada à milícia, como se ela tivesse autorização para combater a qualquer custo traficantes que inundavam as comunidades com drogas. Hoje isso é balela. "Milicianos também têm relação com o tráfico, apesar do discurso de que impediriam bandidos de crescer", diz Alves.

"O discurso ‘legitimador’ das milícias faz parte do passado", segundo Couto, do Instituto Fogo Cruzado. "Agora, milícias e traficantes atuam em parceria e fizeram um ‘intercâmbio’. A milícia vende drogas e o tráfico cobra taxas de moradores. A milícia hoje é uma grande holding, já que tem em seu modelo a detenção de ‘participação acionária’ nas atividades do tráfico."

Milicianos já se uniram ao TCP para tomar espaços da ADA e também arrendaram áreas inteiras para traficantes explorarem economicamente uma região. "Como as milícias são compostas também por servidores da administração pública, elas têm acesso a informações que valem muito", diz a socióloga.

Têm também ascendência sobre boa parte de serviços e comércio. Controlam a venda do gás de cozinha, a segurança local, a cobrança de aluguel das casas, o acesso a consultas médicas, a circulação das vans, entre outras frentes de negócio clandestino.

A atuação é quase sempre imposta na base da força. Alguém que se recuse a pagar pela proteção oferecida por milicianos, por exemplo, pode ser coibido a mudar de ideia após sofrer atentados.

Suspeita-se que algo assim aconteceu no latrocínio de um advogado de 27 anos que saía de uma roda de samba no centro do Rio. A Polícia Civil prendeu em agosto um segurança acusado de encomendar o roubo por R$ 400 para o homem que acabou esfaqueando Victor Stephen Pereira.

"Ao ampliar seu domínio territorial, a milícia amplia também sua ‘cartela compulsória de clientes’", diz Couto. "Ela atua fortemente no setor de construção civil, grilando terras, drenando e roubando areia, construindo empreendimentos imobiliários."

A cada dois anos, esse batalhão de criminosos tenta intervir no processo eleitoral, muitas vezes com êxito. Uma das táticas é permitir que apenas candidatos chancelados pela milícia façam campanha nos territórios dominados. Em última instância, chegam a matar potenciais concorrentes.

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sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Milicianos para quê * Moisés Mendes

MILICIANOS PARA QUÊ 

Como a extrema-direita abandona seus milicianos

por Moisés Mendes - 02.01.2022

_O experiente jornalista Moisés Mendes escreve em seu blog sobre como as milícias são abandonadas pela extrema-direita. Dá o exemplo da Bolívia, cita o filme da Netflix e pensa o Brasil_

O filme ‘Não olhe para cima’ tem uma situação exemplar do destino de subalternos e bajuladores (incluindo parentes) que se consideram parte da estrutura de poder montada por direita e extrema-direita no século 21.

Digo isso e aviso que esse texto é para quem já viu o filme e para quem não liga para spoiler. Porque vou contar uma cena decisiva, para falar do que acontece com os que se acham parte orgânica de governos totalitários e negacionistas condenados à extinção, como foi o de Trump e como é o de Bolsonaro.

Déspotas, mesmo os eleitos, abandonam trastes pelo caminho, para salvar a própria pele. Essa é a lição final do filme.

É o que faz a presidente dos Estados Unidos (Meryl Streep), quando foge do fim do mundo e deixa para trás o próprio filho, um personagem escrachadamente inspirado em Carluxo.

Na Bolívia, golpistas civis de 2019 deixaram para trás os comandantes, oficiais e soldadama da Polícia Nacional, que puxaram o golpe com o motim que desencadeou a queda de Evo Morales.

Esta semana, mais 13 oficiais da Polícia Nacional foram expulsos da corporação, por decisão administrativa do comando da organização, e ainda enfrentarão processos criminais na Justiça.

Um dos principais personagens do grupo de 13 golpistas da Polícia Nacional é o major Daniel Capriles. O major fomentava e participava de ações de milicianos civis armados que se autodenominavam Resistencia Juvenil Cochala, de Cochabamba.

O fascista Yassir Molina, líder da milícia, está preso com outros companheiros. Também estão presos o chefe da Polícia Nacional, o general Yuri Calderón, e oficiais envolvidos na organização e liderança do motim e de atos contra o governo eleito.

No total, são 26 os integrantes da Polícia Nacional (que é a PM nacional deles) denunciados por envolvimento em algum tipo de ilegalidade, quando das ações golpistas de 2019.

Perguntem se eles têm o apoio de algum líder civil do golpe. Não têm nada. Os golpistas civis, quase todos com origem na província de Santa Cruz de la Sierra, abandonaram os policiais e os milicianos.

Grupos paramilitares, como os que Bolsonaro imagina criar no Brasil, só funcionam quando seus idealizadores e protetores estão no poder.

Na Bolívia, tiveram força e se sentiram impunes durante o ano em que durou o golpe. Quando o "Movimento ao Socialismo" venceu as eleições, em 2020, e voltou ao poder, os golpistas fardados caíram em desgraça.

Todos os líderes foram encarcerados preventivamente por decisões do Ministério Público e da Justiça. Já foi divulgado à exaustão, mas vamos repetir: estão presos os chefes da Polícia Nacional e os chefes das Forças Armadas.

Todos foram abandonados por políticos, empresários, latifundiários, contrabandistas e mafiosos que organizaram e patrocinaram o golpe.

Candidatos à criação de milícias semelhantes no Brasil devem prestar atenção ao caso boliviano. Não esperem que, depois de derrotado e com mais de 30 processos na Justiça, Bolsonaro fique por perto para socorrê-los.

Não haverá socorro nem de Bolsonaro nem dos participantes da estrutura de poder montada pelo sujeito.

Policiais e milicianos não valem nada para a extrema-direita boliviana. Com Bolsonaro sem poder, milicianos de verde-amarelo não valerão nada para os fascistas brasileiros.